A onda de fusões no mercado editorial

Por MiriamL

Da revista Samuel

01/03/2013 08:00

PÁGINAS INCERTAS

A onda de fusões de editoras ameaça o mercado de livros

Anunciada no final de 2012, a fusão entre as editoras Penguin e Random House, controlada pela Bertelsmann na Alemanha, acabou repercutindo em todo o círculo de editoras ocidentais. Este novo gigante será responsável pela publicação de cerca de 25% de todos os livros em inglês, com vendas anuais estimadas em US$ 4 bilhões. No entanto, veículos como o New York Times continuam tratando a negociação como algo rotineiro, e até mesmo benéfico.

Desde os anos 1980, quando a Random House foi adquirida pela Advance Publications, de Si Newhouse, as fusões passaram a devorar pequenas editoras independentes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Como o mercado editorial tem sido tão intensamente dominado pelos grandes conglomerados, uma nova fusão parece algo natural, sugere o NY Times. Na verdade, outras incorporações podem acontecer na sequência.

De certo modo, há uma lógica na análise. As fusões estão acontecendo porque o mercado editorial de livros provou-se menos lucrativo do que imaginavam os grandes conglomerados. Na maior parte dos últimos dois séculos, as editoras ocidentais obtiveram, em média, um lucro anual de meros 3%. Os novos donos esperavam subir essa margem para algo perto dos 25%, índice suficiente para alcançar o patamar de seus outros negócios: jornais, revistas e emissoras de televisão — ainda que estes dependam da publicidade. Mas, por mais que se esforçassem, as editoras não conseguiram produzir best-sellers o suficiente.

Depois veio a concorrência da Amazon, que também resolveu entrar no mercado editorial, contratando agentes e editores na busca por autores de best-sellers. Além disso, a Amazon também forçou as editoras a aceitar o preço de US$ 9,99 para os seus e-books — reduzindo drasticamente as margens de lucro, além de enfraquecer as vendas tradicionais do livro em papel, formato com o qual os publishers sempre puderam contar como importante fonte de renda. A Amazon até se recusou a listar os livros de casas que teimavam em não adotar a nova política. Surpreendentemente, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos optou por uma interpretação extremamente restrita das leis antitruste ao processar os editores contrários aos novos preços da Amazon, em vez de questionar o gigante que os pressionava.

Eliminação de títulos

Diante desse desafio, as empresas recém-fundidas argumentam que vão economizar dinheiro com vendas e distribuição e, desse modo, conseguir competir com a Amazon, ou obter melhores negociações. Elas nem podem argumentar que conseguirão publicar livros mais lucrativos, uma vez que já estão tirando leite de pedra. Entretanto, podem cortar os títulos menores, conhecidos como midlist. Citando o consultor editorial Mark Oliver, a revista The Economist disse que ele espera que “a Penguin Random House exclua os autores de médio porte, assim como as gravadoras romperam com alguns cantores medíocres” — no que diz respeito aos autores de literatura ou de não ficção. Mas qualquer estudante de administração sabe que a verdadeira economia não vem da eliminação de títulos, mas sim da demissão de editores que ainda acreditam que apostar nesses livros é parte de seu trabalho.

Ao NY Times, Thomas Rabe, chefe da Bertelsmann, disse que “a fusão também permitirá à nova empresa investir nos mercados emergentes, mais promissores ao crescimento que os mercados já desenvolvidos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental”. Este não é exatamente um comentário encorajador sobre a intenção da nova editora de publicar no mercado norte-americano. Quando estive na Índia, há alguns meses, conheci chefes das editoras de capital europeu que não pareciam compartilhar dessa expectativa; na verdade, eles estavam bem preocupados com as vendas e com a meta de lucro que deveriam atingir. Porém, o conglomerado Bertelsmann — famoso por ter mais contadores do que editores nas suas empresas — certamente deve ter projeções mais precisas do que seus funcionários.

Vamos então aceitar que esse cenário otimista está correto: menos títulos e editores, distribuição mais eficiente e um acordo melhor com a Amazon, pelo menos  para as empresas maiores e mais fortes. Isso basta para agradar os acionistas?

O que temos visto nos últimos meses é uma nova e importante tendência corporativa. Com a esperança de atrair os olhares de Wall Street para os seus ativos mais promissores, o empresário Rupert Murdoch, do grupo midiático News Corporation, decidiu agrupar seus jornais menos lucrativos junto com seu império editorial HarperCollins — os “ativos editoriais com performance abaixo do ideal”, como chamou o NY Times. Isso iria libertar as holdings realmente lucrativas, como a Fox TV e a BSkyB, dos grilhões da palavra impressa. Do mesmo modo, a Pearson afastou o Financial Times e os títulos de educação muito lucrativos da Penguin de uma contaminação semelhante. O selo Penguin — a melhor das editoras britânicas e, como seria de se supor, a joia na coroa da empresa — também iria ser vendido sem muita dor no coração não fosse pelos enormes impostos sobre a transação.

Redes vulneráveis

Aparentemente, a Bertelsmann espera que a nova fusão aumente as margens de lucro, decepcionantes até o momento, alcançadas a partir dos 10 mil títulos que a Random House publica anualmente por meio de seus 200 selos editoriais (que uma vez já foram promissoras casas independentes). Porém, o que essas manobras sugerem é que o mercado de livros não é mais lucrativo o bastante, e nunca o será para os executivos da empresa. E mais: que as editoras que os publicam provavelmente nunca deveriam ter sido adquiridas.

O futuro dos livros não parece bom. As grandes redes conseguiram eliminar boa parte das livrarias independentes oferecendo descontos absurdos até que a competição desista. Na Nova York do pós-guerra, quando trabalhei na 8th Street Bookshop, havia 333 livrarias independentes. Agora, não passam de algumas dúzias de lojas, incluindo as grandes franquias. E até mesmo estas estão sob forte pressão da Amazon, que têm se dedicado a eliminar os revendedores intermediários.

Com o fim da Borders e a queda nos lucros da Barnes & Noble, até as redes estão vulneráveis. As lojas que permitiram a leitores descobrir novos livros — e receber conselhos de vendedores bem informados — têm desaparecido. A Amazon ainda não tentou preencher esse nicho, confiando cada vez mais na publicidade que ronda os best-sellers, e desperdiçando com eles páginas inteiras de anúncios no Times Book Review ou na New Yorker. Certamente, esses títulos vão continuar vendendo bem no formato eletrônico, ainda que as grandes redes estejam começando a contra-atacar. Há relatos de que algumas franquias estão se recusando a manter em estoque esses best-sellers, ou dificultando a sua venda.

No entanto, como podemos notar semana após semana, observando a lista dos mais vendidos do NY Times, esse mesmo punhado de livros tende a vender mais, independentemente do formato. Os títulos menores vão desaparecer dos catálogos das grandes empresas, e as poucas editoras independentes que restarem terão ainda mais dificuldade em achar pontos de venda para os seus parcos produtos.

Novamente segundo o NY Times, agentes e autores já manifestaram seus temores e, supostamente, já foram tranquilizados pelos chefes dos conglomerados. Mas essas promessas são claramente vazias. Os agentes terão cada vez menos compradores e os autores, menos editores. Quanto aos leitores, nem o NY Times conseguiu encontrar um alto executivo disposto a garantir que o futuro é promissor.

Tradução por Felipe Amorim

* Texto originalmente publicado no The Nation

Luis Nassif

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