Apaga e faz de novo, por Antonio Machado

Lula subestimou a força conservadora do Congresso, que sempre existiu, mas se compunha com o governante de turno em troca de verbas

Beppe Giacobbe

Apaga e faz de novo

por Antonio Machado

Desemprego em recorde de baixa e mal-estar na política e na sociedade significam muita coisa

A falta de correspondência entre as pesquisas de intenção de voto nas eleições municipais de outubro, a popularidade do governo e a taxa de desemprego de 6,8% em agosto, vindo de 13,7% em igual mês de 2021, 9,1% em 2022 e 7,9% no ano passado, explicam a tensão nas cúpulas do governo, do Congresso e dos partidos.

O desempenho da economia, pelo padrão do passado recente, deveria impulsionar os candidatos da base governista, mas, nas 21 capitais onde há pesquisas de voto, o PT divide a liderança apenas em Porto Alegre. Nas demais, candidatos a prefeito dos partidos de direita ou de centro-esquerda estão na frente, exceto em São Paulo, onde o PSOL, coligado ao PT, está parelho com o prefeito Ricardo Nunes, apoiado por Bolsonaro, e um outsider mais radical do que ele.

Curiosamente, as principais disputas são entre nomes de centro-direita e centro-esquerda, sem influência ativa seja de Bolsonaro ou de Lula, contrariando a expectativa da polarização e do poder das máquinas dos governos federal e dos estados. O que acontece?

Eleito com margem apertada de 2,12 milhões de votos sobre Jair Bolsonaro, provavelmente graças ao apoio que recebeu dos eleitores da chamada “3ª via”, o presidente Lula parece ter subestimado a força da maioria conservadora do Congresso, que sempre existiu, mas se compunha com o governante de turno em troca de verbas das emendas à lei orçamentária e cargos na administração.

Quando as emendas começam a se tornar obrigatórias nos governos Dilma em diante e o Congresso passou a pilotar a Casa Civil na gestão Bolsonaro – sendo este o preço que pagou para não sofrer um processo de impeachment devido a seu comportamento bisonho na pandemia da covid -, o equilíbrio entre os poderes se dissolveu.

Não só o Congresso se uniu, até com parlamentares de esquerda, na defesa de seu quinhão volumoso do orçamento federal, mas também o governo carece de uma equipe mais diversa e experiente como Lula dispôs entre 2003 e 2010, sobretudo nas duas áreas mais críticas – a interlocução política com a maioria conservadora parlamentar e a gestão da economia, além de sua interação com o setor privado.

Arcabouço da rosca sem fim

Tais disfuncionalidades desembocam no orçamento, que está há onze anos deficitário, implicando três únicas possibilidades: ou corta despesas ou aumenta impostos ou um combinado de ambas as saídas.

Nenhuma é fácil e fica mais difícil com o governo e a oposição convencidos de que não se ganha eleição sem programas sociais para baixo e subsídios para cima na pirâmidade de renda. Não funciona.

A economia precisa de crescimento, dependente de investimentos de origem privada e, subsidiariamente, pública, com custo acessivel, o que decorre da taxa de juro de política monetária, vulgo Selic, compativel com a rentabilidade dos projetos empresariais e com a trajetória da inflação. É onde se encaixa o ajuste fiscal, que a equipe econômica do governo pretende fazer com aumento de tributos – e foram R$ 238 bilhões só este ano de arrecadação adicional.

Só que o processo de ajuste puxado por impostos é tipo rosca sem fim, já que mais de 90% da despesa federal cresce acima do ritmo da arrecadação tributária. E a despesa segue se expandindo com os novos programas bem-intencionados, mas sem cobertura financeira.

No desespero para conciliar vontades políticas com promessas de equilibrio fiscal aos detentores dos papéis de dívida do Tesouro Nacional – que chegou a 78,5% do PIB em julho, vindo de 74,42% em dezembro passado -, o governo enviou na sexta-feira, na maciota, outro projeto de lei propondo mais aumento de carga. É no way, protestou desta vez a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Caras e bocas de ‘pedalada’

Em nota, a CNI afirma que decidiu posicionar-se “terminantemente contra o novo aumento de carga tributária” e que o setor produtivo “irá trabalhar para, definitivamente, frear a sanha arrecadatória pela qual o País passa recentemente”. Não se aumentam os impostos quando o próprio governo patrocina um programa maciço de obras de infraestrutura, além de ter anunciado que não mexeria na carga, que já é gigantesca, algo como 32% do PIB, pela Receita. Ou mais.

Foi apropriada a galhofa da tributarista Maria Carolina Gontijo, em seu último post no X antes que a rede fosse desligada por ordem do ministro Alexandre de Moraes: “1 minuto de silêncio em respeito ao falecimento da narrativa do ‘não propomos aumento de impostos e sim correções de distorções’”. Antes fosse piada. É mais sério.

O projeto de lei enviado ao Congresso propõe aumentar a CSLL de bancos e empresas em geral e mais o IR na fonte sobre os juros sobre capital próprio (nome da distribuição de lucro da parcela de capital investida pelos próprios acionistas). E isso por quê?

Porque o projeto de Lei Orçamentária para 2025 enviado ao exame e voto do Congresso embute um déficit estrutural não coberto apenas com o que a área econômica diz que fará: pente fino sobre gastos possivelmente desnecessários ou fraudados. Isso não é ajuste. Isso é obrigação banal de todo administrador, público e privado.

No fim, o aumento de impostos, que muito provavelmente não passará no Congresso, se assemelha a uma pedalada sancionada em lei.

O governo tem opções à mão

O que mais incomoda é que o governo tem opções tanto para o Banco Central se desvencilhar da cilada dos juros altos – ainda mais com um novo presidente indicado, Gabriel Galípolo, o melhor quadro à disposição de Lula para uma função desgastada e sensível -, quanto para revolucionar a atenção social sem esgarçar o orçamento.

A modelagem de uma infraestrutura pública digital, com softwares abertos, estrutura de pagamentos do PIX, logística dos Correios e população quase toda digitalizada, tem potencial de criar mercados e empregos emulando o sucesso tecnológico da Índia. Falta decisão.

Não dá é achar que elevar para 47% o ônus do IR e CSLL dos bancos não vá onerar o crédito. Ou que não terá consequências nefastas, como diz a CNI, elevar “a tributação sobre a renda corporativa dos atuais 34%, já destoantes da prática internacional, para 35%”. É o que quer a Fazenda. E isso distanciaria “ainda mais o Brasil da tributação da renda corporativa média dos países-membros da OCDE, de 23,6%”, segundo a CNI.

O presidente ouviu uma segunda opinião?

A combinação de gasto deficitário com a obsessão de taxar, diz o economista André Lara Resende, vai destruir a economia. Um setor relevante do empresariado protestou duro. Que a política escute.

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