As eleições na USP e as instituições internacionais, por Marcovitch

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Eleições na universidade

Por Jacques Marcovitch

A questão universitária no Brasil impõe um foco maior em medidas que tragam rápidos e efetivos benefícios sociais. Entre estes, o avanço contínuo do desempenho em pesquisa científica e o incremento da oferta de vagas gratuitas ou financiadas, avanço que promove o bem-estar e incremento que favorece a integração. Nunca é demais repetir que o Brasil tem, na faixa etária correspondente, apenas 9% de sua juventude no terceiro grau, contra 40% na Argentina e 80% no Canadá, para citar apenas dois contrapontos. Enquanto isso, no espaço da universidade pública, onde essa questão social deveria prevalecer, alguns setores ainda levantam, como prioritário, o tema da eleição direta para reitor.

Formulada esta objeção preliminar à reincidência de pauta que me parece alheia ao interesse coletivo, espero contribuir, nestas linhas, para examiná-la de forma objetiva. Lembrarei dois fatos ocorridos em minha gestão reitoral. Faço o retrospecto por entender que um dirigente universitário serve à academia esforçando-se ao máximo no exercício do seu cargo e, depois, transmitindo aos colegas, quando necessário, a memória da experiência vivida.

Cabe reconhecer, antes de expor os fatos, que nem todos os adeptos do voto direto para reitor subestimam as questões principais da universidade. Agem, muitos deles, na suposição de que o seu critério de escolha é o mais democrático e o mais legítimo. Tenho a expectativa de que o meu relato ajude a reverter este equívoco e demonstre que o voto direto, ideal na representação política do Estado, é de todo inconveniente na escolha dos dirigentes de uma universidade. Não alonguemos, porém, os argumentos nesta linha, que dão sempre margem a excessos retóricos de um lado ou de outro. Voltemo-nos para a realidade concreta, que nos traz ensinamentos de maior valia.

O primeiro ponto a relatar diz respeito a uma pesquisa que desenvolvemos na Reitoria da USP junto às grandes instituições acadêmicas internacionais. Era nosso propósito saber qual o processo que adotavam na escolha de seus reitores e como encaravam a hipótese de uma eleição direta para esse fim. As universidades foram escolhidas com base em critérios de qualidade de seu desempenho e presença em redes de universidades mundialmente reconhecidas, como a Association of American Universities e a League of World Universities, da qual a USP é participante.

Foram ouvidas, na ocasião, 27 grandes instituições em todo o mundo: University of Oxford e University College London (Inglaterra); Université de Lausanne (Suíça); Université Lyon 2 (França); Leiden University (Holanda); Universität München e Universität Berlin (Alemanha); Universidad de Salamanca (Espanha); Stockholm University (Suécia); University of Sydney (Austrália), McGill University (Canadá); Hebrew University (Israel); University of Tokyo (Japão); Universidade de Coimbra, Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto (Portugal); Universidad de Los Andes (Colômbia); University of Malaya (Malásia); Johns Hopkins University, Vanderbilt University, New York University, Emory University, Brandeis University, Association of American Universities, Duke University, University of Pittsburgh e Michigan State University (EUA).

Presume-se, e não seria lícito julgar de outro modo, que sendo estas universidades muito bem-sucedidas em seu desempenho, a forma de escolha dos respectivos dirigentes é a mais adequada. O questionário enviado compunha-se de quatro itens: procedimento atual da escolha do reitor, Presidente ou Vice-Chancellor; composição das assembléias que referendam a indicação final; duração do mandato; e, finalmente, o pedido de uma opinião sobre a hipótese de ser o reitor eleito em votação direta de todos os professores, funcionários e alunos.

Dito isto, passemos às opiniões colhidas na pesquisa. A principal informação foi a de que nenhuma das instituições consultadas adota o sistema de eleição direta para reitor. A maioria escolhe seus dirigentes em processo assemelhado ao adotado pela Universidade de São Paulo. Algumas, notadamente nos Estados Unidos, chegam a indicar o reitor após uma busca entre executivos mais capazes, incluindo-se apresentação de currículo e outros meios praticados por empresas e Fundações no recrutamento dos seus dirigentes.

Julgo adequado reproduzir aqui, sem comentários meus, os juízos emitidos pelos reitores das universidades pesquisadas quando chamadas a opinar sobre o item da escolha direta. O reitor da Universidade de Oxford, Inglaterra, dr. Colin Lucas, perguntado se admitia uma escolha feita por alunos, professores e funcionários, pela via do sufrágio universal, foi categórico: “Absolutamente não. Isto produziria resultados baseados em considerações altamente políticas e campanhas com promessas sendo feitas ou procedimentos não adequados ao tipo de liderança que uma universidade necessita. O corolário seria o desenvolvimento de um tipo de governo ministerial, pois outros líderes teriam que ser trazidos para satisfazer outros interesses. Nada disso é positivo para a boa liderança e o bom julgamento”.

Outra importante universidade inglesa, a College London, representada pelo seu Presidente e Provost, Chris Llewellyn Smith, desaconselha o sufrágio direto. Diz o dirigente: “Não sou favorável a um sistema de voto direto de docentes, funcionários e alunos. Isso apesar do fato de que em universidades que não têm Conselhos com a maioria dos membros vindos de fora possa haver argumentos em favor de tal procedimento.

No caso da UCL, tenho que prestar contas ao Conselho, que poderá demitir-me se não estiver trabalhando adequadamente. As desvantagens de tais eleições diretas residem no fato de que, em minha opinião, a maioria dos docentes, funcionários e estudantes realmente não têm muita idéia de como uma universidade deve ser administrada. E tenho observado que em alguns países onde há esse tipo de eleição para reitor surge a tendência de candidatos lançarem plataformas com base em propostas populistas, que poderão não trazer os melhores resultados para as universidades”.

O Presidente da Universidade de Lyon 2, França, Gilbert Puech, comenta: “Uma eleição direta tem seus atrativos, mas não seria fácil ponderar o voto entre os diferentes constituintes de cada comunidade: membros da faculdade, pesquisadores, pessoal administrativo e técnico”.

O dr. Douwe D. Breimer, da Universidade de Leiden, Holanda, resume o seu ponto de vista contrário: “Não me parece que uma eleição geral seja uma boa idéia. Um reitor deve ser escolhido com base em sua forte competência. O risco de eleições gerais é que a política venha a ser o mais importante”.

Na Universidade de Munique há um movimento no sentido de restringir mais ainda o processo de escolha. Informa seu reitor, Professor Andréas Heldrich: “Quanto ao processo de eleição do reitor e ao período do seu mandato parece que não há insatisfação com o atual estado de coisas na Universidade de Munique. Em estudo muito recente, uma firma de consultoria sugeriu que se estabelecesse um colégio eleitoral menor, com membros vindos de fora da Universidade, ao invés do Senado Estendido que temos atualmente. Nossos consultores apontaram para o fato de que esta mudança faria com que o reitor fosse menos dependente das pessoas que é obrigado a supervisionar. Portanto, as discussões em nossa Universidade estão caminhando para uma mudança na estrutura administrativa, ao invés de uma abertura maior na participação interna”.

O documento que recebemos da Universidade Livre de Berlim também se opõe a uma eleição direta: “Não consideramos este sistema muito apropriado, pois o grande número de estudantes teria o voto majoritário. Este modelo seria adequado se o Presidente tivesse somente uma função representativa. Tendo em vista que ele tem poderes de decisão, sua aceitação por todos os grupos, especialmente pelos professores, é essencial”.

Da Universidade de Salamanca, encaminhada pelo dr. Ignácio Berdugo Gómez de la Torre, veio a informação de que a maioria dos reitores espanhóis é contrária ao processo eleitoral direto. Declara este dirigente: “Sou claramente contrário ao voto direto. Entendo que, ao ser ponderado, tenha este uma grande carga demagógica e traga mais inconvenientes do que a legitimação pretendida”.

Da Suécia, onde os reitores são escolhidos por um Conselho Eleitoral, veio esta resposta curta e eloqüente, subscrita pelo Presidente Gustaf Lindencrona, da Universidade de Estocolmo: “Acho que o sistema de voto indireto, conforme existe em nossa Universidade, é melhor”.

Ainda mais conciso foi o Professor Gavin Brown, reitor da Universidade de Sydney, Austrália: “O modelo para eleger um reitor diretamente é inapropriado”. Eis a resposta que nos foi enviada pelo dr. Bernard J. Shapiro, da McGill University, do Canadá: “Eu não acredito que em nosso meio o voto direto pelos estudantes e/ou funcionários da Universidade seria muito bom. As contendas envolvendo publicidade politizam desnecessariamente o ambiente e raramente produzem a liderança necessária para uma instituição acadêmica. Além do mais existem muitos ‘stakeholders’ da Universidade que não são representados por aqueles que freqüentam a Universidade ou que nela trabalham”.

A Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel, não opinou sobre a eleição direta, preferindo informar que a eleição do seu presidente se faz por um Conselho de Curadores. O reitor é escolhido pelo Senado e através de um Comitê de Busca, no qual o Presidente tem poder de veto.

Na Universidade de Tokyo a escolha do Presidente da Universidade é feita em duas etapas. Na primeira, os delegados/representantes de cada uma das 14 faculdades e 12 institutos de pesquisa são escolhidos pelos professores, professores associados e professores assistentes da Universidade. Esses delegados/representantes se reúnem em assembléia e escolhem, através de voto secreto, cinco candidatos. Na segunda etapa, os professores, professores associados e professores assistentes votam em um dos cinco candidatos selecionados. O candidato com maior número de votos será o Presidente daUniversidade de Tokyo. Neste estágio do processo é possível votar em outros candidatos além dos cinco apresentados pelos eleitores. Não é necessário ser docente da Universidade para concorrer à vaga para Presidente. A instituição considera que, deste modo, as eleições “têm sido diretas, pois as pessoas com responsabilidade direta pelo ensino e pesquisa (docentes), são as que elegem o Presidente”.

A Reitoria da Universidade de Coimbra, esclarecendo que o seu executivo principal é indicado entre os professores catedráticos de nomeação definitiva e eleito pela Assembléia da Universidade, sequer comentou a possibilidade de eleição direta.

O Professor Luís Sousa Lobo, Reitor da Universidade Nova de Lisboa, enviou-nos a seguinte resposta: “O processo de eleição direta, com conversão da proporcionalidade dos votos obtidos em cada corpo eleitoral, foi praticado com sucesso na Universidade do Minho entre 1982 e 1989, mas a Lei atual não o permite. Torna a eleição mais visível na comunidade acadêmica, embora conduza a uma campanha eleitoral mais consumidora de tempo para os diversos intervenientes”.

Também na Universidade do Porto uma Assembléia da instituição escolhe o Reitor entre catedráticos de nomeação definitiva. O Professor J. Novais Barbosa, seu atual reitor, opina sobre o voto direto: “Seria um princípio aceitável, se não tivesse o inconveniente de incluir um apreciável número de pessoas certamente muito interessadas na sua área de incidência, mas pouco interessadas na atividade global da instituição”.

Enfatizando que a eleição do reitor por um Conselho de Diretores vem funcionando muito bem há mais de 30 anos, o atual Reitor da Universidade Los Andes, Colômbia, Professor Carlos Ângulo-Galvis, opina sucintamente: “Não favorecemos o voto direto. Consultamos os membros da comunidade e levamos em consideração as suas opiniões”.

O Reitor da Universidade da Malásia, Dr. Anuar Zaini Md Zain, informou apenas que o Vice-Chancellor é indicado pelo Ministro da Educação. Sugeriu como alternativa um Comitê para procurar o melhor candidato.

As universidades norte-americanas condenam por unanimidade a votação direta. O Presidente da Associação que representa aquelas com maior engajamento em pesquisa, Dr. Nils Anselmo, também respondeu à pesquisa, e nos seguintes termos: “Eu não acredito que a eleição através de voto direto dos docentes, funcionários e alunos seja um modelo viável para as universidades norte-americanas, tendo em vista suas estruturas de administração.

Todas elas têm, entretanto, Senados Universitários, com grupos separados para docentes e estudantes, para determinadas finalidades, que têm um peso considerável sobre questões acadêmicas. Este fato é referido como ‘shared governance’ (administração compartilhada). Mas a função dos docentes e dos estudantes é somente opinativa no caso de eleição de um Presidente/Chancellor”.

Seguem-se, em bloco, as opiniões encaminhadas à Reitoria da USP por oito destacadas universidades dos Estados Unidos:

Universidade Johns Hopkins – (Dr. William R. Brody) – “Seria contrário aos Estatutos da Universidade eleger o Presidente por voto direto. Seria também um erro que mudaria completamente o caráter desta instituição, na qual o Presidente responde ao Conselho, entidade autônoma, independente. Esta independência é tão importante que os Estatutos proíbem expressamente qualquer aluno, docente ou funcionário de servir como Conselheiro. Como nenhum Conselheiro é afetado diretamente pelas políticas e ações definidas pelos Curadores, eles têm maior objetividade sobre como administrar a Universidade, o que não seria possível se fossem stakeholders. “(…) Se a estrutura de governo permitisse a escolha direta, a Presidência ficaria politizada ao ponto em que o próprio Presidente não poderia levar avante sua missão com eficácia”.

Universidade Vanderbilt – (Dr. Mark J. Justad) – “Se fosse uma situação como a de Vanderbilt, eu seria cético quanto ao estabelecimento de um processo direto de eleição”.

Universidade de Nova York – (Dr. L. Jay Oliva) – “Meu pensamento quanto à eleição direta de um reitor (por todas as pessoas da comunidade – alunos, docentes e funcionários) é que não é uma boa idéia. O voto direto, nesse caso, resultaria num concurso de popularidade ao invés de se buscar o candidato certo, com as credenciais apropriadas”.

Universidade Emory – (Dr. Gary S. Hauk) – “Muitas vezes os passos necessários para levar a universidade a um nível mais alto são impopulares ou apenas parcialmente compreendidos por algumas comunidades. A eleição popular de um dirigente limitaria, portanto, a capacidade dos Curadores na busca de uma pessoa com as qualidades necessárias para liderar”.

Universidade Brandeis – (Dr. John R. Hose) – “A eleição direta para Presidente da instituição abriria a possibilidade de campanhas de candidatos e uma seleção altamente politizada que encorajaria a divisão e o surgimento de ‘ganhadores’ e ‘perdedores’ entre as várias comunidades. É de vital importância que as vozes dos docentes e alunos sejam  ouvidas na seleção de um Presidente, porém nenhuma dessas comunidades está na mesma posição do Conselho de Trustees para tomar uma decisão imparcial e baseada naquilo que é melhor para a Universidade”.

Universidade Duke – (Dr. Nannerl O. Keohane) – “Não acredito que a eleição de um Presidente pelo voto direto dos docentes, funcionários e estudantes favorecesse os melhores interesses de uma instituição. Este processo poderia dividir o campus e politizar a seleção”.

Universidade de Pittsburgh – (Dr. Mark A. Nordenberg) – “Não tenho experiência para medir esse enfoque e preferiria o processo desta Universidade, que eu sei que funciona”.

Universidade do Estado de Michigan – (Dr. Peter McPherson) – “A função do Presidente muitas vezes envolve a busca de fundos externos e relações com Assembléias Legislativas, líderes da comunidade e público em geral. Por isso, um voto direto pelos docentes, funcionários e estudantes, não seria apropriado porque constituintes externos importantes estariam fora do processo. O nosso atual sistema é melhor, pois a busca envolve membros eleitos pelo público e também constituintes internos”.

As opiniões aqui registradas evidenciam um consenso a ser atentamente examinado. Se queremos uma academia moderna e sintonizada com as boas práticas internacionais, devemos seguir o exemplo das melhores universidades. Não se trata de copiar mecanicamente os procedimentos adotados em outros países, mas acompanhá-los no essencial, que é o respeito aos interesses acadêmicos. Caberia sublinhar ainda que as instituições ouvidas pela USP situam-se, na quase totalidade, em países de sólida tradição democrática, onde o direito de opinião é fundamento pétreo em suas Constituições. Nota-se, porém, que estas academias percebem sabiamente as sutis e importantes diferenças entre a organização do Estado e a organização universitária.

À guisa de ilustração, serão descritos os processos de escolha de dirigentes em algumas das instituições pesquisadas. Todas elas integram a lista de universidades melhor avaliadas no “Academic Ranking of World Universities – 2004″, elaborado sob a coordenação do professor Nian Cai Liu, do Instituto de Ensino Superior da Universidade de Xangai – China, com o objetivo de orientar os estudos de chineses no exterior.

Associação de Universidades Americanas – Esta associação reúne as cem maiores universidades norte-americanas, em especial aquelas que priorizam as atividades de pesquisa e pós-graduação. Nessas instituições, públicas ou privadas, o presidente ou chancellor é eleito pelo Conselho da universidade. Os membros dos Conselhos, por sua vez, são eleitos ou designados de formas variadas. Nas universidades públicas, alguns dos conselheiros são eleitos quando das eleições gerais dos Estados e outros são indicados pelos governadores. Nas universidades privadas o próprio Conselho elege os seus membros e se auto-renova periodicamente. Na escolha de um presidente ou chancellor o Conselho geralmente indica um comitê de busca com representação do próprio Conselho, docentes, funcionários e estudantes e, às vezes, ex-alunos. Os mandatos variam de indicação anual até mandatos de cinco anos com a possibilidade de recondução.

Universidade Johns Hopkins – É dirigida por um Conselho de Curadores provenientes do setor privado, sendo que os próprios membros elegem os seus sucessores. O Presidente é escolhido por esse Conselho de Curadores e fica no cargo até quando o desejar. Quando um Presidente sinaliza que quer deixar o cargo, o Conselho de Curadores indica um comitê de busca para identificar o sucessor. Este Comitê, muitas vezes dirigido pelo Presidente do Conselho de Curadores, é integrado, em sua maior parte, pelos próprios Curadores, mas também inclui representantes de todos os setores da Universidade – docentes, estudantes, funcionários e ex-alunos. O processo para identificar um novo Presidente leva de 12 a 18 meses e envolve a consulta a pessoas da própria Universidade, de outras instituições, ou mesmo do exterior. Os indicados finalistas são entrevistados pelo comitê de busca e por membros da direção da Universidade. O comitê de busca recomenda um único candidato ao Conselho de Curadores que, então, decide se elegerá essa pessoa para o cargo.

Universidade de Nova York – A seleção é feita por um comitê de busca composto por pessoas conceituadas da Universidade (administração central, docentes, estudantes e funcionários). Não há mandato fixo para o Presidente. O Conselho de Trustees da Universidade é que decide quando um Presidente deve ser escolhido.

Universidade de Oxford – O Vice-Chancellor, dirigente executivo da universidade, é escolhido por um colégio eleitoral, integrado por quatorze membros, sendo cada um deles indicado por um setor diferente da Universidade. O colégio eleitoral é presidido pelo Chancellor (patrono da Universidade com poucas funções executivas, sendo a maioria delas de representação externa). O colégio analisa em sigilo possíveis nomes para a função e poderá fazer consultas reservadas. Não há candidaturas ao cargo e, caso seja percebida uma campanha em prol de um dos nomes, este será automaticamente desqualificado. O nome escolhido pelo colégio eleitoral é então proposto a todo o corpo de acadêmicos/professores. O nome é referendado, a menos que haja, dentro de um prazo determinado, uma contestação fundamentada. Nunca, na história da Universidade, um indicado foi chamado ao debate ou feita oposição ao nome proposto. O mandato é de cinco anos, podendo ser prorrogado por mais dois, não sendo permitida a recondução.

Universidade Colégio de Londres – O Presidente e Provost da UCL é indicado porum Conselho sob a recomendação de um Comitê de Seleção composto por membros do Conselho e do Conselho Acadêmico. O Conselho é integrado por cerca de trinta pessoas, a maioria não pertencente à Universidade, mas vinda da área empresarial e de representantes das profissões liberais. Atualmente integram também o Conselho dois professores representantes das escolas de segundo grau. Os membros internos incluem a representação de funcionários docentes e não-docentes e representantes dos estudantes. Já o Conselho Acadêmico é integrado por professores titulares e por membros eleitos de outras categorias docentes. O mandato tem duração mínima de cinco anos e máxima de dez anos.

Universidade de Estocolmo – A eleição do Reitor/Presidente acontece em três etapas. Na primeira, há uma decisão do Conselho Eleitoral, constituído por 60 membros, sendo 36 escolhidos pelos docentes, 12 pelos estudantes e 12 pelos sindicatos do comércio. Na segunda, há a decisão do Conselho Universitário, que geralmente escolhe o candidato que obteve a maioria dos votos no Conselho Eleitoral. Finalmente, o Reitor/Presidente é indicado pelo Governo. O mandato é de 6 anos, podendo haver reeleição para um período de mais 3 anos.

Universidade de Lyon 2 – O Presidente da Universidade é escolhido entre os docentes titulares e eleito por uma assembléia de aproximadamente cento e trinta membros integrantes do Conselho de Administração, do Conselho Científico e do Conselho para Assuntos Acadêmicos. O processo eleitoral inclui uma consulta a todos os membros da Universidade, mas a eleição é por delegação, pois é feita nos três conselhos. O mandato é de cinco anos e não se permite a reeleição.

Universidade de Los Andes – O reitor é eleito pelo Conselho de Diretores, composto por quarenta e cinco membros, tendo um mínimo de dois professores e dois estudantes. Um comitê de busca, constituído pelo Presidente e doze membros do Conselho de Diretores, entrevista membros do próprio Conselho, docentes e outros integrantes da comunidade da Universidade, prepara um relatório e apresenta suas conclusões ao Conselho. As conclusões incluem a recomendação de um a três candidatos para serem votados. O primeiro mandato é de quatro anos, que pode ser estendido por mais dois, indefinidamente.

Universidade Nova de Lisboa – A eleição é feita por um colégio eleitoral de cerca de duzentas e cinqüenta pessoas, designado Assembléia da Universidade, com representação das Faculdades, em que há 27% de estudantes e 10% de funcionários. Recentemente foram feitos ajustes no processo para assegurar a representação autônoma de estudantes de pós-graduação e introduzida uma regra de proporcionalidade mitigada, com três escalas de dimensão para a representação das Faculdades (1º escalão: até 1000 estudantes; 2º escalão de 1000 a 3000 estudantes; 3º escalão para Faculdades com mais de 3000 estudantes). Foram introduzidas, também, as alternativas de candidaturas ou deproposituras (por 5 a 10% de membros do colégio eleitoral). O mandato é de quatro anos admitindo-se apenas uma reeleição.

Toda a argumentação recolhida sobre a escolha do Reitor centra-se, como vimos, no princípio da competência. Esta será, em todos os casos, aferida por um grupo notoriamente qualificado e sem outro interesse que não seja de ordem acadêmica. O viés político é absolutamente desprezado. Exige-se do candidato um perfil em que se sobressaiam a capacidade administrativa e um pleno domínio de questões pertinentes às atividades fins da instituição. Está descartada qualquer hipótese de influência privilegiada no exercício de suas ações futuras.

O dirigente acadêmico, além de sólido conhecimento da área que lhe cabe gerir e uma compreensão abrangente da universidade, precisa ser um articulador. Mas a liderança, neste caso, não tem aquele sentido que ostenta quando relacionada com o embate sindical ou político. A condução partidária ou corporativa repousa basicamente na habilidade para arregimentar segmentos da sociedade e em atributos pessoais como oratória, carisma ou até mesmo alguma teatralidade no comportamento. A liderança de um dirigente universitário se mede pela capacidade na agregação de competências e formulação de um projeto para a academia. O desvio capital na tese do voto direto é o de exigir do Reitor ou dirigente de unidade o posicionamento de um agitador de massas. Ele não é isso, por mais que admitamos, no plano político, um protagonista com este perfil.

Não se veja, nesta observação, qualquer menosprezo à política e seus ritos, perfeitamente legítimos quando praticados em âmbito próprio. A política é a estrutura essencial do sistema representativo. Uma crítica irrefletida aos seus processos quase sempre oculta convicções totalitárias ou revela uma total incompreensão dos valores democráticos. Que fique bem claro: no caso em análise o erro está em partidarizar o contexto acadêmico e ignorar a sua verdadeira natureza.

As diferenças também ocorrem entre aqueles que vão escolher a liderança. Na universidade, ao contrário do que sucede no conjunto social, os liderados exercem um papel ativo. Eles não se limitam a seguir os passos de alguém, mas ajudar este alguém nas tarefas de governança e, mais do que isso, na concepção das políticas acadêmicas. Esta influência mútua é praticada nos colegiados, que por sua vez não devem guardar semelhança com os plenários políticos ou assembléias de classe, onde atuam “bancadas” e “facções” mais preocupadas com a reação de suas bases eleitorais.

Freqüentemente se ouve dizer que as congregações e conselhos superiores na universidade assumem posições “conservadoras”. Melhor seria caracterizá-las como prudentes, inclusive para identificar os líderes verdadeiramente inovadores e saber diferenciá-los dos que pretendem apenas trocar uma rotina por outra. Parece-nos que estas premissas estão implícitas nos depoimentos colhidos junto aos dirigentes das universidades internacionais ouvidos pela Reitoria da USP sobre as suas respectivas estruturas e processos de escolha.

Um Reitor não deve estar ligado a qualquer facção partidária, mesmo que ocasionalmente esta facção represente, no espectro político, um programa justo de governo. O compromisso da autoridade universitária restringe-se ao contexto exclusivo da qualidade acadêmica. Neste caso, a chegada ao posto de Reitor assemelha-se ao ingresso de um estudante na universidade.

O improvável cenário da eleição direta para Reitor teria uma porta escancarada para o aparelhamento da universidade pública. Por ela entrariam grupos ideológicos em busca de fortalecimento. Grupos de direita, como no tempo da ditadura militar ou grupos de vários matizes, como nos dias de hoje. Nocivos, todos, ao interesse universitário, porque visam em primeiro lugar a política e não as questões relevantes da academia.

Demo-nos por felizes que haja no Brasil plena liberdade e que se possam expressar as mais variadas correntes partidárias. Mas seria inadequado ampliar o campo de confronto destas forças para dentro da universidade visando a ocupação de espaços e permitindo que militantes de qualquer origem viessem a exercer cargos destinados a gestores de formação específica. A livre circulação de idéias é a razão de ser de uma universidade crítica e plural, como defendemos. Mas não se pode instrumentalizar este princípio com objetivos de poder interno, sob pena de trair o seu verdadeiro sentido.

Ficou demonstrado que um “concurso de popularidade”, para usar a expressão do reitor Jay Oliva, da Universidade de Nova York, é a pior forma de eleger um dirigente universitário. O melhor é fazer todas as escolhas pelo critério da competência e do vínculo permanente com a missão acadêmica. O autor deste artigo, quando reitor da USP e ainda hoje, vem expondo em escritos diversos o conceito de uma universidade generosa, empreendedora, crítica e plural. Nela, tudo depende de todos, mantido o sistema de representatividade que valorize o compromisso histórico com a instituição. Voltada para o aperfeiçoamento de suas políticas internas, culto aos valores humanos e debate dos grandes temas nacionais, a academia terá correspondido ao investimento público e às expectativas da sociedade. Ela deve ser tomada igualmente como um sistema aberto, constituído por milhares de células vivas – alunos, professores, funcionários e dirigentes – agrupados na gestão central, departamentos, núcleos, institutos, faculdades, museus. São estas células que têm assegurado, com êxito, a realização de metas e a preservação do pacto universitário firmado em 1934 e sempre renovado ao longo dos 70 anos da USP.

Professores de notória convicção liberal e até conhecida militância na esquerda democrática, opõem-se ao sistema da eleição direta para reitor. A propósito, relatarei o segundo fato referido no início deste artigo, que também ocorreu durante a minha gestão reitoral. Ocorreu, para ser exato, no dia 14 de setembro do ano 2000 e foi, para mim, uma experiência inesquecível. Naquele dia, atendendo a um convite do DCE, resolvi participar da instalação do Congresso dos Estudantes da USP – evento que anunciava em sua programação duro questionamento às práticas da Reitoria. Já fora informado por telefone que teria cinco minutos para falar, um pouco antes do Professor Antonio Candido – que seria o palestrante da sessão de abertura.

Entrei no Anfiteatro e percebi, em torno, olhares de perplexidade. Havia cerca de 400 alunos na platéia e um grupo de 20 deles, não mais do que isso, começou a gritar “Reitor, ditador!”, tentando puxar uma vaia, sem ressonância. Dirigi-me ao palco e sentei-me junto a um dirigente do Diretório Central de Estudantes (DCE). Este fez um comentário inicial em que explicitou, com ênfase, sua posição favorável a uma eleição direta para reitor e representação partidária de alunos e professores no Conselho Universitário. Em seguida passou-me a palavra e estendi-me, no tempo disponível, sobre as tensas relações daquele momento entre o DCE e a Reitoria. Lembrei que os dirigentes universitários, vistos equivocadamente pela representação estudantil como patrões ou detentores de poderes imperiais, na verdade exercem transitoriamente funções executivas. E subordinam-se, todos, à soberana decisão de colegiados em vários níveis, eleitos pela comunidade acadêmica. Concluí exortando todos a um diálogo sereno, mesmo a partir de idéias eventualmente opostas. Um diálogo em que prevalecesse a noção de que a amizade sempredeve sobreviver aos desacordos.

Concluído o meu discurso, falou o Professor Antonio Candido. Ele prestou riquíssimo depoimento sobre a sua trajetória na Universidade de São Paulo, desde os tempos de estudante. E aí aconteceu o fato de maior impacto naquela tarde, que agora resgato para o contexto deste artigo. Antonio Candido, surpreendendo os diretores do DCE, declarou-se contrário à eleição direta para reitor e à paridade no Conselho Universitário. E acrescentou que, embora discordando francamente de algumas posições do diretor do DCE, jamais o vaiaria por assumir estas posições. Foi delirantemente aplaudido por toda a platéia.

Os grupos que contestam o critério vigente nas eleições da USP escudam-se, em defesa de suas posições, na evolução política do País. A memorável campanha cívica em prol de eleições diretas para a Presidência da República, em 1984, é por eles indevidamente apropriada, como se coubesse relação entre um fato e outro. Não cabe. O voto direto para eleições gerais na sociedade fundamenta-se no princípio de que todos os brasileiros são aptos a escolher o seu presidente, tendo em vista que o poder, na organização democrática, emana do povo – este, fora de dúvidas, um ente social permanente.

Na universidade, porém, o referencial permanente é o seu corpo de professores, porque tem ele, na missão acadêmica, um projeto de vida inteira. Os estudantes freqüentam o campus temporariamente, durante seus cursos, e os dedicados funcionários nele permanecem enquanto não surgirem, no mercado de trabalho, melhores oportunidades.

Claro está que não pode haver paridade na votação e que o corpo docente deve ter um peso maior na definição dos destinos da academia. Estas razões, alinhadas às demais invocadas nas linhas anteriores, em especial a de notória competência dos candidatos, devem nortear a escolha de um reitor. Vincular o funcionamento da instituição aos interesses do sindicalismo interno e posições corporativas ou partidárias é o mais grave erro que se pode cometer numa escolha reitoral.

A pregação do voto direto na sucessão de um dirigente acadêmico não teve, e jamais terá, o caráter representativo que sempre alcançou nas decisões da sociedade civil. Espera-se, em nome da racionalidade e das melhores experiências, que este discurso equivocado, cada vez mais frágil, em breve seja definitivamente esquecido.

( * ) Jacques Marcovitch é ex-reitor da USP e professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). O presente artigo foi escrito como texto-base para conferência realizada em 8 de março de 2005 no Instituto de Estudos Avançados (IEA) e publicado pela Edusp no livro  Ensino Superior – Conceito e Dinâmica, organizado por João Evangelista Steiner e Gerhard Malnic.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. resumo da ópera: consumidores não elegem CEOS…

    Perguntar a pessoas que não foram eleitas para reitor se elas acham que deveriam ter sido eleitas, é mais ou menos como perguntar para Pinochet, Medici e Stalin o que eles acham da democracia. É claro nas universidades americanas nenhum reitor será favorável as eleições, por um motivo muito simples: elas vivem da cobrança de taxas exorbitantes de seus alunos e dos financiamentos de grandes empresas privadas. Ou seja, funcionam como grandes empresas mercantis; da mesma forma que quem compra o produto de uma empresa não pode eleger o seu predisente, os que ‘compram’ o produto ‘educação’ na universidade americana, obviamente não podem votar no seus ‘presidente’. Enfim, é o modelo mercantil de Universidade que o ‘magnifico’ Marcovithe e está defendendo. Ainda mais sendo ele da FEA que quem conhece sabe que não passa hoje de uma prestadora de serviços para grandes empresas; é a elas e não ao corpo universitário que esse senhor tem que prestrar contas. Teria sido mais honesto da parte dele se falasse isso abertamente ao inves de fazer esse artigo imenso e chato e que não esclarece a ninguem como funcionam as tais universidades em que ele se apoia com um argumento de autoridade.

  2. como e bom escrever um longo

    como e bom escrever um longo comentario neste blog e ver que este foi perdido porque houve falha no processamento…animador mesmo! sqn.

  3. E o governador?

    E o governador? Não é uma força política partidária quem escolher o reitor da USP, com o agravante de nas ultimas nem a lista tríplice ter sido respeitada?

    Bem, a vontade política de um pode né.

  4. Comentário.

    Interessante pedir “conselhos” a outras universidades para dizer como deve ser a organização de uma universidade brasileira, cuja situação histórica e a condição socioeconômica, no geral, é bastante diversa da nossa.

    Eis o problema fundamental da Universidade de São Paulo: os seus dirigentes se recusam a pensar que a universidade faz parte da realidade do Brasil.

    As “recomendações” recebidas são isoladas de seus contextos originais. Ora, qual a importância da opinião de uma instituição de caráter privado na questão da gestão universitária numa instituição autárquica, mas de caráter público?

    Existem, evidentemente, algumas peças de ficção que poderiam ser resolvidas não apenas com mudanças estatutárias, mas com a parcimônia e o senso público dos dirigentes da USP.

    Apenas para situar a questão, se correta a visão expressa no site da Adusp, o Reitor da universidade passou de modo autoritário no andamento da última sessão do Conselho Universitário (que, segundo dados, possui influência em 30% das cadeiras do Conselho – o que Marcovitch teria a dizer sobre esta influência?), culminando, inclusive, com um ato de ação direta por parte de estudantes e trabalhadores da Universidade.

    A quem interessa a internacionalização da USP? Qual o objetivo real? O que o ensino universitário brasileiro tem a ganhar? Qual a relação entre o projeto de internacionalização e a visão de país (se é que há) inerente? Pq as primeiras ações dizem respeito à modificação do regime de trabalho docente?

    Enfim, Marcovtch escreve, escreve, escreve, escreve, mas não explica…

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