Educação

Descendo das árvores: Clima, hábitat, nicho e as origens da humanidade, por Felipe Costa

Descendo das árvores: Clima, hábitat, nicho e as origens da humanidade.

Por Felipe A. P. L. Costa [*].

Aos meus ex-professores de Unicamp – em especial
FRM & WHS (1980) e WWB (1980-1991).
Que os jovens professores de hoje encontrem a trilha.

RESUMO. – Chimpanzés e seres humanos derivaram de um mesmo ancestral comum [1]. Evidências fósseis e moleculares indicam que o ramo ancestral se dividiu em dois há 5-8 milhões de anos. De um lado, prosperou a linhagem que daria origem aos chimpanzés; de outro, a que daria origem aos humanos. As duas linhagens se diferenciaram e se afastaram, dando origem a múltiplas ramificações e a diferentes estilos de vida. Os ancestrais dos chimpanzés continuaram a viver em florestas fechadas, enquanto os nossos ancestrais desceram das árvores e passaram a viver em hábitats mais abertos, dominados por gramíneas e outras plantas herbáceas [2].

*

1. ERAS DO GELO.

A emergência dos homininos (Australopitechus, Paranthropus, Homo e afins) como um ramo distinto de hominídeos [3], há cerca de 5-8 milhões de anos (5-8 Ma) [4], ocorreu em um período de esfriamento do planeta. Um período que ressoa em nosso imaginário como a Era do Gelo. Cabe adiantar, no entanto, que a queda na temperatura não foi linear nem ininterrupta, nem foi aquela a primeira ou a única era do gelo [5].

Durante o Pleistoceno, especificamente, a temperatura da Terra passou por sucessivas oscilações, embora a trajetória geral de fato tenha sido declinante. Foi nesse contexto dinâmico – esfria, esquenta, esfria… – que um sub-ramo aparentemente trivial do gênero Australopithecus teria dado origem ao gênero Homo.

1.1. Quaternário.

A emergência do gênero Homo como uma linhagem distinta de homininos ocorreu há 2,5-3,5 milhões de anos [6]. Nos termos do calendário geológico [7], a separação teria ocorrido na segunda metade do Plioceno (5,33-1,81 Maa), entre 0,7 e 1,7 Ma antes do início do Pleistoceno (1,81-0,0117 Maa).

Como é regra em todas as transições daquele calendário, a transição Plioceno-Pleistoceno foi marcada por eventos notáveis e importantes. Nas palavras de Ward (1997, p. 199):

“Dois milhões e meio de anos atrás. Trata-se de uma data significativa para vários ramos diferentes da ciência. Para os paleoclimatologistas, significa o princípio da grande perturbação climática que iniciou as Idades do Gelo. Para os antropólogos, ela agora marca a primeira aparição de nosso gênero e uma grande diversificação dos hominídeos. Para os geólogos, denota o fim de uma unidade de tempo geológica – a Época do Plioceno – e o início de outra, o Pleistoceno. Eu acredito que ela também marca o início da extinção moderna, o Terceiro Evento.”

Em alusão ao mesmo período, Gradstein et al. (2004, p. 86; grifo no original, tradução livre) anotaram:

“O ‘Quaternário’ é tradicionalmente visto como o intervalo de extremos climáticos oscilantes (episódios glaciais e interglaciais) que teve início por volta de 2,6 Ma; abrangendo, portanto, as épocas Holoceno e Pleistoceno e o estágio Gelasiano do Plioceno Superior. Essa época abrangente não é uma unidade formal na hierarquia cronoestratigráfica.”

Mudanças climáticas são – por definição – eventos de larga escala. As mudanças ocorridas no Pleistoceno (globais ou regionais) tiveram um impacto profundo em diversas biotas mundo afora.

1.2. Clima e vegetação.

Para início de conversa, vale lembrar que temperaturas médias negativas (<0 ºC), típicas de climas glacias, congelam a água. Não surpreende, portanto, que as geleiras do Pleistoceno fossem maiores que as de hoje; o volume de gelo no topo das grandes montanhas também era maior.

Já que o volume total de água presente no planeta permanece inalterado há bilhões de anos, as quantidades presentes em diferentes estados físicos (gelo, água líquida e vapor) estão amarradas entre si.

Mais gelo no Pleistoceno resultou em volumes reduzidos de água líquida. O nível dos oceanos, por exemplo, era mais baixo. As linhas da costa ficavam mais distantes e a área exposta dos continentes era maior. Mais água congelada implicava também em concentrações mais baixas de vapor d’água na atmosfera. Além de mais frio, portanto, o clima era mais seco – em muitas regiões, a pluviosidade média anual era inferior à de hoje.

1.3. Savanização.

Uma queda na disponibilidade de água tem um impacto direto na produção primária. A escassez hídrica rebaixa a produção, assim como rebaixa a produtividade – e.g., a biomassa acumulada e o ritmo de crescimento declinam. E isso em pouco tempo leva a mudanças na estrutura e na dinâmica da vegetação – e.g., o porte e o adensamento das árvores diminuem.

A queda no volume de chuvas durante o Pleistoceno ajuda a explicar porque tantas regiões do planeta passaram por um processo de savanização – leia-se: florestas altas e densas foram substituídas por diferentes tipos de savanas, com árvores mais baixas e mais espaçadas [8]. Esse processo foi particularmente notável nos trópicos. Na África, especificamente, regiões que até então abrigavam florestas densas ou savanas úmidas passaram a ser ocupadas por savanas secas ou pastos de gramíneas.

Diferentemente das florestas fechadas, as savanas se caracterizam pela convivência dinâmica de duas formas de vida contrastantes – árvores perenes vs. gramíneas anuais. A depender da disponibilidade de água e da ocorrência de incêndios, árvores e gramíneas irão conviver por mais ou menos tempo [9]. Em regiões secas (pluviosidade anual <600 mm), por exemplo, a convivência é regulada pela disponibilidade de água, a despeito da ocorrência ou não de incêndios. Em regiões úmidas (>1.100 mm), no entanto, a convivência só é possível na presença de incêndios periódicos; caso contrário, as árvores se impõem – o estrato herbáceo desaparece e a savana se converte em floresta fechada.

2. PALCO ECOLÓGICO, DINÂMICA EVOLUTIVA.

Quando um tipo qualquer de vegetação perde espaço, de modo que a cobertura original é aos poucos reduzida a fragmentos discretos e descontínuos, diz-se que a paisagem está a passar por um processo de insularização. Trata-se de um fenômeno espontâneo, próprio da dinâmica natural das paisagens, notadamente aquelas que abrigam formas de vida contrastantes.

No caso das savanas, a dinâmica envolve a vegetação arbórea e a vegetação herbácea (gramíneas e afins). A depender das circunstâncias, ora uma se expande, ora outra. Em períodos frios e secos, por exemplo, o componente arbóreo cede espaço, passando a se concentrar em terrenos mais úmidos (e.g., ao longo de cursos d’água). Atividades humanas também levam à insularização. Como é o caso das atividades que resultam em destruição e fragmentação de hábitats (e.g., desflorestamento) [10].

2.1. Impactos de curto prazo.

A insularização intensifica a ocorrência de dois fenômenos contrastantes e aparentemente complementares – extinção e especiação.

De início, há um aumento acentuado na taxa de extinção, visto que o tamanho efetivo das populações é bruscamente rebaixado. Mas o isolamento também promove a diferenciação genética de subpopulações, notadamente aquelas que agora estão a ocupar fragmentos desconectados. Desconectadas e mais ou menos isoladas, essas subpopulações passam agora a acumular mutações mais ou menos exclusivas – digo: mutações que não mais irão circular com a mesma facilidade de antes. Isso leva à diferenciação local, o que pode resultar em especiação [11].

A depender das características dos fragmentos (e.g., tamanho e distância média entre eles), o saldo final será a construção de uma paisagem fragmentada e heterogênea, ainda que empobrecida (afinal, muitas espécies desaparecem durante o processo de fragmentação). Apesar de empobrecidos, os fragmentos tendem a guardar diferenças entre si. Um das razões para isso, não custa repetir, é a suspensão do efeito nivelador que até então era assegurado pela livre circulação de genes. Com a insularização, a dinâmica interna dos fragmentos passa a oscilar de modo mais ou menos independente – digo: o que acontece aqui já não depende tanto do que acontece ali, e vice-versa.

Para muitas populações, viver em uma paisagem fragmentada e heterogênea pode ser um beco sem saída, um desafio além das possibilidades. O motivo pode ser a escassez de recursos ou a própria heterogeneidade. Por exemplo, além de diferenças iniciais em termos de composição (e.g., o fragmento 1 tem as espécies A, B e C; o fragmento 2, as espécies B, C e D; o fragmento 3, as espécies C, D e E, e assim por diante), a abundância de itens alimentares ou a presença de inimigos naturais pode variar muito de um fragmento para o outro, a ponto de tornar alguns deles inabitáveis [12].

2.2. Desafios ecológicos, soluções evolutivas.

Fragmentos cujos atributos são inferiores à média podem ser vistos como desafios ecológicos. Nem todas as espécies conseguem vencer esses desafios.

Ao menos dois caminhos podem ser trilhados pelas populações que conseguem prosperar (leia-se: adaptar-se) em uma paisagem fragmentada, a saber: (1) alargar o nicho – e.g., o animal passa a explorar itens que até então ele pouco ou nada explorava; ou (2) estreitar o nicho – e.g., o animal passa a se concentrar em uns poucos itens, de modo a conseguir explorá-los de um modo ainda mais eficiente do que antes [13].

No primeiro caso, a variabilidade genética e os limites de tolerância tendem a se ampliar, duas tendências que favorecem a evolução de fenótipos generalistas. No segundo caso, a variabilidade e a tolerância são reduzidas, o que costuma levar à evolução de fenótipos mais especializados e, por isso mesmo, menos afoitos à experimentação.

2.3. Impactos de médio e longo prazo.

Considere o caso hipotético de um fragmento que abriga uma guilda formada por seis espécies de lagartos insetívoros (ver Figs. 3 e 4) [14]. Imagine então que, transcorridas algumas gerações, duas das seis espécies desaparecem. Com duas espécies a menos, o que irá ocorrer com os lagartos remanescentes? Mais especificamente, o que irá ocorrer com o vazio (Fig. 4) deixado para trás pelas duas espécies desaparecidas?

Generalização. De acordo com a teoria ecológica do nicho [15], o mais provável seria o seguinte: as espécies remanescentes devem ser empurradas para ocupar os vazios deixados por quem desapareceu. Os lagartos sobreviventes, sobretudo os vizinhos (digo: competidores mais próximos), deverão passar a explorar os itens que antes eram explorados por quem desapareceu. Esta seria a rota da generalização.

Como houve um aumento (momentâneo) na disponibilidade de certas categorias de itens, a competição intraespecífica deve produzir resultados centrífugos. Significa dizer que deverão ser favorecidos os fenótipos mais divergentes (digo: fenótipos que exploram os itens mais afastados da média) (Fig. 4).

Especialização. A dinâmica pós-crise seria bem outra caso a guilda tivesse ganhado (e não perdido) espécies (e.g., migrantes vindos de fora). Nesse caso, nós iríamos testemunhar o fenômeno oposto: a crise provocada pela chegada de novas espécies deveria resultar em acomodações centrípetas – na hipótese, claro, de que os recém-chegados consigam conviver com os residentes durante algumas gerações.

A palavra centrípeta é usada aqui em alusão ao fato de que os lagartos estariam agora a ser empurrados para uma rota de especialização. Veja: com a chegada de mais consumidores, diminui a disponibilidade local de recursos, o que acirra a competição interespecífica, tornando-a ainda mais intensa e decisiva. Em tais circunstâncias, a melhor saída, sobretudo para os competidores mais fracos, é a especialização – e.g., explorar uma faixa estreita de recursos, quase sempre envolvendo itens marginais, pouco ou nada usados pelos demais competidores.

2.4. Benefícios da especialização.

Competidores que conseguem se especializar em uma faixa mais ou menos exclusiva, reduzem a sobreposição de nichos (Fig. 4). Abrandam, assim, o nível de competição que mantêm com os vizinhos. O que ajuda a reduzir os riscos de extinção e a elevar as chances de sucesso da população.

Na prática, a especialização pode se dar em ao menos duas dimensões, a temporal e a espacial. A adoção de longos períodos de inatividade (e.g., estivação ou hibernação) é um bom exemplo de especialização temporal. Desse modo, o animal evita os períodos mais desfavoráveis do ano, restringindo suas atividades para os períodos favoráveis – e.g., a estação de maior abundância alimentar. A especialização espacial, por sua vez, ocorre quando certas atividades só são executadas em certos hábitats, e não em outros. Por exemplo, predadores que concentram suas atividades de forrageio em hábitats sombreados, evitando os mais ensolarados. Ou presas aquáticas que concentram suas atividades em trechos de águas rápidas, evitando os de águas lentas.

Em todos esses casos, a especialização leva a uma gradativa lapidação do desempenho. Veja: reduzir a variedade de itens que são explorados implica em níveis mais intensos de competição intraespecífica. Todavia, se a competição interespecífica continua sendo a mais intensa e decisiva, os fenótipos mais econômicos (digo: aqueles cujos comportamentos resultam em uma conversão mais eficiente dos itens consumidos) se tornam o alvo da seleção, sendo tão ou mais favorecidos que os fenótipos marginais [16]. A mudança de foco irá depender tanto de atributos que estão expostos à seleção como da estabilidade do contexto ecológico que impõe um determinado regime seletivo.

2.5. Evolução em tempo real: Serra da Mesa.

Considere agora um exemplo real – o caso dos lagartos insetívoros que vivem nas ilhas do lago da usina hidrelétrica de Serra da Mesa (GO) (Amorim et al. 2017). Em 1996, com o início da formação do lago da usina, a paisagem local começou a mudar. O que até então era uma extensa área de cerrado a crescer sobre um relevo um tanto irregular, foi convertido em um lago entremeado de ilhas de terra desconectadas entre si [17]. Os lagartos de maior porte desapareceram. Mas algumas espécies de menor porte persistiram, como Gymnodactylus amarali. No novo cenário, esses lagartos passaram a ter acesso a um leque mais amplo de presas, notadamente as presas (cupins de maior porte) que eram consumidas pelos lagartos desaparecidos.

Pois bem.

Comparando os resultados obtidos em três amostragens (1996, 2001 e 2011) ao longo de um período de 15 anos, os pesquisadores identificaram um resultado notável: a largura do nicho (leia-se: tamanho médio das presas) de G. amarali foi ampliada, especialmente à direita (i.e., presas maiores passaram a ser mais frequentemente capturadas, como nas curvas A e D da Fig. 4).

O que teria promovido uma mudança evolutiva tão expressiva? Primeiro, o aumento na disponibilidade de presas maiores. Esse tipo de mudança instaurou um novo regime seletivo. Um regime centrífugo, mais especificamente, segundo o qual certos fenótipos marginais passaram a ser os mais favorecidos. E esse novo regime seletivo teria sido suficientemente forte para, em poucas gerações, promover um aumento (detectável) no tamanho médio da cabeça dos lagartos.

O mais impressionante, no entanto, seria o seguinte: esse mesmo padrão de mudança foi detectado não apenas em uma única população, mas em cinco populações de G. amarali, cada uma delas ocupando uma ilha dentro do lago da represa – caso único de convergência adaptativa em um sistema que está a evoluir em tempo real [18].

3. SAVANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO HUMANA.

Mudanças na paisagem – seja por insularização, seja por fragmentação antropogênica – geram desequilíbrios momentâneos: algumas espécies ganham hábitats, enquanto outras perdem. Crises e desequilíbrios são eventos notáveis e importantes em uma escala de tempo ecológico. Em uma escala de tempo mais longa, porém, tais eventos podem ser vistos como oportunidades para o curso da evolução. Assim é que os desequilíbrios ecológicos tendem a ser sucedidos por períodos de reorganização e de reajuste evolutivo [19].

3.1. Descendo das árvores.

O processo de savanização ocorrido na África durante o Pleistoceno foi um caso de insularização: maciços florestais sempre-verdes se fragmentaram e perderam terreno, sendo então substituídos por campos de vegetação herbácea (gramíneas etc.) [20]. O processo criou o cenário que ajudou a moldar o destino dos nossos ancestrais mais próximos, sobretudo ao longo dos últimos 2,5-3,5 milhões de anos. Vejamos.

Para os primatas arborícolas da Era do Gelo, a expansão das savanas trouxe mais perdas do que ganhos. Afinal, com a savanização, a extensão do hábitat deles encolheu – digo: muitas florestas fechadas se fragmentaram. Muitas populações de primatas devem ter sido extintas em decorrência de tal insularização, enquanto outras foram obrigadas a migrar. As linhagens recalcitrantes (leia-se: linhagens que não conseguiram descer das árvores ou sair da floresta), por sua vez, se viram diante de circunstâncias desafiadoras, notadamente a escassez de recursos [21].

3.2. Gorilas e chimpanzés vs. homininos.

Alguns animais já exploravam hábitats abertos, incluindo, vale dizer, as clareiras que periódica e naturalmente se abrem no interior de florestas fechadas [22]. Boa parte desses consumidores foi beneficiada pela savanização, como os animais de hábitos mistos (i.e., forrageadores que permaneciam parte do tempo nas árvores e parte no solo). Era o caso dos homininos. O avanço da savanização tornou ainda mais recompensador o modo de vida que eles já praticavam: forragear no solo.

Nas palavras de Foley (1987, p. 151; tradução livre):

“O argumento de que a terrestrialidade é importante na evolução dos hominídeos é óbvio e autoevidente. E deriva de duas observações simples e básicas: uma, que a maioria dos primatas, em contraste com os humanos, é arborícola, e a outra, que entre os primatas que adotaram um modo de vida terrestre, os hominídeos desenvolveram uma das formas de locomoção mais extremas e especializadas – bipedismo. Esse grau de divergência em relação aos padrões evolutivos e adaptativos dos nossos parentes mais próximos parece ser uma explicação adequada para a singularidade humana.”

Sim, na segunda metade do Plioceno, as espécies existentes de Australopithecus e Homo, todas bípedes, já forrageavam predominantemente no solo. E o que mais nos importa aqui: a julgar pelas evidências, a dieta de A. afarensis (provável ancestral do gênero Homo) já diferia significativamente da dieta das espécies que permaneceram associadas aos remanescentes florestais [23].

Veja: enquanto a dieta de gorilas e chimpanzés era constituída quase que exclusivamente de plantas que crescem no interior sombreado de florestas, a dieta do A. afarensis incluía plantas que só crescem em hábitats abertos, ensolarados [24].

Pois foram as particularidades do nicho alimentar desses homininos bípedes que ajudaram a pavimentar o caminho que levou ao surgimento do gênero Homo e, um pouco mais adiante, ao surgimento da espécie humana (H. sapiens) – conforme veremos a seguir (ver o artigo anterior).

*

NOTAS.

[*] Este artigo foi extraído e adaptado do livro A força do conhecimento & outros ensaios: Um convite à ciência (no prelo). (PDF com a versão completa deste artigo pode ser capturado aqui.) Outros trechos da obra já foram anteriormente divulgados – e.g., Livros, lentes & afins; Revolução Agrícola, a mãe de todas as revoluções; O que é cultural, afinal?; Quem quer ser um cientista?; Algumas notas sobre o método científico; As origens da política; Podemos aprender com os nossos erros; e Ciência, tecnologia, negócios. Sobre a campanha Pacotes Mistos Completos (por meio da qual é possível adquirir, sem despesas postais, os quatro livros anteriores do autor), ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para adquirir os quatro volumes ou algum volume específico ou para mais informações, faça contato com o autor pelo endereço felipeaplcosta@gmail.com. Para conhecer outros artigos ou obter amostras dos livros anteriores, ver aqui.

[1] Para detalhes e referências, ver artigo anterior (aqui).

[2] Cerling et al. (2011); em port., ver Apenas mais uma espécie única (Edusp, 1993), de R. Foley.

[3] De acordo com o sistema de classificação adotado neste livro, a família Hominidae (hominídeos) abriga duas subfamílias, Ponginae e Homininae (hominíneos). Esta última, por sua vez, abrigaria três tribos, Gorillini, Panini e Hominini (homininos). No texto, estamos a falar do surgimento dos homininos, ramo da arvore filogenética dos hominídeos cuja única espécie vivente é a nossa. Para uma caracterização da tribo Hominini, ver Wood & Harrison (2011); em port., Lewin (1999).

[4] No âmbito deste capítulo, os símbolos Ma e Maa significam ‘Mega anos’ e ‘Mega anos atrás’. Anteposto a uma unidade de medida, o prefixo grego mega (símbolo: M) indica que a unidade em questão deve ser multiplicada por 106 (= 1 milhão).

[5] Terminologia. Pré-Cambriano: intervalo de tempo transcorrido entre a origem da Terra e 542 Maa; Permiano transcorreu entre 299 e 251 Maa e Pleistoceno, entre 1,81 e 0,0117 Maa – ver nota 7.

[6] Para detalhes técnicos, ver, e.g., Lee & Wolpoff (2003), Antón et al. (2014) e Harmand et al. (2015).

[7] Para uma introdução à escala de tempo geológico, ver Do Big Bang ao Fanerozoico: breve caracterização de tempos remotos; para detalhes técnicos, Gradstein et al. (2004).

[8] Cabe observar que o uso da palavra savanização tem dado margem a mal-entendidos. Para uma caracterização técnica do termo savana, ver Ratnam et al. (2011).

[9] Em regiões onde prosperam savanas, o equilíbrio dinâmico entre diferentes formas de vida (e.g., árvores perenes vs. gramíneas anuais) depende da ação de mais de um fator, notadamente a disponibilidade de água e a ocorrência de incêndios. A depender da pluviosidade anual e da frequência dos incêndios, árvores e gramíneas irão conviver por mais ou menos tempo. Em regiões secas (pluviosidade anual <600 mm), a convivência é regulada pela disponibilidade de água, a despeito da ocorrência ou não de incêndios. Em regiões úmidas (pluviosidade anual >1.100 mm), no entanto, a convivência só é possível na presença de incêndios frequentes; caso contrário, as árvores se impõem e a savana se converte em floresta fechada – para detalhes técnicos, v. Accatino et al. (2010, 2016); sobre a relação clima vs. formas de vida, Walter (1986) e Gurevitch et al. (2006).

[10] [Removido na edição final.]

[11] Sobre o conceito de espécie e a relevância evolutiva da especiação, ver Costa (2017, 2019).

[12] A situação é particularmente problemática para os especialistas ou para as populações mais sedentárias, incapazes de serem salvas da extinção pela reposição periódica. Lembrando que nem todas as subpopulações de uma metapopulação precisam ser autossuficientes. Em função dos movimentos interpopulacionais, subpopulações que ocupam hábitats mais favoráveis (ganhos > perdas; ditas fontes) podem repor as perdas das que ocupam hábitats inóspitos (ganhos < perdas; ditas sumidouros). Para uma introdução à ecologia de metapopulações, v. Begon et al. (2007).

[13] Em poucas palavras, podemos dizer que (1) na generalização, o alvo da seleção é a variância; e (2) na especialização, o alvo é a média.

[14] Guilda é o nome dado a uma comunidade de organismos que exploram uma base comum de recursos; as espécies que integram uma mesma guilda podem ser filogeneticamente próximas ou não.

[15] Sobre o conceito de nicho ecológico, ver Costa (2019); para uma revisão técnica, Pianka et al. (2017).

[16] Dois comentários sobre a dicotomia generalização vs. especialização. (1) Forçando um pouco a analogia: gente rica desperdiça alimentos; gente pobre raspa o prato; e (2) Possível solução de curto prazo, a especialização costuma ser um beco sem saída evolutivo, pois com frequência leva à raridade e à extinção – ver, e.g., Rabinowitz (1981).

[17] O reservatório começou a ser preenchido em 1996; inundou uma área de ~170 mil ha e deu origem a ~290 ilhas (Amorim et al. 2017).

[18] Para detalhes técnicos, ver Amorim et al. (2017); sobre convergência evolutiva, Costa (2019).

[19] Para uma discussão técnica, ver, e.g., Carlson et al. (2014).

[20] Os termos C3 e C4 fazem alusão ao número de átomos de carbono que estão presentes no produto inicial da fotossíntese em cada uma dessas plantas – nas primeiras, o produto é o ácido 3-fosfoglicérico (C3H7O7P); nas últimas, é o oxaloacetato (C4H2O5–2). (Há ainda um terceiro tipo, ditas plantas CAM.) Para uma introdução à fotossíntese, ver Taiz & Zeiger (2004). O surgimento de plantas C4 mudou a paisagem africana (e.g., Davies et al. 2020); sobre a origem de plantas C4 e CAM, Levin (2015); gramíneas C4, especificamente, datam de ao menos 10 Ma (Peppe et al. 2023).

[21] Todas as espécies abrigam um número variável de populações, as quais podem estar mais ou menos conectadas entre si, a depender da movimentação de indivíduos entre elas. O tamanho de uma população pode ser definido como o número de indivíduos presentes (imaturos ou adultos). Esse número é um balanço momentâneo entre ganhos (nascimentos + imigrações) e perdas (mortes + emigrações) de indivíduos. Se os ganhos superam as perdas, a população aumenta de tamanho (cresce); se as perdas são maiores, a população diminui (decresce). Se ganhos e perdas se equivalem, o tamanho não muda e a população é dita estacionária.

[22] Ver, e.g., Brokaw (1985).

[23] Estudos paleontológicos a respeito da dieta dos homininos estão ancorados no pressuposto de que há uma forte correlação entre a via metabólica e a história de vida da planta: árvores e arbustos adotam o metabolismo C3, enquanto gramíneas e afins são tipicamente C4 (v. nota 20). Para detalhes, ver Wynn et al. (2013) e Robinson et al. (2021).

[24] Como se chegou a esse resultado? Tendo analisado amostras de solo fóssil (~1,3 mil amostras, todas com idade estimada em 6 milhões de anos ou mais) provenientes de sítios paleontológicos com restos de homininos (ou próximos a esses sítios), Cerling et al. (2011) concluíram que, na maioria dos casos, a cobertura arbórea era inferior a 40%. Dito de outra maneira, ao longo dos últimos 6 milhões de anos, a vegetação predominante em sítios ocupados por homininos era constituída de formações abertas (savanas).

*

REFERÊNCIAS CITADAS.

++ Accatino, F & mais 3. 2016. Trees, grass, and fire in humid savannas – The importance of life history traits and spatial processes. Ecological Modelling 320: 135-44.

++ — & mais 4. 2010. Tree-grass co-existence in savanna: interactions of rain and fire. Journal of Theoretical Biology 267: 235-42.

++ Amorim, ME & mais 5. 2017. Lizards on newly created islands independently and rapidly adapt in morphology and diet. Proceedings of the National Academy of Sciences 114: 8812-16.

++ Antón, SC & mais 2. 2014. Evolution of early Homo: An integrated biological perspective. Science 345: 1236828.

++ Begon, M & mais 2. 2007. Ecologia, 4ª ed. P Alegre, Artmed.

++ Brokaw, NVL. 1985. Treefalls, regrowth, and community structure in tropical forests. In: STA Pickett & PS White, eds. The ecology of natural disturbance and patch dynamics. Londres, Academic.

++ Carlson, SM & mais 2. 2014. Evolutionary rescue in a changing world. Trends in Ecology & Evolution 29: 521-30.

++ Cerling, TE & mais 9. 2011. Woody cover and hominin environments in the past 6 million years. Nature 476: 51-6.

++ Costa, FAPL. 2017. O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna. Viçosa, Edição do Autor.

++ —. 2019. O que é darwinismo. Viçosa, Edição do Autor.

++ Davies, TJ & mais 9. 2020. Savanna tree evolutionary ages inform the reconstruction of the paleoenvironment of our hominin ancestors. Scientific Reports 10: 12430.

++ Foley, R. 1987. Another unique species. Londres, Longman.

++ Gradstein, F & mais 4. 2004. A new Geologic Time Scale, with special reference to Precambrian and Neogene. Episodes 27: 83-100.

++ Gurevitch, J & mais 2. 2009 [2006]. Ecologia vegetal, 2ª ed. P Alegre, Artmed.

++ Harmand, S & mais 20. 2015. 3.3-million-year-old stone tools from Lomekwi 3, West Turkana, Kenya. Nature 521: 310-6.

++ Lee, S-H & Wolpoff, MH. 2003. The pattern of evolution in Pleistocene human brain size. Paleobiology 29: 186-96.

++ Levin, NE. 2015. Environment and climate of early human evolution. Annual Review of Earth and Planetary Sciences 43: 405-29.

++ Lewin, R. 1999 [1998]. Evolução humana. SP, Atheneu.

++ Peppe, DJ & mais 30. 2023. Oldest evidence of abundant C4 grasses and habitat heterogeneity in eastern Africa. Science 380: 173-7.

++ Pianka, ER & mais 4. 2017. Toward a periodic table of niches, or exploring the lizard niche hypervolume. American Naturalist 190: 601-16.

++ Rabinowitz, D. 1981. Seven forms of rarity. In: H Synge, ed. The biological aspects of rare plant conservation. NY, Wiley.

++ Ratnam, J & mais 8. 2011. When is a ‘forest’ a savanna, and why does it matter? Global Ecology and Biogeography 20: 653-60.

++ Robinson, JR & mais 3. 2021. Intrataxonomic trends in herbivore enamel δ13C are decoupled from ecosystem woody cover. Nature Ecology & Evolution 5: 995-1002.

++ Taiz, L & Zeiger, E. 2004 [2002]. Fisiologia vegetal, 3ª ed. P Alegre, Artmed.

++ Walter, H. 1986. Vegetação e zonas climáticas. SP, EPU & Edusp.

++ Ward, P. 1997 [1994]. O fim da evolução. RJ, Campus.

++ Wood, B & Harrison, T. 2011. The evolutionary context of the first hominins. Nature 470: 347-52.

++ Wynn, JG & mais 6. 2013. Diet of Australopithecus afarensis from the Pliocene Hadar Formation, Ethiopia. Proceedings of the National Academy of Sciences 110: 10495-500.

* * *

Redação

Redação

Recent Posts

É a segurança, estúpido!, por Roberto Kant de Lima e Lenin Pires

A cada quinzena nossos pesquisadores estarão neste espaço analisando acontecimentos e propostas que dizem respeito…

2 minutos ago

Polícia dos EUA usa força para desmobilizar acampamento de estudantes pró-Palestina

Uma onda de protestos contra Israel tomou as maiores universidades dos EUA nas últimas semanas.…

1 hora ago

O que precisa mudar para que abusos de membros do Ministério Público sejam finalmente punidos

Do jeito que está, não há expectativa de que procuradores antes liderados por Deltan Dallagnol…

2 horas ago

Restrição das exportações de GNL estadunidense é moderada e provisória

Em meio à corrida eleitoral, a decisão de Biden é questionada pela indústria de energia…

3 horas ago

“Infelizmente, este será o maior desastre que nosso estado já enfrentou”, diz governador do RS

Sobe para 13 número de vítimas fatais por causa dos temporais. Além disso, outras 21…

4 horas ago

O 1º de Maio foi um fiasco! Viva o 1º de Maio!, por Gilberto Maringoni

Fiascos são pacientemente planejados e construídos. Logo, o fiasco na comemoração do Principal ato de…

4 horas ago