O que não te contaram sobre a independência do Banco Central, por Marcello Azevedo

Com “Bacen independente” o governo perde em grande parte a sua capacidade de fazer a política econômica pela qual se elegeu.

Rafa Neddermeyer – Agência Brasil

O que não te contaram sobre a independência do Banco Central.

por Marcello Azevedo[1]

            O objetivo desse artigo é apresentar a proposta de independência do Banco Central em sua  historicidade, princípios , objetivos e riscos, principalmente naquilo que não está sendo dito no debate .

            O projeto de “independência” do Banco Central não surgiu no Brasil, motivado pela possível eleição do Lula a partir da retomada da sua elegibilidade, o projeto de “independência” dos bancos centrais remonta aos anos 1990, quando a questão da inflação atingia tanto a Europa em processo de unificação, assim como grande parte das economias periféricas.  Sendo defendido com afinco por parte dos defensores da chamada teoria  neoliberal.  

            Na obra Economia Monetária e Financeira, Teoria e Política[2] os autores já destacavam o surgimento, na economia , da ideia da independência dos bancos centrais nos anos 1990  ,visando controlar unicamente a questão da inflação. Dentro do que os autores caracterizam como teoria da política monetária novo clássica e sendo parte integrante do chamado novo consenso  macroeconômico e regimes de metas de inflação (Carvalho, Souza, Sicsu, Paula e Studart, 2012, cap. 10 e 11) 

            O central da argumentação dos defensores da tese dos bancos centrais independentes é a de que o controle da inflação com altas  taxas de juros seria fundamental para a retomada da estabilidade e do crescimento econômico, submetendo todas as outras políticas econômicas possíveis .

“A independência de um Banco Central não significa tão-somente autonomia para realizar políticas monetárias sem a interferência do governo Central; significa acima de tudo independência para perseguir o objetivo da estabilidade de preços, mesmo que esta busca represente sacrificar outros objetivos que podem ser mais importantes para as autoridades políticas. Os proponentes da tese da IBC têm argumentado que um Banco Central independente deve assumir a tarefa estatutária única de guardião da estabilidade do poder de compra da moeda.  (Carvalho, Souza, Sicsu, Paula e Studart, 2012,p.140)  

            Para a obtenção dos objetivos propostos, seria fundamental que alguns pressupostos baseados no trinômio credibilidade-reputação-delegação fossem construídos , que se fundamentariam em princípios tais como mandatos fixos para os presidentes dos bancos centrais, credibilidade da direção dos bancos centrais junto aos agentes de mercado e delegação , que seria o poder efetivo de implementação das medidas consideradas efetivas para o controle da inflação.

            Os principais postulados do chamado novo acordo macroeconômico seriam  de que a inflação é sempre e em todo lugar um fenômeno monetário, a estabilidade de preços tem importantes benefícios, a  taxa real de juros precisa aumentar com o aumento da  inflação e de  que o banco central independente ajuda a aprimorar a eficiência da política monetária .  (Carvalho, Souza, Sicsu, Paula e Studart, 2012, p.150)  .

O que não te contaram .

            Ao submeterem toda a política econômica à política monetária do “Bacen independente” o governo perde em grande parte a sua capacidade de fazer a política econômica pela qual se elegeu. Separando a política da economia,  onde a primazia das decisões econômicas saem da esfera do governo e vão para a esfera dos chamados “agentes da economia” ou do “mercado”.  

            Um frontal ataque ao princípio da democracia e do voto, e um retorno a um passado do voto censitário, onde quem decidiria os futuros do país seriam apenas os detentores de certas e elevadas rendas. 

            Ao dar a centralidade excessiva só a questão do controle da inflação e tendo como única  ferramental a subida dos juros, a proposta asfixia o orçamento público , reduz os  investimentos públicos e privados e sacrifica  o povo e o desenvolvimento para atender ao rentismo favorecido pelas altas taxas de juros. Tudo fantasiado pela lógica de controle da inflação.

            A história bem recente mostrou a irrealidade da proposta de se controlar a inflação através somente com a utilização da taxa de juros. Com o desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul, diversos produtos tiveram aumento , e o governo decidiu importar  para manter os preços internos. Que efeito teria subir os juros para combater tal aumento ? Nenhum, pois as pessoas não conseguirem comprar comida e a conta sobraria para o povo. A literatura econômica é vasta de outras propostas de formas de  controle da inflação .

            Saindo do economês para a vida das pessoas seria como se os bancos credores entrassem na casa das pessoas (Estado) e começassem a decidir o que as pessoas podiam comprar e consumir para poder pagar aos bancos. Sem se importar qual custo social isso teria. Com os acordos com o FMI da era FHC  era isso que o fundo fazia com o governo brasileiro.

O que fazer ?

            O desafio de enfrentar a avalanche de propaganda diária dos meios de comunicação, patrocinados pela banca privada, e diante da atual composição do congresso nacional, precisamos pensar em formas diferentes de enfrentar a proposta. Se deixar por conta do atual congresso dificilmente a proposta será rejeitada.

            Primeiro se faz necessário construir um amplo processo de mobilização com a participação dos movimentos sociais, partidos e sindicatos e apresentar uma outra visão de banco central . Um Bacen que seja responsável pelo controle da inflação mas também tenha metas de geração de emprego e desenvolvimento econômico .

            Produzir conteúdo de denúncia pública desse processo, com uma linguagem acessível para as pessoas, apresentar no congresso nacional um projeto novo sobre o banco central para tentar pautar o debate, de fora para dentro, até mesmo porque o mandato do atual presidente expira em breve, e os banqueiros e toda a mídia já estão pressionando a nomeação. Precisamos tirar o debate dos frios corredores do congresso e trazer para o calor das ruas e da mobilização popular. 

Conclusão .

            Os economistas de corte neoliberal sempre  preconizaram que o “mercado” faria as escolhas mais racionais do que o Estado, no aporte dos recursos da sociedade,. Buscando sempre separar a política da economia. Nesse contexto, a proposta de independência do Banco Central pode ser considerada uma proposta neoliberal de privatização da política econômica brasileira.

            O tema é apresentado de forma constante sobre o conceitos de independência e liberdade, duas palavras muito utilizadas por aqueles que na verdade não explicam liberdade de quem ? Independência do que ? Para ocultar que na verdade defendem um projeto autoritário de sociedade, controlada pelos grandes detentores de recursos, fantasiados de “agentes de mercado” .

            Cabe ao movimento social da forma mais ampla possível, construir um projeto alternativo de Banco Central, para apresentar no congresso, um projeto de BACEN para o Brasil, no qual o controle da inflação tenha a mesma importância do que a redução do desemprego e o crescimento econômico .  Talvez essa seja um das principais batalhas do presente que pode comprometer o nosso futuro enquanto país e enquanto democracia.  

Referências .      

CARVALHO, F. J. C. de; SOUZA, F. E. P. de; SICSÚ, J.; PAULA, L. F. R. de; STUDART,  Economia Monetária e Financeira, Teoria e Política (Cap.10 e 11). Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2012, 412 p


[1] Marcello Azevedo é Doutor em Relações Internacionais e autor do livro As Finanças do Dragão, o Sistema Financeiro Chinês. 

[2] CARVALHO, F. J. C. de; SOUZA, F. E. P. de; SICSÚ, J.; PAULA, L. F. R. de; STUDART, R.

Economia Monetária e Financeira Teoria e Política . Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2012,

412 p

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6 Comentários

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  1. Uau.

    Estou surpreso, então a terra é redonda?

    Vacina não faz mal?

    E o Bacen, de fato, nunca foi independente?

    Ah, sim, um Bacen “independente” é presa do mercado?

    É isso?

    Pelamor de deus, precisa de doutorado e referências bibliográficas para dizer isso?

    Tá difícil, muito difícil…

    Valha-nos Santa Conceição Tavares.

  2. Acompanho o nosso mercado financeiro e de capitais há mais de 50 anos . Com base na minha experiência endosso totalmente o artigo escrito pelo Marcelo. Precisamos conversar mais sobre esse assunto!

  3. mito bom. Nâo é possível legitimar aagiotagemcomo faz hoje o Banco Central. Em vez de usar o mercado pra reduzir o preço do dinheiro, a forma com que se entende o Banco Central estabelece o piso, um contrassenso.

  4. Alguns adendos ao artigo que acho válidos, sem discordar totalmente do que foi dito.
    O uso do caso do arroz não é um bom argumento. O aumento da taxa de juros não baixa o preço do produto que sofre choque de oferta, mas se de fato limitar o consumo geral, poderia haver baixa de outros produtos para manter o poder de compra dos consumidores.
    Entendo que a melhor explicação da ineficácia do aumento de juro já era dada por Ignácio Rangel, mais de 4 décadas atrás. O BC aumenta o juro para combater suposto excesso de demanda, porém os produtores e distribuidores acabam reduzindo a oferta de forma mais intensa, que cria excesso de demanda relativa com efeito bola de neve.
    Os economistas deveriam fazer pesquisas para embasar as diversas teses. Se a tese de Rangel estiver correta, o que me parece sensato, a melhor ideia seria o BC definir mecanismos de juros separados para produtores, consumidores e poupadores. Se a oferta é baixa, poderia oferecer taxas baixas para aumentá-la. Se a demanda é alta, aumentaria juros somente dos consumidores e poupadores. Uma coisa independentemente da outra, segundo as necessidades

  5. Na prática não existe banco central independente, pelo menos no planeta terra. Ou ele é controlado pelo o estado ou pelo mercado, com muito bôa vontade, podemos admitir uma gestão compartilhada entre os dois. No caso específico do Brasil, o BACEN é controlado pelo mercado desde a implantação do plano real. Aliás esta foi a condição do sistema finaceiro para apoiar o plano, pois ao sistema a hiper inflação era altamente rentável, portanto, o plano só seria palatável se a taxa básica de juros, fosse determinada pelos interesses do sistema e para tal, o controle do BACEN é fundamental. Não foi por acaso, que no primeiro ano do plano a taxa selic chegou a mais de 20% a.a.de juros reais. Assim, os bancos recuperaram o prejuizo provocado pelo desvario do plano Collor. Com a saida do Campos Neto, sacerdote do deus mercado, o governo Lula tem a oportunidade de pelo menos compartilhar o controle do BACEN. Isto é, se conseguir colocar um presidente que não seja sacerdote do deus mercado.

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