E o crescimento do PIB surpreende. É sustentável?
por Carmem Feijo
O crescimento do PIB em 2,9% no 1º. semestre de 2024 superou positivamente as expectativas dos analistas. Melhor ainda, o crescimento, pelo lado da oferta, mostra uma recuperação da indústria de transformação, que no semestre cresceu 2,6% frente a resultados negativos em 2023. Pelo lado da demanda, a formação bruta de capital fixo cresceu à taxa de 4,2%, resultado bastante positivo sinalizando que as apostas no futuro desempenho da economia são positivas. Vale observar, contudo, que nossa taxa de investimento se situou em 16,5% (em valores correntes) em 2023, cifra considerada muito baixa para uma economia alavancar as taxas de crescimento.
Assim, para ser sustentável, devemos indagar se estamos equipados com políticas econômicas adequadas para garantir a boa maré de crescimento. Um ponto de partida é destacar que a economia brasileira perdeu o dinamismo nas últimas décadas, e nossa avaliação é a de que a dificuldade em crescer de forma sustentável está relacionada, em grande parte, com o arranjo de política macroeconômica – o chamado tripé macroeconômico – em vigor há mais de 2 décadas. Na perspectiva analítica keynesiana, políticas de curto prazo têm efeito na trajetória de crescimento de longo prazo, e, portanto, políticas de austeridade monetária e fiscal, tendo como meta a estabilidade de preços e o equilíbrio das contas públicas, reduzem o potencial de crescimento a longo prazo. A redução da capacidade de intervenção do estado na economia, por meio da imposição de regras de política econômica, dificilmente desperta o ´animal spirits´ do setor privado, e conduz a economia ao rentismo e baixo crescimento.
Diferentemente do pensamento macroeconômico convencional, na visão keynesiana políticas macroeconômicas devem atuar contraciclicamente, tendo como objetivo sustentar taxas elevadas de crescimento, garantir a geração de emprego de qualidade e aumentar a competitividade e a produtividade, reduzindo a vulnerabilidade externa. Esses objetivos não são incompatíveis com manter inflação e contas públicas sob controle, mas demandam um arranjo de políticas econômicas e de instituições públicas distinto do preconizado pelo arranjo do tripé macroeconômico.
A sustentação de taxas de crescimento compatíveis com o aumento do bem-estar da população via o desenvolvimento de um mercado de trabalho robusto depende da diversificação da estrutura produtiva e do aumento do peso dos setores e atividades tecnologicamente avançadas na matriz produtiva. Estruturas diversificadas e tecnologicamente avançadas potencializam os ganhos de produtividade da economia, condição fundamental para a sustentação do crescimento a longo prazo.
Sob o arranjo do tripé macroeconômico desde o início dos anos 2000, a indústria de transformação, o setor com maior capacidade de alavancar o crescimento dos demais setores por suas ligações para frente e para trás na cadeia produtiva, perdeu espaço relativamente aos setores de agropecuária e de indústrias extrativas. Regredimos na nossa matriz produtiva: em 1996, segundo as Contas Nacionais Trimestrais, a indústria de transformação respondia por 14,2% do valor adicionado total (em valores constantes), e esse percentual caiu para 9,0% em 2023. Os setores de agropecuária e indústrias extrativas, por sua vez, ganharam importância, aumentando a especialização de nossa economia na exploração de atividades intensivas em recursos naturais e na produção de bens de baixo valor adicionado. Vale observar que no contexto de transição climática, setores intensivos em recursos naturais são mais atingidos por eventos climáticos extremos, e exibem maiores riscos físicos e de transição. Assim, a dependência atual desses setores torna a economia mais suscetível a crises de balanço de pagamentos e a pressões futuras de custo sobre os preços.
Participação % do Valor Adicionado Setorial no Valor Adicionado Total
1996 e 2023 (em valores encadeados a preços de 1995)
Agropecuária+Indústrias Extrativas | Indústria de Transformação | |
1996 | 5,8 | 14,2 |
2023 | 8,2 | 9,0 |
Fonte: IBGE- Contas Nacionais Trimestrais.
À luz do exposto, a surpresa dos analistas econômicos em relação ao desempenho do PIB no semestre se justifica. A política macroeconômica de curto prazo é dominada pelo caráter de austeridade monetária e fiscal, e a taxa de juros nominal básica se encontra-se atualmente em 10,5% ao ano, o que desestimula a alocação de recursos em ativos de longa duração, reduzindo o potencial de crescimento e de diversificação produtiva da economia. O compromisso com déficit primário zero este ano, por sua vez, comprime gastos públicos que são alavanca do crescimento dos gastos privados.
Para concluir, há pouco espaço de política econômica para nos colocar numa rota de desenvolvimento econômico, com taxas de crescimento mais elevadas. Corremos o risco de vivenciarmos mais um vôo de galinha. Há avanços importantes do novo governo para pensar o longo prazo, com o lançamento do programa Nova Indústria Brasil (NIB), o Plano de Transformação Ecológica, a política tecnológica lançada em agosto, dentre outras iniciativas relevantes, mas o tripé macroeconômico ainda é muito rígido e restringe o alcance de políticas de horizonte de longo prazo.
Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF
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