Queda radical do déficit primário frustra “esquadrão austericida”, por Lauro Veiga Fº

As manchetes dos jornalões poderiam muito bem lembrar que o gasto com juros em julho foi o mais elevado para aquele mês em quase uma década

Queda radical do déficit primário em julho frustra “esquadrão austericida”

por Lauro Veiga Filho

O esforço para desinformar a opinião pública e criar um clima de “ fim de mundo” na área fiscal continua a velas enfunadas, com a chamada imprensa corporativa embarcando de corpo e alma na retórica fabricada pelo “esquadrão austericida”, legitimamente representado pelo pessoal da Faria Lima – a avenida paulistana que concentra o grosso do PIB financeiro pátrio. A edição digital de um dos maiores jornais do País estampava como manchete, até o finalzinho da tarde de ontem, a informação dando conta de que o déficit primário do governo central em julho havia sido o oitavo mais elevado para aquele mês na série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Poderia ter tido que foi o oitavo mais baixo entre os meses de julho em que a conta ficou no vermelho, o que resultaria numa menor distorção da realidade, mas de imprecisão quase equivalente. O dado real é que o déficit nas contas primárias do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência), que leva em conta a diferença entre receitas e despesas, excluindo os gastos com juros, desabou em julho deste ano, combinando crescimento real das receitas, já descontada a inflação, e redução das despesas.

Descontado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que o déficit encolheu drasticamente de alguma coisa inferior a R$ 37,537 bilhões em julho do ano passado para pouco mais de R$ 9,283 bilhões em igual mês deste ano, num tombo de 75,27%. A matemática, ignorada pelos jornalões e analistas a serviço do “esquadrão austericida”, aponta uma redução correspondente a R$ 28,253 bilhões na comparação entre aqueles dois meses.

Maior equilíbrio

Ainda em termos reais, a receita líquida experimentou avanço de 9,53% também entre julho de 2023 e o mesmo mês de 2024, saindo de R$ 167,577 bilhões para R$ 183,544 bilhões, equivalendo a um ganho de R$ 15,968 bilhões. As despesas totais, sem considerar os juros, sofreram baixa de 5,99% a valores de julho deste ano, recuando de R$ 205,113 bilhões para R$ 192,828 bilhões – um corte de R$ 12,285 bilhões, explicado principalmente pela redução de 22,4% nas despesas com benefícios previdenciários, que caíram de R$ 94,579 bilhões para R$ 73,376 bilhões. O aumento das receitas contribuiu com 56,52% para a melhoria do resultado primário, cabendo às despesas uma participação de 43,48%. Um tipo de “arranjo fiscal” que teria merecido elogios dos mercados, em tempos outros.

A retórica austericida prefere varrer dados assim para debaixo do tapete, procedendo da mesma forma quando se trata de mencionar o peso escorchante dos juros sobre as contas públicas. As manchetes dos jornalões poderiam muito bem lembrar que o gasto com juros em julho foi o mais elevado para aquele mês em quase uma década, igualmente a valores atualizados até julho deste ano. Mas isto sim seria surpreendente.

Se o déficit primário derreteu em julho, o resultado nominal cresceu quase 12,0% em termos reais, saindo de praticamente R$ 72,656 bilhões no ano passado para R$ 81,369 bilhões em julho deste ano, somando mais R$ 8,713 bilhões ao resultado negativo que havia sido realizado em igual mês de 2023.

A piora no resultado nominal, que contempla os gastos com juros além de todas as demais despesas do governo, foi causada única e exclusivamente pelo salto de nada mais, nada menos do que 87,91% nas despesas com juros – já descontada a inflação. Os juros consumiram R$ 72,751 bilhões em julho deste ano, maior valor para o período desde de julho de 2015, quando haviam exigido o desembolso de R$ 87,845 bilhões. No mesmo mês do ano passado, a conta havia somado R$ 38,717 bilhões. No intervalo considerado aqui, o gasto cresceu pouco mais do que R$ 34,034 bilhões.

Estrago continuado

Mesmo considerando os valores acumulados ao longo dos primeiros sete meses deste ano, o déficit primário foi mais baixo, numa queda de 5,17% em termos reais diante de igual período do ano passado. Ainda a valores de julho deste ano, o resultado negativo saiu de R$ 81,468 bilhões no acumulado entre janeiro e julho de 2023 para qualquer coisa inferior a R$ 77,260 bilhões neste ano, correspondendo a um recuo de R$ 4,208 bilhões.

Neste caso, o déficit mais baixo resultou de um avanço mais acelerado das receitas líquidas em relação ao avanço registrado pelas despesas totais. No primeiro caso, a variação real foi de 8,67%, com as receitas passando de R$ 1,149 trilhão para R$ 1,249 trilhão (ou perto de R$ 99,607 bilhões a mais). Já no segundo, o crescimento atingiu 7,75%, já que as despesas avançaram de R$ 1,230 trilhão para R$ 1,326 trilhão (em torno de R$ 95,399 bilhões a mais).

Os juros novamente foram o grande fator de desequilíbrio e principais responsáveis pelo aumento real de 34,06% no déficit nominal realizado no período. Foram gastos R$ 483,354 bilhões para fazer frente aos juros vencidos entre janeiro e julho deste ano, o que se compara com R$ 342,289 bilhões em idêntico intervalo de 2023, o que significou um desembolso adicional de R$ 141,066 bilhões. Exatamente por esse motivo, o déficit nominal escalou de R$ 419,198 bilhões para R$ 561,989 bilhões, correspondendo a um acréscimo de R$ 142,792 bilhões.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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11 Comentários

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  1. Se numa conta de padeiro NÓS pagamos cerca de 858 BI / ano a 10,5%, significa que se os juros estiverem s 7,5% (3% de juros reais é nível de paraiso fiscal!), economizaríamos mais de 200 Bilhões/ ano para ajudar a pagar saúde, educação, moradia, segurança, aposentados, investimentos…

    1. A miséria do Brasil caí mais de 50% no governo lula .. aumento do poder compra dos brasileiros. Fez com que o Brasil alcansace o um pib surpreende as expectativas.. estamos.nas briga para ser o sétimo na economia mundial..
      Se favorecendo o poder compra da população com a redução dos juros nas cestas básicas.. tirando a lei das ofertas e procuras …regularizados produtos produzidos e estabelecendo regras as grandes produtores e fortalecendo a economia ,assim crescimentos em.todos setores da economia… não mais seremos um país capitalistas hereditário…mais sim um país capistalista moderno..países de classes e não de miséria e pobreza como é o Brasil. A décadas com esse modelo de capitalismo primitivo…( escravo e patrão)

  2. Interessante comentário, afogado em números… ao fim e ao cabo, para além das críticas à “Faria Lima” e seu “esquadrão austericida”, consta-se o fato: “o dado real é que o déficit nas contas primárias do governo central”… é benéfico justamente a “turma” da Faria Lima, que é criticada. A falta de criticidade da crítica do autor do texto, o faz ver virtude na redução do déficit primário! Porém tal redução é perniciosa ao conjunto da economia – visto que a partir dos pressupostos keynesianos do Princípio da Demanda Efetiva: o déficit primário, entendido como “déficit produtivo”, (gasto/despesa (déficit) do Governo é igual (=) ao superávit (renda/poupança) do setor privado. Ora, toda a política fiscal do Lula/Haddad que almeja déficit zero/superávit fiscal é injetar sangue na veia dos rentistas, que amealham volumosos recursos do Tesouro, que “formam” o déficit nominal; que retroalimenta da crise fiscal do Estado. É justamento a manutenção da “crise fiscal” do Estado que interessa à turma da Faria Lima, reforça seu poder político e econômico. Não pois nenhuma racionalidade econômica a ser seguida ou manejo de instrumentos de política econômica que possam sofrear o poder financista. Só uma solução: decisão política de quem esteja investido do poder da representação politica-eleitoral, nos marcos da democracia liberal. E isso não se pode esperar do Lula/Haddad. Daí continuará a economia brasileira em sua marcha de pato manco…

  3. Kkk aumentaram os impostos como nunca e o déficit continua nas alturas. Acho que não basta a bruxinha da shopee vai ter que taxar as calcinhas também kkk

  4. O governo comunica muito mal. Deveria contratar Thiago dos Reis para fazer a comunicação nas redes sociais e deixar de dar dinheiro para o PIG, Partido da Imprensa Golpista.

  5. Então quer dizer que para controlar a inflação aumenta-se a taxa de juros, que vai gerar mais déficit fiscal que vai gerar mais inflação. Me perdoe, mas o nome disso é roubo.

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