O exorcismo dos fantasmas da política econômica de Lula, por Luis Nassif

A melhor fase da economia foi quando as políticas sociais e o aumento do salário mínimo abasteceram o mercado interno

Aos poucos vão se desfazendo as fantasias sobre a política econômica de um futuro governo Lula. A demora se deve aos vícios da cobertura econômica, centrada em bordões, tipo “toda privatização é virtuosa”, “o mercado leva ao equilíbrio de preços sem necessidade de regulação”, e outros slogans do livre mercado.

É até curioso haver necessidade de esclarecer que Lula não pretende ir contra as empresas e o mercado. Lula tem reputação consolidada em todos os grandes centros globais, junto aos maiores investidores e aos maiores países. A ideia de um Lula economicamente incendiário é mero fake news.

O jogo que se tem pela frente é a reconstrução de padrões mínimos de governabilidade, fundados em princípios básicos de bom senso. 

Nos últimos dias, uma série de reportagens sobre o pensamento de Gabriel Galipolo – economista, ex-presidente do Banco Fator, membro do Conselho de Economia da FIESP e de um sem-número de think tank de nível – trouxe mais clareza para o debate.

São eles:

  1. Privatização não é bem nem mal em si. Cada caso precisa ser analisado em si, assim como as consequências para o país.

É uma norma de absoluto bom senso. Qual o impacto da privatização da Eletrobras no custo da energia? O que significará tirar a Eletrobras da condição de armazenadora de energia de última instância? Qual a relevância da Petrobras no fortalecimento das cadeias produtivas do petróleo, das redes de pesquisa, da garantia de fornecimento de combustível ao país? Qual o papel do BNDES na oferta de financiamento de longo prazo, compatível com taxas internacionais? Com a privatização, quais dessas funções seriam comprometidas?

Em qualquer país racional, seriam questões colocadas à mesa como ponto de partida para qualquer início de discussão sobre a privatização.

  1. A Lei do Teto é pró-cíclica.

Há um princípio básico em economia, que não foi revogado nem por esse sub-hiper-liberalismo pós Temer: a de que a política fiscal tem que ser anticíclica. Isto é, se a economia está caindo, tem que aumentar os gastos para recuperar a economia. Se a economia está muito aquecida, precisa atuar para desaquecê-la.

Os gênios brasileiros da economia criaram uma Lei (para vigorar por 20 anos!) que faz o contrário. Se a economia entra em crise, há um desaquecimento que derruba a arrecadação fiscal. Aí a Lei propõe cortar ainda mais os gastos, reforçando ainda mais o movimento recessivo. O que se propõe é, de um lado, uma lei anticíclica. De outro, regras que definam prioridades para os gastos, para impedir o comprometimento dos investimentos públicos.

  1. As estatais são fundamentais para a retomada dos investimentos.

Uma das maiores loucuras pós-2016 foi supor que fazendo o ajuste fiscal pelo corte de despesas, se conseguiria a confiança dos investidores, que inundariam o país de dólares.

O investimento que conta – o que levanta empresas, aumenta a capacidade produtiva, gera empregos – depende de algo óbvio: mercado. A irresponsabilidade do ajuste fiscal pró-cíclico liquidou com o mercado interno, levando empresas historicamente ligadas ao país a fecharem suas fábricas. Sem mercado, sem expectativa de crescimento, quem irá investir? Aí a relevância das estatais, puxando o bonde dos investimentos.

  1. Políticas sociais são fundamentais para a paz social e para a recriação do mercado interno.

A melhor fase da economia foi quando as políticas sociais e o aumento do salário mínimo abasteceram o mercado interno. Para um país que voltou ao mapa da fome, essas políticas são essenciais e não apenas por uma questão civilizatória, mas como peça central da recuperação do desenvolvimento.

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Luis Nassif

3 Comentários

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  1. A Emenda Constitucional que criou o teto de gastos é flagrantemente inconstitucional. A retomada dos rumos do país passa imperiosamente pela discussão dessa emenda teratológica. Em livro resultado de dissertação de mestrado, mostro que a emenda não é compatível com a Constituição de 88:
    A presente obra tem como problema analisar se a Emenda Constitucional 95 de 2016, que instaurou o Novo Regime Fiscal, viola as cláusulas imodificáveis elencadas pelo § 4º do art. 60 da Constituição Federal e fere o princípio da vedação ao retrocesso social. Mesmo que tenham sido obedecidas formalmente todas as exigências do Diploma Maior, no que tange à apresentação, trâmite e aprovação de alterações constitucionais, o que abarca a verificação de adimplemento dos requisitos formais e circunstanciais de constitucionalidade, a emenda constitucional aprovada pode, ainda assim, ser submetida por um dos legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, incisos de I a IX, da CF) ao crivo do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que ostenta em nosso ordenamento o status de guardião da Constituição, em sede de controle concentrado de constitucionalidade das normas (caput do art. 102 da CF). Diante desse contexto, já existem, protocoladas no Supremo Tribunal Federal, sete ações questionando a constitucionalidade da referida emenda. A Constituição Federal de 1988 trouxe para o centro de seu ordenamento jurídico a proteção aos direitos fundamentais. Nesse sentido, o citado Diploma Constitucional, que ficou conhecido popularmente como a Constituição Cidadã, obriga o Estado brasileiro a garantir uma série de prestações em forma de políticas públicas como garantia de defesa à própria dignidade da pessoa humana. Com esse intuito, o texto Constitucional consagra uma série de direitos fundamentais que deverão proteger o cidadão e que gozam de um status constitucional diferenciado. A presente dissertação partiu da hipótese de que esta emenda constitucional não é compatível com o regime constitucional vigente, visto que a proteção à dignidade da pessoa humana está no centro da Constituição Federal vigente, e o novo regime fiscal inviabilizaria o Estado de prestar políticas públicas com viés de garantir os direitos fundamentais e suprir o chamado mínimo existencial. Utilizou o método dedutivo, partindo de uma premissa geral, a Constituição Federal de 1988, chegando na Emenda Constitucional 95 de 2016, com suas particularidades. Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfico. O objetivo deste trabalho consiste em analisar se a Emenda Constitucional 95 de 2016 padece de inconstitucionalidade material. Foi analisado se a mudança do chamado Regime fiscal, que limitou por 20 anos os investimentos do Estado em gastos primários, viola as cláusulas imodificáveis elencadas pelo § 4º do art. 60 da Constituição Federal e se desrespeita o princípio da vedação ao retrocesso social, a proteção que ela tem sobre os direitos fundamentais e uma breve conceituação sobre estes.

    Palavras-chave: Emenda Constitucional 95 de 2016. EC 95/16. Constituição de 1988. Direitos Fundamentais Sociais. Inconstitucionalidade Material.

    https://loja.editoradialetica.com/humanidades/a-inconstitucionalidade-material-da-emenda-constitucional-95-de-2016

  2. Não é novidade que políticas sociais evitam a miséria e, por consequência o aumento da violência de todos os tipos. Mas tem uma turma grande que entende que o poder público não deve dar esmolas pra alimentar vagabundos. Sim, esse é o entendimento deles. Na verdade, sabe-se que políticas básicas que possibilitem sobrevivência salva inúmeras famílias e possibilita a abertura de novos horizontes. Sobre estatais não há dúvida de que empresas públicas como Petrobras e BNDES são de importância estratégica para um país como o Brasil. Isso ficou comprovado nos governos Lula. Evidente que há problemas de corrupção envolvendo empresários e políticos, mal que vem desde o inicio dos tempos. Mas para interferir neste ponto existem as instituições que devem funcionar bem para dar o equilíbrio necessário e punir de forma justa quem comete o crime ou os crimes, sem quebrar as empresas que são as responsáveis ela geração de centenas de milhares de empregos.

  3. A economia de um país é uma série de engrenagens, que precisam estar bem ajustadas para manter um bom funcionamento. A circulação da renda dentro da sociedade é uma dessas engrenagens. Quando existe o aumento da renda numa parte pequena da sociedade, avolumando a concentração dessa renda, a engrenagem não está funcionando bem. Alguém fez uma comparação acerca de PIB e a renda per capta citando o Brasil e a Suécia; para salientar que o PIB do País permanecer entre os mais elevados retira o foco do empobrecimento geral. A atratividade do País é perdida. Recentemente foram devolvidas por desistência concessões, além do fato citado das empresas que resolveram ir embora do Brasil.
    Não adianta discursar sobre temas sedutores, como competitividade ou produtividade, ficar melindrando pelo custo Brasil, enquanto se ignora os efeitos da queda da renda. Festejar um dado crescimento do PIB ou até mesmo do lucro de empresas fora de um contexto, traz interpretações precipitadas. A política econômica, olhando apenas as reações do “mercado”, concentra-se no que se relaciona com o teto de gastos. Alimentando preconceitos sobre os auxílios sociais, dá-se a ideia que o dinheiro dos impostos são usados pra sustentar quem não queira trabalhar.
    Some-se a incompetência do setor público ante o privado, outra disseminação de idéias no imaginário da sociedade e os argumentos para a aceitação da necessidade de privatizar tudo é absorvido. Não há discussão; as agremiações políticas fogem do debate. Não existe política econômica, apenas jogo de interesses e o País perde.

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