A quem interessa a regressão brasileira?
por César Locatelli
“A burguesia precisa da regressão para manter a dominação,
caso contrário ela terá que enfrentar ação política do proletariado.
Assim, junto com a regressão, a burguesia precisa
da ideologia do progresso, com a finalidade de criar ilusões
Isto é imagens que impeçam os trabalhadores
de perceber que está em curso uma contradição e
que o trabalho dessa contradição pode levar à revolução.”
(Marilena Chauí em A ideia de história em Marx , TVBoitempo)
O incontestável apoio que partidos e líderes de extrema direita têm conquistado mundo afora é um sinal de que importante parcela da população mundial está trocando de ilusão. Muitos não mais acreditam que o modo corrente de organização da sociedade pode lhes garantir uma existência livre de sofrimentos e passam a crer que a solução virá da exclusão do ‘culpado’, que pode ser um outro, de outra religião, de outra etnia, de outra ideologia e assim por diante. Continua a não lhes passar pela cabeça que a culpa pode estar na contradição do modo de produção capitalista.
Ao deixar de crer na edulcorada narrativa predominante, de que é possível unir esforços de todos os componentes de uma sociedade, como a brasileira, para o desenvolvimento, para o bem estar e o acolhimento geral, para a redução das iniquidades, apoiam aquele que “é diferente de tudo o que está aí”. Essa é uma razão, que pode não ser a única, para se compreender o apoio de significativas parcelas da população à regressão generalizada por que passa a nação brasileira.
E se parte da população brasileira se radicaliza por se sentir sobrante, o discreto e eficaz apoio de setores privilegiados à essa extrema direita parece ter outra origem. O que se busca mostrar aqui é que a regressão vivida no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff – a perda de riqueza, de liberdade, de igualdade, de satisfação – não contrariou certos interesses e, em alguns casos, resultou em lucros polpudos, mesmo nesses anos de estagnação, desemprego desumano e aumento da miséria e da fome.
Que interesses têm grandes exportadores nas condições de vida da maioria? Quais foram as rentabilidades recentes de grandes bancos e grandes empresas brasileiras nesses anos de aumento do sofrimento de inúmeros brasileiros?
O que interessa aos grandes exportadores?
É essencial avaliar-se em que medida o ganho econômico de um exportador, digamos de soja, com sua produção altamente mecanizada, sobre largas extensões de terra, depende do desenvolvimento do Brasil. E mesmo, em que medida seus lucros crescem ou diminuem o bem estar da população de renda mais baixa e sua inclusão no consumo de bens e serviços?
A agropecuária, em 2021, vendeu 55 bilhões de dólares ao exterior e a indústria extrativa 80 bilhões. As exportações da indústria de transformação, que somaram US$ 144 bilhões, também em 2021, continham 72% de bens de baixa e média-baixa intensidade tecnológica. O que, do mesmo modo que a agropecuária e extrativa, significa empregos com baixos salários e baixa dependência do poder de compra da população brasileira.
Tomando-se, então, o mês de março de 2022 como exemplo, percebemos que 70% das exportações originaram-se da grande agricultura, do setor de minérios, da extração de petróleo, da pecuária e da celulose. O grupo composto por soja e derivados, café não torrado, algodão, gorduras e óleos, açúcares e melaço representou 32% das exportações de março. Minérios e semiacabados contribuíram com 16%. Óleos brutos e óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos, crus responderam por 14%. Carnes (6%) e celulose (2%) completaram 70% da exportações de março de 2022, conforme dados da Secretaria Especial de Comércio Exterior.
É plausível dizer-se que os grandes exportadores brasileiros, que empregam um pequeno número de trabalhadores e em grande parte não qualificados, independem do poder de compra, e consequente poder de consumo, da população brasileira. Sua rentabilidade sofre maior influência dos tributos – em especial da ausência deles –, dos preços de seus produtos no mercado internacional, da taxa de câmbio e da infraestrutura para levar sua mercadoria aos portos com pouca perda. Um governo que conserve seus privilégios correntes e não incentive, e mesmo que faça regredir, “perigosos avanços sociais” parece satisfazer a esse setor detentor de enorme poder político.
Quatro bancos brasileiros entre os dez mais rentáveis
Os meios de comunicação brasileiros estamparam manchetes, há algumas semanas, sobre um estudo da Economatica, uma desenvolvedora de sistemas para análise de investimentos, que revelou que 4 bancos brasileiros – Santander (3o), Itaú (5o), Banco do Brasil (7o) e Bradesco (8o) – figuravam entre os 10 de maior lucro sobre o patrimônio no ano de 2021. Para o ranking foi selecionada uma amostra de 39 grandes bancos, com ativos superiores US$ 100 bilhões, de diversos países ao redor do mundo.
Os EUA lideraram a lista com 19 bancos, seguidos por Brasil, Canadá e Grã-Bretanha, com quatro bancos cada. Três bancos japoneses e mesmo número de sul-coreanos integraram a amostra, assim como dois bancos da Espanha e dois da Índia. Outros quatro países tiveram uma instituição selecionada para esse ranking.
Um dos gráficos do estudo compara a rentabilidade dos 4 grandes brasileiros com os 19 grandes norte-americanos.
É notável como, por todos os 11 anos analisados pelo estudo, a mediana da rentabilidade dos 4 grandes bancos brasileiros é superior a dos 19 bancos dos EUA. Seria razoável supor que os bancos de sociedades muito mais ricas obteriam lucro superior. Mais surpreendente, no entanto, é que após forte queda pela recessão brasileira pós-golpe de 2016, a rentabilidade desses bancos, retornou aos níveis anteriores.
A recuperação nas rentabilidades de 2018 e 2019 não foi resultado de uma melhora da economia brasileira como um todo, tampouco correspondeu a um aumento do emprego ou da renda do trabalho nesse período.
Parece, assim, razoável equipará-los aos exportadores: nenhum dos dois setores depende de uma economia nacional com saúde.
O surpreendente crescimento do lucro das grandes empresas após 2016
Outro gráfico, também do estudo da Economatica, é bastante revelador de que o emprego, a renda do trabalho e mesmo a economia do país não precisam ir bem para que a rentabilidade de um grupo de grandes empresas tenha alta rentabilidade.
A amostra usada para a construção desse gráfico é constituída por empresas não financeiras com ações nas bolsas do EUA, sendo 374 brasileiras, linha azul, e 3871 empresas estadunidenses, linha vermelha. A observação do crescimento da rentabilidade sobre o patrimônio das empresas brasileiras após as quedas de 2015 e 2016, enseja a ideia de que a economia brasileira rapidamente voltou aos eixos a partir de 2018, o que nem de longe aconteceu. Nem mesmo a pandemia provocou queda pronunciada como a que podemos, através do gráfica, visualizar no ano de 2020 nos EUA.
Se os dados aqui apresentados de empresas exportadoras, de bancos e de empresas não-financeiras forem representativos de parte importante da economia brasileira, é possível afirmar que, para a rentabilidade da maior parte das grandes empresas, o emprego e a renda do trabalho pouco importam. O que lhes importa é uma tributação baixa, como o Imposto Territorial Rural, ou inexistente, como o Imposto de Exportação, além de infraestrutura e legislação que lhes permita circular confortavelmente. Austeridade em excesso, como o tristemente afamado teto de gastos, não lhes altera a rentabilidade, ao contrário, pode até melhorar.
* Um agradecimento especial ao amigo Ademir Figueiredo pelos comentários aos rascunho desse artigo.
Cesar Locatelli – Economista e mestre em economia
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].
Leia também:
O exagero dos juros, por César Locatelli
Lula: um candidato de centro, por Cesar Locatelli
“O desafio do Brasil não é fácil, mas temos por onde começar”, por César Locatelli
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Esse quadro de regressão e deterioração vivido pelo País nos últimos anos, internamente pode trazer consequências bem negativas. Do ponto de vista do ganho obtido por aqueles estão englobados no levantamento, podem comemorar. Em qual medida a desagregação que vai sendo acentuada irá comprometer o futuro. O empobrecimento de toda a sociedade carrega também a perda de prestígio e a diminuição do interesse por ele. Já não há grande interesse de determinados setores em realizar investimento por aqui, devido uma infinidade de razões. Regredir aumentando ainda mais os desníveis apresentados em relação aos demais países é contabilizar perdas. Uma sociedade desestimulada só produz dificuldades, o Brasil precisa de solução.
Escrevi ontem. Mas serve pra hoje.
Casa cheia.
Ao meio-dia de hoje, Dia das Mães, filas de espera por uma mesa nos restaurantes, depois disso, tempo de espera de até uma hora à mesa, sem esquecer da dificuldade de arranjar lugar para estacionar.
O que era de se esperar, em se tratando de que este é o primeiro Dia das Mães livre, depois de dois anos de parcial confinamento e terror pandêmico.
Pelo visto, a crise é pra quase todos; mas, considerável parcela da população dela ainda não tomou conhecimento. Parte porque embalada pela sensação de progresso passada pela mídia; parte também porque a pandemia escondeu os problemas reais, e que só agora virão à tona.