Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Harold Geneen, a ITT e a raíz do financismo nas empresas, por André Araújo

Conheci então pessoalmente Geneen no edifício sede da ITT na Park Avenue em New York. O negócio não saiu, Geneen era um homem educado mas gélido e sem charme. Sua teoria era a de que não era preciso conhecer ramo algum, bastava entender de números. Foi o precursor do financismo que gerou a "Era dos Conglomerados". Com seu apogeu nos anos 70, muitos outros foram criados e a maioria já desapareceu, a própria ITT entrou em um período decadente já no final dos anos Geneen e se desfez da maior parte de suas aquisições

Por Andre Araujo

Harold Gennen foi um auditor inglês por profissão, de ascendência russo-judaica que celebrizou-se como CEO da gigante de telecomunicações International Telephone and Telegraph Co. entre 1959 e 1977. A celebre ITT, tema de um livro de Anthony Sampson, o extraordinário autor britânico das “Sete Irmãs do Petróleo”, era uma empresa em decadência quando Geneen assumiu o comando, mas já tinha longo e não bela histórica.

A ITT era a emulação do muito maior ATT, American Telephone and Telegraph Co., criada pelo banqueiro John Pierpont Morgan e que chegou a ser a maior empresa do mundo, com mais de um milhão de empregados. A ITT foi criada nas Ilhas Virgens americanas pelo Cel.Sosthenes Behn em 1920 e fundou companhias telefônicas e telegráficas no Brasil, Chile, Argentina, Espanha,, Hungria e mais 30 países.

Além da exploração dos serviços de telecomunicações, também fabricava equipamentos sob várias marcas como Lorenz e Standard Electric. Desde seu início a ITT envolveu-se em política nos países, sendo parte da raiz dos golpes que levaram ao poder Franco na Espanha em 1939, Pinochet no Chile em 1973, e no pano de fundo do movimento que levou os militares ao poder no Brasil em 1964. Teve também fortes ligações com o governo Peron na Argentina. Durante a Segunda Guerra manteve presença na Alemanha nazista, através da Lorenz, mesmo depois que os EUA entraram na guerra, o que provocou sérias consequentes durante e depois da Guerra, com inquéritos e processos movidos pelo Governo dos EUA.

Quando Geneen assumiu a ITT em 1959, coube a ele implantar uma nova ideologia de administração em cima de ativos já desvalorizados. Entre 1960 e 1975, Geneen comprou 539 empresas dos mais diversos ramos, sem relação com a atividade inicial da ITT. Entre suas aquisições estavam Sheraton Hoteis e a locadora de carros Avis, mais uma infinidade de ramos e setores. Comprou mais de 30 firmas de bombas hidráulicas, entre as quais a maior americana, a Gould Pumps. Na época o grupo empresarial da minha família tinha uma fábrica de bombas no Brasil e a ITT fez abordagem de compra, em 1971.

Conheci então pessoalmente Geneen no edifício sede da ITT na Park Avenue em New York. O negócio não saiu, Geneen era um homem educado mas gélido e sem charme. Sua teoria era a de que não era preciso conhecer ramo algum, bastava entender de números. Foi o precursor do financismo que gerou a “Era dos Conglomerados”. Com seu apogeu nos anos 70, muitos outros foram criados e a maioria já desapareceu, a própria ITT entrou em um período decadente já no final dos anos Geneen e se desfez da maior parte de suas aquisições.

Mas Geneen deixou raízes na praga dos “cabeças de planilha” financeiros que acreditam poder gerir qualquer coisa a base de números, corte de custos e magicas de balanço.

A “escola Geneen” se reproduziu como uma praga que persegue o capitalismo até hoje e pode leva-lo à destruição pela perde de seu sentido social.

O modelo clássico do capitalismo produtivo americano era o do executivo que fazia carreira na empresa e após décadas chegava ao topo já com uma enorme acumulação de conhecimentos no setor. Em alguns ramos ainda prevalece esse modelo, por exemplo, em petróleo. Rex Tillerson chegou a CEO da Exxon apos 33 anos na empresa, também em geral o modelo do “organization man” segue na indústria farmacêutica, na automobilística, na química, mostrando que ainda há vida inteligente em parte do capitalismo americano.

Na Europa, especialmente na Alemanha, prevalece o modelo tradicional de o CEO ser do ramo e chegar ao topo após décadas na empresa, no Japão, Coreia e China nem é preciso dizer que a tradição comanda, há pouco espaço para o financismo e seus cabeças de planilha que podem dar até certo com vento a favor mas não aguentam a primeira crise.

O CAPITALISMO COMO FIM EM SI MESMO

Os pensadores modernos do capitalismo como sistema, desde Adam Smith, passando pela Escola Austriaca e chegando à primeira e segunda Escola de Chicago, de Irving Fisher e Milton Friedman, sempre tiveram a noção da missão civilizatória do modelo e não o pensaram exclusivamente como ferramenta para o enriquecimento individual. O capitalismo, assim como a propriedade, só se legitimam se funcionarem como meio para uma sociedade organizada e razoavelmente equilibrada e não como uma selva de saqueadores e escravos.

O problema é que secou a fonte de inspiração desses pensadores e aprendizes medíocres não tem mais a palavra dos antigos mestres. O financismo nas empresas virou um fim em si mesmo, os financeiros veem as árvores mas não a floresta e plantam um ambiente de convulsão social que está gerando extremismos políticos e sociais por todo o planeta.

Uma extraordinária novidade é o avanço de ideias socialistas no Partido Democrata dos EUA o que,  não importa o resultado das eleições de 1920, deixará sequelas imprevisíveis.

O FINANCISMO É UM MODELO QUE SE ESGOTA

Os grandes empreendedores da era de ouro do capitalismo tinham visão social e sabiam que uma sociedade em desequilíbrio agudo colocaria em risco seus negócios. Ford, Rockefeller, Morgan, Guggenheim, Stanford, Harriman legaram uma imensa coleção de fundações, museus, hospitais, universidades hoje as fundações filantrópicas americanas tem 400 bilhões de dólares de patrimônio, não se contando os fundos financeiros de universidades, criados por doações de ex-alunos, só Yale tem 33 bilhões de dólares, fundos que financiam bolsas e pesquisas.

Já os capitalistas da era do financismo a la Geneen não tem essa preocupação, é só dividendo e bônus, acabou ai o capitalismo nessa linha egoísta.

Se isso é ruim em grandes países com civilizações avançadas, esse tipo de capitalismo financista é ainda muito mais predatório em países emergentes, ai não há nenhum lealdade com o Pais ou com sua população excluída das benesses do modelo. Hoje o orgulho da alta classe media vinculada a esse modelo é alfabetizar os filhos em uma escola bilíngue, ter casa em Miami e a gloria é morar fora do Brasil mas auferindo renda do Brasil. O modelo do financismo tem como etapa final o desenraizamento do Pais que acolheu seus antepassados e que tem uma imensa população em um estado de carência maior hoje do que era há 50 anos, maior em quantidade e em má qualidade de vida.

Já o que se prenuncia em “privatizações” vai agudizar ainda mais o modelo, trata-se de acelerar o financismo largando corpos pelo caminho.

O modelo ITT é hoje amplamente condenado nos EUA, a eleição de Trump foi uma má resposta a um problema real do capitalismo financista que não recolhe mortos e feridos e para o Brasil o pior ainda é importar esse modelo à beira da falência mundial como se fosse coisa nova e boa.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

8 Comentários

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  1. Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo.
    Imagem => https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/a7/2019/02/28/mapa-reestatizacao-1551374108898_v2_750x1.jpg
    Juliana Elias
    Do UOL, em São Paulo
    07/03/2019 04h00
    RESUMO DA NOTÍCIA

    Reestatizações aconteceram em serviços essenciais como saneamento, energia e coleta de lixo
    Segundo o instituto, as empresas privadas priorizam lucro, aumentam preços e prestam serviços ruins
    Ao menos 55 países tiveram algum processo de reestatização entre 2000 e 2017
    Países centrais do capitalismo, como Alemanha, França e EUA lideram a lista

    Desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda. As reestatizações aconteceram com destaque em países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha.

    Isso ocorreu porque as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços estavam caros e ruins, segundo o TNI. O TNI levantou dados entre 2000 e 2017. Foram registrados casos de serviços públicos essenciais que vão desde fornecimento de água e energia e coleta de lixo até programas habitacionais e funerárias.

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    “A nossa base de dados mostra que as reestatizações são uma tendência e estão crescendo”, disse a geógrafa Lavinia Steinfort, coordenadora de projetos do TNI, em entrevista ao UOL. De acordo com ela, 83% dos casos mapeados aconteceram de 2009 em diante.

    Término de contratos de concessão que não são renovados é a forma mais clássica de “desprivatização” que aparece entre os mais de 800 casos levantados.

    Rompimento antecipado de contrato, como aconteceu com a PPP (Parceria Público-Privada) do metrô de Londres em 2010, e mesmo recompras milionárias de infraestruturas que haviam sido vendidas, como vêm fazendo diversas cidades alemãs com suas distribuidoras de energia, são outros tipos de reestatizações que também estão acontecendo.

    O levantamento do TNI encontrou processos do gênero em 55 países em todo o globo. Alemanha, França, EUA, Canadá, Colômbia, Argentina, Turquia, Mauritânia, Uzbequistão e Índia são alguns deles.

    Todos eles foram compilados no relatório “Reconquistando os serviços públicos”, e uma parte também pode ser acompanhada pelo “Rastreador de remunicipalizações”, mapa interativo do TNI com as reestatizações do setor de água (ambos em inglês).

    Veja abaixo exemplos nos cinco países que lideram a lista e o número de reestatizações já registradas em cada um deles.

    Segue a matéria => https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo.htm

  2. Não demorará muito e a nossa elite e classe media alta vivera somente em condominios cercados de muros, guardas e cameras.
    Sairam para estudar e trabalhar em outros cundominios iguais.

    Se deslocarão em carros blindados e quem poder, em helicopteros.

    Para os demais, a selva! E salve-se quem puder!

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