Trump e o protecionismo americano, por Luiz Gonzaga Belluzzo

Reações protecionistas são sempre políticas: respondem às pressões internas nascidas do desemprego e da queda dos rendimentos das famílias.

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Trump e o Protecionismo Americano

por Luiz Gonzaga Belluzzo

“A América vai ser grande outra vez” ou “Vamos devolver os empregos aos americanos”. Em suas arengas eleitoreiras, Trump prometia impor uma tarifa de 35% sobre produtos chineses, além de promover a volta das empresas americanas (des)localizadas no México. O candidato Republicano promete impor tarifas de 60% nas importações da China e ameaça com sanções os países que ameaçarem o poder do dólar. 

“Morte por China. Esse é o risco real que todos nós enfrentamos enquanto a nação mais populosa e a caminho de se tornar a maior economia do mundo está rapidamente se tornando no mais eficiente assassino do planeta”.

É nesse tom que Peter Navarro, professor de economia e política pública na Universidade da Califórnia, Ex-Diretor do National Trade Council por Donald Trump, inaugura o primeiro capítulo do seu livro Death by China.

Para o antigo tutor do comércio americano, as campeãs nacionais chinesas apoiadas pelo estado, com a potente combinação de mercantilismo e protecionismo, configuram armas de destruição de empregos americanos.

Suas posições registram a inviabilidade da visão encantada do livre comércio, como um grande amigo secreto entre nações, onde cada um leva o que produz de melhor.

Navarro desanca a teoria das vantagens comparativas: “se você deseja descobrir o que não é o livre comércio, tente ler qualquer um dos livros textos de economias que nossas crianças estudam nas faculdades hoje em dia. Seus olhos vão rolar, sua cabeça vai girar, e seu estomago irá torcer pelo divórcio desses textos com a realidade da arena do comércio global. É como se Gandhi tivesse substituído Clausewitz e Sun Tzu em cursos de estratégias militares… apesar da abundância de evidências contrárias, esses livros texto, continuam a ensinar as virtudes do livre comércio e dos assim chamados ‘ganhos do comércio que todos nós deveríamos nos beneficiar’.

Ele inculpa “oito práticas comerciais injustas” chinesas pela queda na participação da manufatura no produto doméstico de 25% para 10%, cabendo protagonismo para a taxa de câmbio “espertamente manipulada”, que equivale a uma tarifa uniforme de importação e um subsídio a exportação. “Se o dinheiro é a raiz de todo mal, então a manipulação chinesa da sua moeda, o yuan, é a raiz central de tudo de errado na relação comercial entre Estados Unidos e China”.

As palavras do Conselheiro de Comércio Exterior do governo americano reiteram a longa tradição protecionista dos Estados Unidos. Sugiro uma olhadela nas tarifas americanas que vigoraram ao longo do século XIX, sobretudo depois da Guerra Civil. O economista Bradford Delong em seu livro Concrete Economics, demonstra que entre 1860 e 1879, no apogeu do prestígio do livre-comércio, os Estados Unido teimavam em permanecer como o país mais protecionista do mundo.  

No susto da Grande Depressão dos anos 30 do século passado, a boca torta revelou o uso do cachimbo protecionista: a lei americana Smoot-Hawley elevou brutalmente as tarifas. Em seguida, a Inglaterra abandonou o padrão-ouro em 1931, os Estados Unidos caem fora em 1993.

As tarifas e as desvalorizações competitivas produziram uma brutal contração do comércio internacional. A deflação de preços das commodities e produtos industrializados comprovou o óbvio: se todos tentam desvalorizar, ninguém consegue, ainda que alguns consigam mais que os outros.

Na ausência de uma coordenação global, a tentativa de defender o mercado doméstico dos efeitos da queda do volume de comércio culmina no prejuízo geral e irrestrito. As reações protecionistas são antes de tudo políticas: respondem às pressões internas nascidas do desemprego e da queda dos rendimentos das famílias.

Em agosto de 2014, a organização social Netroots abrigou em Detroit uma conferência sobre a precária situação de cidade. Outrora conhecida como “Motor City”, a Cidade dos Automóveis em tradução livre, Detroit está praticamente reduzida às cascas dos edifícios abandonados. Os que neles habitavam buscaram novas paragens.

Então vice-presidente, Joe Biden foi o orador principal do Netroots 2014. Em sua fala, Biden advogou um programa de investimentos parrudos em infraestrutura, com destinação das encomendas às indústrias localizadas em território nacional americano.

Em suas exortações, Biden foi acompanhado pelo republicano Dan Kildee, originário da antes industrializada cidade de Flint, um caso dramático de desestruturação socioeconômica promovida pelo sucateamento de indústrias e pelo desemprego, as pragas que avassalam o Meio-Oeste americano. Perguntado a respeito do destino dos desempregados de Flint, o economista de Harvard, Nicholas Gregory Mankiw, respondeu: “Mudem-se”.

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990). Belluzzo é formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Desenvolvimento Econômico pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e doutor em economia pela Unicamp.

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