O dinheiro do voto, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

JANIO DE FREITAS

O dinheiro do voto

Não tem fundamento dizer que substituir as doações empresarias por pessoais vai aumentar o caixa dois

O argumento mais forte contra a provável proibição, pelo Supremo Tribunal Federal, de doações eleitorais por empresas, é pobre de seriedade e paupérrimo de inteligência. Não tem fundamento afirmar que substituir as doações empresariais por pessoais vai aumentar ameaçadoramente o caixa dois nas campanhas, o dinheiro de doações encobertas, dada a óbvia razão de que não se tem nem estimativa da proporção dessa ilegalidade nas eleições passadas.

O chute, difundido pelo PSDB, expressa a preocupação dos grandes beneficiários de doações empresariais. Mas implica acusar seus doadores publicamente: se as pessoas não precisam fazer doações ilegais, o aumento de caixa dois em campanhas só pode ser feito por doações clandestinas de empresas, em prática criminosa de empresários. Gente mal-agradecida, esses peessedebistas.

Na preocupação dos partidos identificados com o empresariado percebe-se também o medo de que, permitidas apenas doações pessoais, os partidos mais populares levem vantagem. Os fatos não apoiam tal medo: o PT sempre precisou buscar, e recebeu, doações empresariais para suprir a estrangulante modéstia das doações pessoais, apesar do esforço para incentivá-las. Era o efeito de um condicionante econômico que pode estar mudado, mas não extinto.

Por isso mesmo, as doações apenas individuais são potencialmente capazes de surpreender quem hoje as teme. Os partidos populares podem esperar maior quantidade de doadores. Mas, para cada real vindo dos seus, os do PSDB, do DEM e dos centuriões do agronegócio estão prontos para doar na proporção de dez reais por aquele real, cem por um, mil por um, sem que a carteira sequer o perceba.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, está tão irritado quanto os peessedebistas mais irritados com a perspectiva da mudança de doadores. Chama a ação da OAB, pelo fim das doações de empresas, de estudantada. Com uma pergunta assim, por exemplo: “Essa gente fica fora da política?” É uma sagração da empresa que nem os neoliberais fizeram: a empresa vista como gente. E portadora de cidadania, para ser parte da política. Muito original.

Não tanto, porém, quando, em crítica aos quatro colegas que já votaram pela mudança, diz que “estamos [lá o Supremo] fazendo um tipo de lei para beneficiar quem estiver no poder”. Dá oportunidade para observar-se uma reação fraudulenta cometida por muitos, inclusive pelos presidentes da Câmara e do Senado. O Supremo não está absorvendo função do Congresso, não está fazendo lei. Está, como lhe compete, examinando e vai decidir a compatibilidade, ou sua falta, entre a Constituição e a participação de empresas em eleições como financiadoras de candidatos, além do mais, selecionados a critério empresarial.

A doação pessoal não assegura o fim do caixa dois, o dinheiro não declarado pelo candidato ou pelo partido à Justiça Eleitoral. Mas dificulta e, portanto, reduz essa violação do processo de composição do Congresso e dos governos. Logo, colabora para maior higiene política. E tende a reduzir o custo, hoje imoral, da eleição a qualquer cargo. Logo, colabora para a democratização eleitoral e para a maior legitimidade da composição dos poderes. Democratização eleitoral e legitimidade hoje degeneradas.

PS — Alguma boa alma precisa avisar aos Estados Unidos que o financiamento eleitoral deles ainda não passa de estudantada.

O FEITO

A vida pública de Nelson Mandela permite, e não lhe faltou, uma infinidade de ângulos de abordagem, análise e avaliação. Mas, suponho, só um tem sentido.

Mandela mudou a concepção de vida de uma nação, ideias consolidadas e sentimentos enraizados por várias gerações. O PIB, a segurança, a inflação, essas são as miudezas habituais que só poderiam ficar, como ficaram, com os habituais que delas se ocupam dos modos habituais. O que distingue Mandela é ter feito com uma nação o que é difícil mesmo na vida pessoal e, quando ocorre, em geral leva muito mais tempo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Apenas ponderando que a

    Apenas ponderando que a senhora Gontijo poderá continuar doando legalmente 10% de sua renda anual (ela que doou R$ 8,2 milhões para a campanha do Serra em 2010), o que tornará rigorosamente a contribuição do 1% mais rico da população e dos restantes 99% menos afortunados…

    1. O salário médio do

      O salário médio do trabalhador brasileiro é próximo de R$ 1700,00 vamos imaginar que 50.000 trabalhadores sindicalizados (e engajados) doem 10% do salário (R$ 170). A quantia total é a mesma doada pela senhora.

      Um ano tem 12 meses, como eleições ocorrem a cada dois anos são 24 meses (as eleições municipais custam menos). 170 dividido por 24 dá R$ 7 por mês.

      A proposta é boa e precisa ser aperfeiçoada, tem que se estabelecer um teto máximo de doações para todos, independente se o eleitor é rico ou pobre, seria os R$ 1700 (salário médio no país e limite de isenção do Imposto de Renda).

      Duvido que essa senhora vai arriscar seu patrimônio doando em todas as eleições. 

  2. A doação da senhora Gontijo

    Apenas ponderando que doadores como a senhora Gontijo são de extrema raridade, mesmo entre os muito ricos. O empresariado brasileiro gosta mesmo é de por as despesas no CNPJ e as receitas no CPF. Se pela empresa eles doariam 2, 3 ou 4 milhões, do próprio bolso poucos fariam o mesmo. Até porque muito da sua renda anual é oculta, como por exemplo pagar contas com cartão de crédito empresarial de uma offshore ou da própria empresa deles. Isso implica em declarações de renda sensivelmente reduzidas em relação ao realmente auferido, e como o cálculo do limite é sobre a declaração de renda, as manobras e maracutaias para pagar menos IR devem colaborar para reduzir um pouco a desigualdade entre as doações vindas do 1% e as dos 99%.

    E tomara que isso aconteça assim, porque vai abrir caminho para a aceitação do financiamento público exclusivo, já que partidos sem apelo popular “natural”, que precisam gastar fortunas em propaganda, vão querer meios de receber mais, antes que se tornem nanicos (como convém), e possibilitar ao menos manter bancadas razoáveis, que lhes permita sobreviver acima das reais simpatias que inspiram nos eleitores.

  3. Vão morrer atirando.

    Não tem nada, nada além do medo de perder eleições pra ” esquerda”, pro “povão”. São “argumentos” ri-dí-cu-los de quem acha que ademocracia precisa sr tutelada por classes ou estamentos “iluminados”. Acham que o estado é deles. Os partidos de “esquerda” conseguiram um terço de representação no congresso e desatou essa histeria. A renda e o patrimônio começaoram, minimamente, a serem distribuídos e essa gente surta. O pior de tudo e ve-los acreditarem que defendem a “lógica”, a ciência”, etc. Ainda fazem pose de sabichões.

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