Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
[email protected]

Reforma Fiscal no Brasil: Entre a Eficiência e o Peso Sobre os Vulneráveis, por Fernanda Feil e Carmem Feijó

Embora o déficit fiscal seja sério, é importante reconhecer que o maior problema das contas públicas reside nos elevados gastos com juros

Rovena Rosa – Agência Brasil

Reforma Fiscal no Brasil: Entre a Eficiência e o Peso Sobre os Vulneráveis

por Fernanda Feil e Carmem Feijó

O Governo Federal anunciou um conjunto de medidas destinadas a “fortalecer” a regra fiscal, buscando equilibrar as contas públicas, combater desigualdades e promover o crescimento econômico sustentável. Apesar de abordar questões relevantes, como a eficiência estatal e a correção de distorções históricas, as propostas levantam preocupações por seu impacto mais severo sobre os segmentos mais vulneráveis da população.

Uma das principais mudanças envolve o reajuste do salário-mínimo, que altera a fórmula tradicional adotada nos governos do PT. Antes, o cálculo considerava a inflação do ano anterior somada ao crescimento real do PIB de dois anos antes, política que foi amplamente reconhecida como a principal responsável pela redução das desigualdades e pelo crescimento econômico nos governos Lula I e II. Agora, sob a nova regra, o crescimento real será limitado pelo arcabouço fiscal, comprometendo os ganhos reais para os trabalhadores e enfraquecendo o impacto redistributivo de uma medida que, no passado, desempenhou um papel crucial na promoção da justiça social e no fortalecimento do mercado interno.

O abono salarial é um benefício pago anualmente aos trabalhadores formais de baixa renda como uma forma de complementar a renda e promover maior equidade no mercado de trabalho. Atualmente, ele é concedido a quem recebe até dois salários-mínimos mensais, funcionando como uma espécie de 14º salário proporcional ao tempo trabalhado no ano anterior. No entanto, as novas regras propostas reduzem o critério de elegibilidade para R$ 2.640,00, com reajustes anuais até atingir o equivalente a 1,5 salário-mínimo. Embora a medida busque maior controle sobre os gastos públicos, essa alteração restringe o alcance do programa e pode reduzir sua efetividade no apoio aos trabalhadores mais vulneráveis, especialmente em um contexto de altos índices de desigualdade.

No caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), as mudanças incluem a ampliação do cálculo da renda familiar para incluir cônjuges não coabitantes e filhos coabitantes, além da exigência de atualização cadastral e biometria. O controle para evitar fraudes é importante, mas é fundamental que as novas regras não se tornem um obstáculo para pessoas em situação de extrema necessidade que buscam acessar o benefício.

O Bolsa Família, programa central na estratégia de combate à pobreza, também sofrerá ajustes. Restrições a famílias unipessoais e novas exigências cadastrais visam evitar abusos, mas é essencial que as mudanças sejam implementadas com cuidado para não prejudicar os mais necessitados. O cruzamento de dados com concessionárias de serviços públicos é um exemplo positivo de maior eficiência, mas deve ser acompanhado de rigor técnico.

Outra iniciativa relevante é a inclusão das Forças Armadas no esforço de ajuste fiscal. Medidas como a eliminação de pensões por transferência, o aumento da contribuição ao fundo de saúde e a definição de uma idade mínima para a reserva remunerada – ou aposentadoria – trazem avanços importantes. Esse é um momento oportuno para enfrentar privilégios históricos em um setor que ganhou destaque no debate público recente.

Além disso, as mudanças nas emendas parlamentares buscam restringir o crescimento de despesas discricionárias, priorizando recursos para áreas essenciais, como o Sistema Único de Saúde (SUS). A reforma do Imposto de Renda também é significativa, com a ampliação da faixa de isenção para R$ 5.000 e compensações pela inclusão de faixas mais altas de renda na tributação. Embora promissoras, essas medidas ainda dependem de aprovação no Congresso, o que pode alterar seus desdobramentos.

Outras ações, como o incentivo à educação em tempo integral, a revisão de subsídios e subvenções e a introdução de gatilhos para evitar déficits, mostram um esforço de maior transparência e racionalização dos gastos públicos. No entanto, o sucesso dessas medidas exige que os ajustes sejam equilibrados, sem sobrecarregar os mais pobres, que já enfrentam desafios significativos.

Cabe ao Estado garantir o crescimento econômico e a promoção de uma sociedade mais equitativa, com maior distribuição de renda, desenvolvimento sustentável e proteção social. Esses objetivos exigem investimentos públicos robustos e a manutenção de políticas de seguridade social que assegurem condições dignas para a população mais vulnerável. Contudo, as mudanças propostas comprometem esse papel ao restringir benefícios essenciais e limitar o alcance de programas que historicamente contribuíram para a redução das desigualdades no Brasil. Embora o déficit fiscal seja uma questão séria, é importante reconhecer que o maior problema das contas públicas reside nos elevados gastos com juros, consequência direta de uma política monetária marcada por uma taxa Selic persistentemente alta. Essa dinâmica, que drena recursos significativos para o pagamento da dívida pública, raramente é abordada nas propostas de ajuste fiscal. Limitar a transferência de recursos pelo Banco Central para o setor financeiro privado e redirecionar esses valores para investimentos sociais e produtivos é uma estratégia mais eficaz e justa do que cortar benefícios de trabalhadores e populações em situação de vulnerabilidade. Um ajuste fiscal que desconsidere essa realidade perpetua desigualdades e compromete o desenvolvimento sustentável do país.

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia da UFF, pesquisadora de pós-doutorado do programa CAPES/PIPD e pesquisadora do Finde/UFF

Carmem Feijó- Professora titular na Universidade Federal Fluminense, pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador