A Resolução que perpetua a desigualdade
por Lucindo Quintans Júnior e Robério Rodrigues Silva
Imagine um país no qual, em nome da equidade, cria-se um sistema que perpetua a desigualdade. Esse é o paradoxo do parecer CNE/CES nº 331/2024. Sob o pretexto de “modernizar” a pós-graduação, o texto cria distinção entre instituições de ensino superior, esquecendo-se da CF88 dividindo-as em (IES) ditas “consolidadas” e “não consolidadas”. O critério utilizado para isso? Ter pelo menos 10 programas de pós-graduação (PPGs) com notas 6 ou 7. Critério adotado sem discussão com os principais atores que sustentam o funcionamento do Sistema Nacional de Pós-Graduação!Essa medida, ao invés de diminuir as assimetrias regionais, certamente as aumentarão.
Ao conceder autonomia de criação de cursos apenas às IES ditas “consolidadas”, majoritariamente concentradas nas regiões Sul e Sudeste, o parecer limita o acesso das demais ao fomento, deixando grande parte das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste à própria sorte. O resultado é um cenário em que regiões historicamente privilegiadas continuarão a acumular recursos e a ditar os rumos da pós-graduação que foi interiorizada nos últimos anos, promovendo um importante processo de redução de assimetrias regionais. Se a medida do CNE for sancionada pelo MEC, as instituições das regiões que mais necessitam de investimento,ficarão relegadas à periferia do desenvolvimento científico, econômico e social. O parecer, na verdade, fortalecerá as assimetrias intrarregionais. Num governo progressista, o progresso precisa avançar país afora, e não, retroceder!
E o que dizer do número arbitrário (quase cabalístico) de PPGs para definir a “consolidação”? Dez, um número redondo, mas quem decidiu isso? E por que não nove ou onze? A aritmética parece simples, mas as consequências serão complexas e danosas. O discurso fala de inclusão e desenvolvimento, mas a prática estabelece uma elite educacional inalcançável para a maioria das IES, iguais perante a Constituição Federal de 1988. Foi essa a intenção? Não há como chegar a conclusões diferentes.
Ainda há tempo para reverter essa decisão desarrazoada. O CNE/CES poderia reconsiderar o parecer, retirando esse tópico ou adotando uma abordagem mais inclusiva que contemple as regiões mais pobres e assimétricas. Sem isso, a comissão, com seu histórico de contribuições fundamentais para a educação no país, acabará por traçar um Brasil onde a pós-graduação avança a passos largos… na direção errada, na direção de perpetuar as assimetrias regionais e intrarregionais. E, para piorar, nos deixa com a amarga verdade de que, nesse jogo de equidade disfarçada, “quem ri por último, ri com tristeza”.
Prof Lucindo Quintans Júnior. Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa na Universidade Federal de Sergipe (UFS). [email protected]
Prof Robério Rodrigues Silva. Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. [email protected]
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