Os bancos públicos no enfrentamento aos impactos da covid-19, por Rafael da Silva Barbosa e Daniel Pereira Sampaio

Além de peça-chave para fazer chegar o auxílio emergencial à população e promover programas sociais, esses bancos são relevantes para manter o circuito do crédito e a circulação da renda num ambiente econômico mais incerto, no qual bancos privados se retraem, avessos ao risco

do Brasil Debate

Os bancos públicos no enfrentamento aos impactos da covid-19

por Rafael da Silva Barbosa e Daniel Pereira Sampaio

Os bancos públicos sempre tiveram um papel relevante no desenvolvimento nacional, encontrando-se como peças importantes frente aos desafios do progresso econômico e social brasileiro. Foram e continuam sendo braços importantes para fazer chegar à população importantes políticas coordenadas pelo Estado ao longo de nossa história, promovendo papel importante no financiamento ao desenvolvimento e, mais recentemente, no alcance ao público de determinadas políticas sociais.

 

Além disso, os bancos públicos respondem mais rápido nos momentos de crise econômica, como a de 2008, mantendo o circuito do crédito em funcionamento, comportamento distinto dos bancos privados, que nos momentos de crise se tornam mais avessos ao risco. Por isso, aos bancos públicos também podem ser atribuídos a função anticíclica na economia e funcional à dinâmica capitalista.

Dentre os marcos da esfera empresarial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 1952, foi e continua sendo fundamental para fornecimento de crédito de longo prazo. Por exemplo, foi peça indispensável no processo de industrialização pesada brasileiro, que proporcionou, dentre outros, uma maior diversificação produtiva e alargamento do mercado de trabalho, com aumento da diversificação dos empregos, mesmo que de forma desigual e combinada.

Na mesma linha do crédito de longo prazo, porém voltado ao aspecto habitacional, o extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), de 1964, atuou na criação das primeiras linhas de crédito em grande escala para o acesso a um dos bens mais caros (desejado e raro) ao trabalhador: a casa própria. Essa função, atualmente, é desempenhada principalmente pela Caixa Econômica Federal (CEF), líder de mercado no segmento habitacional, criada em 1861.

Inicialmente criada para incentivar a poupança e conceder empréstimos sob penhor, atualmente a Caixa atua como banco comercial e agente responsável pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Programa de Integração Social (PIS) e Seguro-Desemprego, programas relevantes ao trabalhador formalizado, e por meio de programas sociais, como o Bolsa Família.

Não se pode esquecer do Banco do Brasil, criado em 1808 (portanto uma instituição bicentenária), que já atuou em todas as funções atribuídas à Caixa e, hoje, serve como um farol do setor bancário regulando indiretamente (como um parâmetro) a qualidade dos serviços bancários do país.

Apesar desse imenso esforço público na esfera federal no desenvolvimento de instituições financeiras, diante da alta desigualdade regional, também foram criados bancos regionais e estaduais, tanto com caráter comercial quanto de desenvolvimento, para garantir maior acessibilidade aos serviços financeiros por todo o país. Eles conseguem atingir regiões remotas ou periféricas, ao longo de nossa grande extensão territorial, que muitas vezes não são atrativas ao mercado bancário privado. Assim, contribuem para a pulverização no território do acesso aos mais diversos serviços ofertados, independente da estratificação social, numa determinada sociedade que se organizou sob o fetiche do dinheiro e da propriedade privada.

De fato, ao longo dos últimos trinta anos, muitos deles foram extintos ou privatizados, o que contribuiu para o aumento da concentração bancária no país, mas a sobrevivência dos poucos que ficaram pode revelar, novamente, a sua enorme utilidade para a vida do brasileiro, principalmente diante dos atuais desafios colocados por uma crise sanitária global imposta pela Covid-19 e seus impactos econômicos e sociais.

A existência do banco público é fruto de grandes questões pendentes do desenvolvimento nacional, principalmente aquelas referentes ao financiamento ao desenvolvimento, acesso ao crédito e em condições mais favoráveis e acesso a benefícios sociais. Atualmente, mesmo com elevada concentração bancária, a demanda por acesso ao crédito nunca foi plenamente satisfeita pela esfera privada no Brasil. Por isso, a principal função social dos bancos públicos no Brasil é, para além de promover serviços de intermediação financeira, atender de forma técnica as necessidades prementes da população.

A crise sanitária global instalada pela Covid-19, veio mostrar, entre outras, a importância da capacidade instalada das agências bancárias nesse território, que tem mais de 8 milhões km². Um exemplo nesse sentido é a atual política de auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 realizada pelo governo federal por intermédio da Caixa.

A existência da oferta dos serviços bancários públicos garante maior possibilidade de acesso e de diminuição nos deslocamentos, evitando-se aglomerações e sendo fatores importantes para o atendimento de demandas em regiões mais distantes de núcleos urbanos de maior porte, especialmente para famílias de baixa renda, onde o acesso ao transporte coletivo, muitas vezes, é um fator de bloqueio. Portanto, é sempre bom lembrar o papel que teve o Estado no processo de desenvolvimento das relações de produção no território brasileiro e que suas funções vão para além da geração de lucro ou valor para o acionista, típicas do setor privado.

Para ilustrar a questão, vamos aos dados. O Banco Central do Brasil divulga periodicamente estatísticas referentes ao setor financeiro no Brasil, sendo uma das fontes de informações mais completas para compreender a dinâmica bancária e financeira nacional.

Em relação à quantidade do número de instituições e agências bancárias houve uma mudança na metodologia da pesquisa a partir da metade do ano de 2016, justo no período de inflexão política marcada pelo Golpe, o que inflou os números, pois incluiu outros estabelecimentos do sistema financeiro não-bancário, o que proporciona a falsa impressão de crescimento das agências e instituições financeiras. Isso justifica a criação de duas categorias na Tabela 1: a “contínua” representa a série tal qual divulgada pelo Banco Central, e a “ajustada” buscou mensurar o número de agências e instituições financeiras caso não tivesse ocorrido a mudança na metodologia.

De acordo com os dados disponíveis pelo Banco Central do Brasil (Bacen), o número de agências bancárias cresceu consideravelmente entre 2007 e 2016, com 4.344 novas unidades (Tabela 1). Entretanto, a partir de 2016 ocorreu uma inflexão desses números na série “contínua”, mas principalmente na “ajustada”, com redução em 2.768 unidades, fruto da crise política e econômica que pode ser atribuída ao Golpe de 2016, que deprimiu a economia com severas perdas sociais no período. O primeiro impacto dessas mudanças foi o aumento no tempo de espera por serviços básicos bancários com maiores filas.

O principal banco público, o Banco do Brasil, perdeu mais de 1 mil agências na virada de 2016 até abril de 2020, enquanto a Caixa Econômica Federal, o segundo maior, parou de crescer exatamente no ano de 2016. Dos bancos privados, o Bradesco mantém seu nível; o Itaú encolheu abruptamente; e o Santander segue em crescimento (Gráfico 2).

Dentre os principais bancos no Brasil percebe-se um crescimento da participação dos bancos privados relativamente aos públicos, principalmente após 2016. Esta modificação pode estar relacionada com processo de reestruturação bancária pública marcada pelo avanço das políticas de austeridade, cuja meta principal é reduzir a participação do Estado na economia.

Além disso, percebe-se a presença na presidência do Banco Central do Brasil de figuras ligadas a estes principais bancos privados. Henrique Meirelles, historicamente ligado ao BankBoston (cujos ativos no Brasil foram vendidos ao Itaú em 2006), dirigiu a instituição entre 2003 e 2010; Alexandre de Tombini, funcionário de carreira do Banco Central, presidiu a instituição entre 2011 e 2016, e , após este período, foi diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e representante-chefe para as Américas no Banco Internacional de Compensações (BIS) ; Ilan Goldfajn, historicamente ligado ao Itaú, presidiu a instituição entre 2016 e 2019; e, Roberto Campos Neto, historicamente ligado ao Santander, é presidente desde 2019.

No que tange ao alcance regional dos bancos, a distribuição por grandes regiões das unidades públicas é mais homogênea do que o setor privado. Enquanto o setor público concentra 44% das suas unidades na Região Sudeste, com distribuição equivalente entre as regiões Nordeste e Sul, com 20% em cada; o setor privado concentra 61% na Região Sudeste e mostra maior desequilíbrio nas demais regiões.

No mapa das agências dos dois principais bancos públicos federais brasileiros percebe-se maior presença na Região Sudeste, com destaque para São Paulo, com 1.919 agências; em contraste, a Região Norte evidencia baixo nível, onde, por exemplo, Roraima possui apenas 19 agências.

A capilaridade da estrutura bancária pública potencializa as medidas públicas para o enfrentamento dos efeitos da Covid-19. Entre as mais importantes, a ampliação do crédito às micro e pequenas empresas, as maiores geradoras de empregos, deve ser foco primordial. O objetivo deve ser a manutenção dos empregos e do nível de renda com vistas a evitar um colapso geral do sistema e da vida das pessoas.

Assim, os bancos públicos cumprem ao menos quatro funções, a saber: a) fomento ao desenvolvimento econômico e regional, como principal fornecedora de crédito de longo prazo; b) na ação para o combate a crises econômicas, fomentando a manutenção do circuito crédito-renda num contexto de elevação de incertezas e riscos; c) no acesso a benefícios sociais, como o Bolsa Família, auxílio emergencial e benefícios referentes ao emprego formal; d) aumento da bancarização da população brasileira, principalmente na estratificação de baixa renda e acesso a agências em regiões de mais baixo dinamismo econômico.

A crise sanitária instalada provocou uma inflexão na trajetória de crescimento da economia brasileira, de estagnação para uma das maiores crises da história. Com efeito, o boletim Focus do Banco Central já estima uma queda de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB) para 2020. Nesse sentido, os bancos públicos são chamados para ação como instrumento para o combate para a grave crise econômica que assola o país, com impactos mais profundos sobre as classes mais vulneráveis em termos monetários.

Para além de peça-chave para fazer chegar o auxílio emergencial à população, do alcance de programas e benefícios sociais, os bancos públicos são atores relevantes na manutenção do circuito do crédito e da circulação da renda num ambiente econômico mais incerto, onde os bancos privados posicionam-se mais avessos ao risco. Em vista da especificidade da crise instalada, a institucionalidade do crédito deve ser revista para que se possa manter em funcionamento, com os devidos cuidados sanitários, no sentido de buscar uma diminuição dos efeitos econômicos e de circulação monetária numa economia monetária da produção.

Assim, os contratos de crédito na pandemia da Covid-19devem satisfazer um tripé tanto na captação governamental do recurso quanto sua distribuição:

– Finalidade – os recursos devem ter por finalidade objetivos operacionais específicos como amortização do capital fixo e manutenção da mão de obra, sendo vedada qualquer operação financeira voltada ganhos pecuniários, como lucro ou transferência de débitos financeiros anteriores ao contexto de pandemia ou mesmo não condizentes com as exigências operacionais do momento.

– Parâmetro – as condições dos contratos devem ser regidas segundo termos fixos, onde os preços em juros, spread e inflação tenham baixo impacto sobre a solvência do contrato. Para tanto, tais parâmetros devem se distanciar da lógica de mercado, com vistas a evitar taxas flutuantes e processos de securitização que desestabilizem tanto o credor quanto o devedor. De tal modo que garanta a gestão estável dos papeis e facilitação de seu acesso.

– Transparência – auditoria deve ser cláusula obrigatória em todos os contratos para garantir a execução dos recursos de acordo com os critérios de “finalidade”. O desvirtuamento das operações pode gerar baixa efetividade dos resultados esperados, com a criação de bolhas especulativas, inflação e apropriação indevida do recurso público.

O Lastro dos Contratos lança uma perspectiva maior, em que toda crise pode ser tornar uma oportunidade para se rever determinados atos e medidas de um passado recente austeridade e reformas corte neoliberal. O Brasil necessita rever uma de suas heranças históricas mais graves: a necessidade de reverter a regressividade tributária que onera a população nos estratos de renda mais baixos.

Uma reforma dessa natureza, para além de uma correção histórica, visa a ampliar a base de arrecadação de tributos e potencializar a dinâmica econômica, onerando mais quem tem mais capacidade de pagar tributos. Assim, na garantia de uma sólida base fiscal do Estado, deve-se pleitear a tributação progressiva em que os mais fortes financeiramente (ricos) contribuam mais, dada sua baixa incidência quando comparado aos demais países desenvolvidos.

Nesse tocante, os bancos regionais e estaduais podem se antecipar, mesmo com a intransigência da União, nessa frente. O Consórcio Nordeste, que congrega os nove governadores da região, é um exemplo. Ele representa o reativamento dessa lógica, que potencializa instituições como o Banco do Nordeste, a Chesf e a Sudene, inclusive no planejamento de ações com base no combate da Covid-19.

No varejo, a existência de 5 (cinco) bancos estaduais é um elemento importante que pode fortalecer ainda mais tais medidas relativas às ações anticíclicas. Em termos de estrutura, o Banpará (Banco Estadual do Pará) possui uma ampla cobertura territorial com ao menos uma agência na maioria dos municípios, tendo em Marabá o segundo núcleo de concentração de agências no Estado.

Em Sergipe (Banese – Banco do Estado do Sergipe) e Brasília (BRB – Banco de Brasília), o quadro se repete, pois há 1 (uma) unidade em quase todos os municípios. Cabe lembrar a especificidade de Brasília, pois ele é relativamente pequeno e o corte espacial é subdistrital, mais próximo da noção de bairros.

Já no caso do Espírito Santo (Banestes – Banco do Estado do Espírito Santo) existe uma cobertura completa de ao menos uma agência por município, evidenciando dois núcleos estaduais aglomerativos, o primeiro nas quatro principais cidades da Região Metropolitana de Vitória – Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica – e, o segundo, em Cachoeiro de Itapemirim, mais ao sul do Estado.

Por último, o excepcional Banco do Rio Grande do Sul (Banrisul) mostra formidável presença não apenas em seu Estado, mas também nos Estado de Santa Catarina e Paraná, e nos centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Não se deve esquecer, obviamente, dos poucos bancos de desenvolvimento estaduais e regionais que ainda existem no país e podem auxiliar, na manutenção do investimento, principalmente na retomada econômica. O BNDES faz esse papel do ponto de vista nacional, mas a região Nordeste possui o BNB – Banco do Nordeste, a região Norte possui o BASA – Banco da Amazônia, o Espírito Santo possui o BANDES – Banco de Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, Minas Gerais possui o BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, entre outras instituições que tem como compromisso o fornecimento de crédito de longo prazo.

Os dados sugerem que, do ponto de vista do varejo de serviços financeiros, a despeito da fragilização em curso nos últimos 30 anos, o Brasil possui estrutura, pessoal qualificado e a capacidade de fomentar as relações de crédito, mas parece faltar uma orientação mais ampla das autoridades governamentais, imbuídas em desmontar instituições estatais. Dito de outra forma, o caos em curso parece ser resultado muito mais da incompetência da atual gestão federal do que dos componentes técnicos existentes nos mais diversos órgãos governamentais no país, incluindo os serviços financeiros de varejo.

Mesmo antes da Covid-19, a austeridade já não era um caminho adequado ao desenvolvimento nacional, agora, diante dela, tudo fica ainda mais claro. A inflexão drástica dos costumes imposta pelo vírus demanda grandeza das ações operacionais do governo federal à frente da máquina estatal ainda existente, além de humanidade e civilidade para cruzarmos esse mar revolto. Entretanto, parece que o que mais temos é exatamente o oposto, um autoritarismo anacrônico casado com um antiquado instrumental neoliberal que já provou seu fracasso em vários períodos históricos.

Rafael da Silva Barbosa – Economista, doutor (UNICAMP), pós- doutorando em Política Social (UFES) e colunista do Brasil Debate.

Daniel Pereira Sampaio – É economista, doutor em Desenvolvimento Econômico (IE-UNICAMP), professor adjunto de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Crédito da foto da página inicial: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 

Redação

2 Comentários

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  1. É em momentos de crise como esse, que percebemos o quanto é importante manter bancos públicos, como a Caixa econômica.
    Uma vez que os bancos privados estão indo na contra mão da crise. Pois enquanto o povo passa por um momento tão difícil, os bancos emprestam a juros muito alto.
    Sem duvida os bancos públicos são de vital importância para qualquer pais. Principalmente para o Brasil, onde a concentração de renda pelas instituições privadas é brutal e pouco vista em outros países.

  2. Efeito Orloff: Eu sou você amanhã

    Voltei aposentado de Óbidos (PA), pelo BB, após 32 anos, em junho/2007, para Campinas. Tinha prometido a mim mesmo que não iria ceder à tentação – canto da sereia – de trabalhar na iniciativa privada, por vários motivos, entre eles o principal, de não precisar. Dediquei-me, então, noites a fio, a aferir a temperatura da cerveja pelos mais variados botecos da cidade. Esporte a que me dedico até hoje.

    Outubro/2007 – Um dia, um amigo liga chamando para o velório do pai de um amigo comum. Fui. Velórios são eventos sociais, antes de tudo. Lá pelas tantas, um amigo empresário de pequeno porte vem com a conversa, “já que vc não está fazendo nada, vem me ajudar”. Não era um pedido, era um apelo. Apelo com os agravantes da amizade. Fui, contra minhas convicções.

    Área financeira. A empresa de pequeno porte – automação industrial – operava com 4 bancos, pela ordem, Itaú, BB, Santander e Banco Nossa Caixa. Daí seu-se o choque de realidade.

    Havia uma certa similitude entre os 3 primeiros bancos, ligeiras diferenças aqui e ali, mas no geral eram muitos parecidos, sistemas, práticas idênticas Itaú, BB e Santander. O bicho pegava no BNC. Nada a ver, sistema obsoleto, arquitetura ultrapassada, funcionalidade zero, um horror. E tarifas extorsivas, ao arrepio do Banco Central. Tarifa para acessar a conta do escritório da empresa, por exemplo.

    Visitei todos os bancos, apresentei-me, deixei o Banco Nossa Caixa por último, por ser menos usado, apenas para desconto de duplicatas, a taxas extraordinariamente extorsivas. Fui visitar o BNC com uma lista de pendências a serem discutidas, verdadeiros absurdos.

    Sentei-me frente a gerente da conta e comecei a desfiar o rosário de desgraças, que era grande. A cada questionamento, ela respondia invariavelmente: “liga na Ouvidoria”. Não ofereceu solução/explicação para nenhum questionamento, absolutamente nenhum, “liga na Ouvidoria” foi a resposta para tudo. Daí incorri no erro de abrir minha condição de bancário e ex-funcionário do Banco do Brasil e mostrar o nível absurdo das tarifas entre os bancos para serviços idênticos, ao arrepio do Bacen. Daí deu-se o fecho de ouro. A funcionária do Banco Nossa Caixa manifestou-se pela primeira e vez saiu-se com essa: “É porque o Banco do Brasil é um banco público que não tem obrigação de dar lucro, e nós somos um banco de mercado, buscamos o lucro, ao contrário do Banco do Brasil”.

    Fiquei alguns segundos paralisado pela surpresa da resposta, vi que a conversa tinha terminado, juntei calmamente a papelada que havia distribuídos na mesa, levantei-me, sorri e fui embora sem cumprimentar/despedir. E ela me olhando triunfante. O Banco Nossa Caixa não era um banco, mas uma sucata do que seria um banco.

    Foram 4 meses, fui embora no final de fev/2008, com uma recomendação por escrito:”livrem-se, assim que a última duplicata descontada for quitada, do Banco Nossa Caixa, não serve para nada”.

    Dali a menos de um ano, o Banco Nossa Caixa foi colocado a venda pelo governo José Serra. Acompanhei de perto. Ficaram na reta final o Bradesco e o BB. Imaginava, como todo o Mercado, que o vencedor seria o Bradesco, no entanto “alguém” bateu o pau na mesa e deu BB. Uma irresponsabilidade sem paralelo. Quem bateu o pau na mesa algum dia vamos saber, embora já se saiba. E o BB levou a sucata de um banco.

    Imediatamente lembrei-me da agora colega do Banco Nossa Caixa, o tal banco de mercado, e pensei, ela escapou, se o Bradesco tivesse levado a parada ela estaria ferrada.

    O Banco Nossa Caixa era um banco de São Paulo, portanto seus efeitos estão restritos ao estado. Em 2017, conversando com um colega gerente de agência da ativa, ouvi que, decorridos 8 anos da compra, havia um sério problema de integração do corpo de funcionários do BNC ao BB, não sabiam sequer operar o sistema, o SISBB. A isso dá-se o nome de defasagem tecnológica. Sucatearam o BNC com o claro intuito de vendê-lo.

    E aí chegamos ao BB de hoje. Que está na mesma situação do Banco Nossa Caixa de 2007: defasado, sucateado, pronto para ser vendido. Com um corpo de funcionários que perdeu, há muitos anos, o senso de banco público, pelo contrário, abominam toda e qualquer associação com banco público. Ojeriza. “Somos um banco de mercado”, como dizia a funcionária do BNC, em 2007, poucos meses antes de ser vendido.

    Tenho pra mim que a funcionária do BNC, em Campinas, em dezembro/2007, quando confrontei com ela, deve ter pensado, mas não disse, o seguinte: “Eu sou você amanhã”. Efeito Orloff.

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