
O Novo Ensino Médio e o cancelamento do futuro
por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria
Nos últimos anos, o Brasil tem assistido à intensificação de um processo que ameaça as bases da educação pública, especialmente com a implementação do Novo Ensino Médio. Sob o pretexto de modernizar a formação dos jovens e preparar para o mercado de trabalho, a reforma tem se revelado uma expressão concreta do que o filósofo camaronês, reconhecido por suas contribuições ao pensamento pós-colonial e à teoria crítica, Achille Mbembe, denomina necropolítica: a gestão da morte como estratégia de controle social. Ao desmantelar um sistema educacional fragilizado, cronicamente subfinanciado, o Novo Ensino Médio emerge como uma espécie de “solução final” que cancela o futuro de milhões de estudantes pobres, sobretudo daqueles das escolas públicas, perpetuando os históricos ciclos de exclusão, desigualdade e precarização de vidas.
O conceito de cancelamento do futuro, como entendido pelo filósofo italiano Franco Berardi, em ‘Depois do Futuro’ (2009), refere-se ao bloqueio sistemático das possibilidades de desenvolvimento pleno de indivíduos ou grupos sociais, eliminando suas chances de imaginar, planejar e construir alternativas para um amanhã melhor. Esse fenômeno é frequentemente associado a contextos de desigualdade estrutural, onde políticas públicas e decisões institucionais reforçam ciclos de exclusão e precarização de vidas.
Quando aplicado à educação, o cancelamento do futuro manifesta-se na negação de uma formação integral e emancipatória, substituída por uma lógica individualista que limita a aprendizagem ao treinamento funcional para o mercado. Isso não apenas restringe os horizontes individuais, empobrecendo-os, mas também perpetua uma sociedade incapaz de renovar-se e de oferecer oportunidades igualitárias para seus cidadãos. Assim, ao impedir que os jovens sonhem e alcancem um futuro digno, o cancelamento do futuro condena toda uma geração a viver presa a um presente estagnado e distópico, sem perspectiva de mudança estrutural.
Nesse sentido, é possível perceber que o Novo Ensino Médio prioriza trilhas de formação aparentemente individualizadas, mas que, na realidade, promove o esvaziamento curricular de disciplinas essenciais ao pensamento crítico, como Filosofia, História, Geografia, Sociologia e Artes. O cancelamento do futuro ocorre por meio dessa reformulação, ao transformar a formação integral em um mero treinamento funcional orientado para o mercado, exemplificando o que Mark Fisher, em sua obra ‘Realismo Capitalista’ (2009), descreve como a imposição de uma lógica que limita a educação ao papel de instrumento para a reprodução da força de trabalho. Fisher, reconhecido por sua crítica contundente às dinâmicas do capitalismo contemporâneo, argumenta que o realismo capitalista naturaliza as desigualdades sociais, restringindo a imaginação de alternativas. No contexto brasileiro, essa dinâmica aprofunda e naturaliza as desigualdades históricas, perpetuando a marginalização dos mais vulneráveis e reforçando estruturas oligárquicas de concentração de poder e riqueza.
Sob essa lógica, as escolas públicas, em particular, tornaram-se territórios de exclusão, nos quais jovens enfrentam não apenas a precarização do ensino, mas também a ausência de políticas públicas que os protejam. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2019 revelam que o suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, enquanto o Atlas da Violência de 2024, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), indica que, no Brasil, a taxa de homicídios registrados por 100 mil habitantes equivale a um ambiente de guerra civil, sendo os jovens duramente atingidos nesse contexto. Os números denunciam o impacto de um perverso sistema que, ao invés de acolher e oferecer oportunidades, empurra os jovens para o abandono escolar, desestimulando-os.
Segundo o Ipea, “a compreensão do racismo no contexto brasileiro encontra raízes em sua formação histórica”. A democracia racial é um mito que buscou ocultar e naturalizar as desigualdades estruturais entre nós. Conforme descreveu Darcy Ribeiro, em ‘O povo brasileiro’ (1995), a nossa formação econômica esteve associada aos “moinhos de gastar gente”. A exploração predatória da natureza também fez parte desse processo de ocupação do território. Em 2022, para negros (pretos e pardos), os registros de homicídios corresponderam a 76,5% do total de homicídios registrados no país.

O colapso da escola pública não é um fenômeno novo. Ele reflete séculos de desigualdade e violência estrutural que marginalizam grupos sociais – pretos e pardos, indígenas, mulheres, LGBTs e pessoas em situação de pobreza. A implementação do Novo Ensino Médio aprofunda esse quadro distópico, consolidando a educação pública como um espaço de precariedade e abandono. Em vez de ser um mecanismo de transformação social, a escola é instrumentalizada como ferramenta de manutenção e naturalização da ordem social estruturalmente desigual e injusta.
O impacto da reforma é particularmente devastador porque afeta os jovens no momento mais delicado de suas vidas. A adolescência é uma fase em que o sujeito busca formas de se inscrever no laço social e a falta de suporte institucional pode gerar isolamento, apatia e abandono. Em um contexto de discursos de ódio e políticas de morte, os estudantes encontram na escola um ambiente que muitas vezes reflete, em vez de transformar, a violência social ao seu redor. Sob essa perspectiva, o Novo Ensino Médio exemplifica o que o filósofo brasileiro Vladimir Safatle chama de “estado suicidário”, no qual as instituições, em vez de protegerem, aceleram sua própria destruição e a de seus cidadãos. Ao reduzir as oportunidades educacionais e excluir jovens da possibilidade de um futuro digno, o Estado não apenas negligencia sua população, mas deliberadamente a condena. Trata-se de uma espécie de gestão da morte que não se limita ao abandono, mas que ativa mecanismos para perpetuar e naturalizar a desigualdade, sufocando a possibilidade de transformação social.
Romper com o silêncio e resistir tornou-se uma necessidade inadiável. O futuro das escolas públicas não pode ser reduzido à reprodução da exclusão, mas deve ser um caminho para a emancipação e a transformação social. A educação precisa resgatar a sua essência como alicerce da cidadania e santuário de esperança. Portanto, é inadmissível que a necropolítica condene milhões de jovens pretos, pardos e pobres, ou que o futuro de toda uma geração seja simplesmente cancelado a partir da adequação das escolas para formar um exército atomizado de reserva destinado a satisfazer as demandas de um mercado de trabalho estruturalmente precário. O ambiente escolar deve ser, acima de tudo, um espaço de libertação individual e coletivo de construção de um amanhã melhor.
De acordo com o IBGE, a taxa de informalidade laboral tem se mantido no patamar de 39%. A taxa de desocupação no terceiro trimestre de 2024 foi reduzida para 6,4%, sendo que o rendimento ficou estável em todas as regiões do país. A taxa composta de subutilização da força de trabalho foi de 15,7% no respectivo período. Um mercado laboral estruturalmente precário é o resultado de um processo histórico que ainda nos incomoda no presente.
Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
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Depois colocomais. Passo em frente a escola pública (ensino médio) e vejo os alunos saindo às 11:30. Nem meia palavra sobre este ensino de meio horário.
Sabidamente, basta olhar MEC, há carência de professores de Ciências e Matemática Brasil afora. Cada vez menos temos os que se aventuram em cursos que os levam para sala de aula. E o sujeito ainda me quer, com meio horário, carência de professores em disciplinas básicas, me arrumar espaço para filosofia e sociologia.
Boa sorte.
Verdade Evandro.
Com menos tempo de dedicação será necessário aumentar muito a eficiência.
Conteúdo de qualidade não falta na internet. Mas é preciso um conhecedor para selecionar e facilitar a assimilação dos que ainda não conhecem.
Devemos ter a certeza que aulas de história, Geografia,sociologia e áreas afins humaniza o ser humano. O que o secretário da educação Feder em s p está fazendo é realmente matar o futuro estagnar a educação.
Para que qualquer um possa falar da educação ele em primeiro lugar deve estar em sala de aula, e vamos lembrar que este Novo Ensino Médio não foi invenção deste governo ( não que eu o esteja defendendo). E temos que ter um olhar bem mais amplificado, para uma geração que não quer nada, não se sente responsável por nadar está sempre reclamando de tudo, sem nada fazer.
Sem dúvidas Sirley, nossa juventude atual está bem mais desafiadora em termos de equilíbrio emocional.
😳🤔🌷
Sou professora da rede pública estadual de SP e concordo plenamente com tudo o que foi citado.
Como educadores, estamos engessados, e a mercê de um governo pautado em números e estatísticas buscando somente um “brilho” próprio de algo inexistente na realidade da maioria da comunidade escolar e mascarado por inúmeros eventos políticos na educação que, infelizmente convence a quase todos de uma educação inclusiva e igualitária.
Mais uma opinião conservadora sobre o ensino médio brasileiro muito bem guarnecida com verniz progressista e citações quase eruditas.
Será que a dita “esquerda educacional” não conta com imaginação suficiente para contestar o novo e o velho ensino médio e também inventar um ensino médio popular?
Triste horizonte…
Gratidão pela oportunidade ☺️
Como diz o próprio artigo “…O colapso da escola pública não é um fenômeno novo. Ele reflete séculos de desigualdade e violência estrutural que marginalizam grupos sociais – pretos e pardos, indígenas, mulheres, LGBTs e pessoas em situação de pobreza…”
Entendo que NÃO é a implementação do Novo Ensino Médio que vai aprofundar esse quadro distópico, muito pelo contrário.
Toda unanimidade é burra
Independente de quem é o autor da célebre frase e das conjecturas entre os que concordam ou discordam da afirmação, uma coisa é certa: a unanimidade só surge na concordância cega ou no silêncio e inação dos críticos.
Concordância e silêncio foram duas premissas básicas dentro do sistema educacional até bem pouco tempo.
Em um mundo remodelado, crescer é descobrir-se mais a cada dia. Entender quem sou, quem quero ser. Onde estou, para onde quero ir. Porque escolho isso e não aquilo. Crescer, aprender e aprimorar-se é uma evolução constante e diária na descoberta de si mesmo, na assimilação do que significa presença, respeito, consideração, sustentabilidade, sociedade e relacionamentos.
Tão rudimentar, fosco, cintilante, superficial ou glamouroso quanto cada pessoa decide que lhe satisfaz. Livre para descobrir e reinventar seu mundo pelos caminhos e nos tempos que escolherem. Fortes emocionalmente para manterem relacionamentos porque preferem, não porque precisam. Equilibrados o suficiente para aceitarem suas próprias limitações tal e qual a de todos que o cercam.
Bem vindo ao Mundo Remodelado por Você, por mim, por todos nós.
Graças aos céus já há alguns anos não me sinto mais sozinha nestas visões de mundo. À medida que fui descobrindo Summerhill, Escola da Ponte, Waldorf e Lumiar entre outras, comecei a respirar novamente.
Aplaudo a diversidade e a inovação com base em toda a minha experiência de aluna, incluindo licenciatura, pós graduação e atuação em tecnologia desde 1991. Podemos somar também a minha experiência de mãe de 4 alunos e professora de milhares, em 5 diferentes estados brasileiros, em espaços públicos e particulares incluindo InCompany. Especial destaque para quando saí do “Universo São Paulo” em 2001, e iniciei o curso intensivo para aprender a fabricar terra (compostagem) e enterrar de vez a vida de “caipira da cidade”.
Me parece uma escolha bem restritiva manter, em pleno 2024, o que foi “normalizado” até hoje em âmbito pessoal, local, regional, nacional ou internacional, desconsiderando tudo que a internet e sua globalização trouxeram de informação, novas perspectivas e cases de sucesso.
As estatísticas falam por si. Inúmeros são os estudos comprovando que algo está MUITO errado já há bastante tempo.
Neste cenário, inovar para respeitar a diversidade e permitir mais escolhas individuais é nossa melhor aposta.
Quem diz que o Novo Ensino Médio está restringindo o futuro desconhece o poder de se permitir ser único. Formatar e normalizar só nos diminui (a semelhança das monoculturas em comparação com as permaculturas).
Nascido em 1948 em Raperswilen, na Suíça, Ernst Götsch migrou para o Brasil no começo da década de 1980, estabelecendo-se em uma fazenda na zona cacaueira do sul da Bahia. Anos antes, Götsch havia decidido abandonar o trabalho de pesquisa em melhoramento genético na instituição estatal FAP Zürich-Reckenholz, (hoje Agroscope), após uma constatação inquietante:
“Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus-tratos a que as submetemos?” Ernst Götsch
Planck publicou seus achados em 14 de Dezembro de 1900. A Física Quântica já é real há mais anos do que imaginamos e só não conseguiu ser aproveitada por todos porque não chegou ao público tal conhecimento. Até agora. Mas isto está mudando… a velocidade da luz, minto, acima dela.
Conteúdos complementares:
CV da autora deste artigo https://trampos.co/marciasisi
Discorri algumas vezes sobre a escola nos meus artigos publicados no espaço TI Especialistas como um desabafo sobre minhas experiências dentro do sistema escolar por volta de 2011. (https://www.tiespecialistas.com.br/author/marcia-sisi/)
Foi apenas em 2021, durante a pandemia, que recuperei minhas esperanças e falei sobre isso dentro do LinkedIn. https://www.linkedin.com/pulse/pandemia-e-o-futuro-da-educa%C3%A7%C3%A3o-marcia-cristina-sisi/
Foram muitas as denúncias ali descritas entre as tantas sugestões inovadoras que fiz. Em 2009 eu já tinha até criado meu primeiro e-book montado em um TiddlyWiki. Posteriormente, em 2015, transformei em pdf e publiquei no Issuu com o nome de “Revolução Rof Crof”. https://issuu.com/marciacristinasisi
Comunicação não violenta na prática https://cnv.emrede.social/
TiddlyWiki https://tiddlywiki.com/
Ernst Götsch https://agendagotsch.com/pt/ernst-gotsch/
Choque de valores https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-59656561
Waldorf https://ewrs.com.br/
Lumiar https://lumiaredu.com/
Escola da Ponte https://www.escoladaponte.pt/o-projeto
Summerhill https://www.summerhillschool.co.uk/
https://www.amazon.com.br/Summerhill-Uma-Inf%C3%A2ncia-com-Liberdade/dp/8532310621
Plank https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/o-nascimento-da-fisica-quantica/#:~:text=Planck%20publicou%20seus%20achados%20em,por%20mais%20de%20uma%20d%C3%A9cada.
Este artigo foi escrito para ampliar as perspectivas apresentadas no artigo https://jornalggn.com.br/educacao/medeiros-faria-novo-ensino-medio-e-cancelamento-do-futuro/ . Agradeço a oportunidade.
Gostaria de incluir mais esta referência externa:
“Mas o que muda a partir de 2025 com o novo ensino médio?
Dentre as principais mudanças está a carga horária para a formação geral básica, com 3 mil horas obrigatórias de aula. Destas, 2,4 mil serão para o ensino das disciplinas obrigatórias: português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia). As 600 horas restantes são direcionadas aos itinerários formativos.”
https://www.abcmais.com/brasil/rio-grande-do-sul/novo-ensino-medio-sera-implantado-em-todas-as-escolas-em-2025-entenda-as-mudancas/#:~:text=Mas%20o%20que,aos%20itiner%C3%A1rios%20formativos.
MAIS um referência de peso: https://www.ayni.org.br/
Marcia Sisi
Meu trabalho é facilitar o seu! Eterna aprendiz. Um ser em construção…
https://bio.site/MarciaSisi
Confie no fluxo…