Pesadelos bolsonarianos

 

Essa noite tive um típico pesadelo criacionista-darwinista.

“Estou me deslocando para novo local trabalho e sofro um pequeno acidente. Em razão disso, antes de começar a trabalhar preciso tomar banho e trocar a rouba. A muda de roupa imediatamente aparece na minha valise, mas não tem chuveiro no banheiro do empregador e preciso pedir ajuda a um vizinho. Ele me leva por um longo corredor por entre casebres que estão semidestruídos ou semiconstruídos. Alguns deles são habitados outros foram abandonados. Antes de entrar no banheiro vejo, num nível um pouco mais baixo, uma laje que mais parece uma horta. Entre os canteiros, centenas de cágados devoram os legumes. Alguns centímetros acima do nível da horta, os fios de energia elétrica entre dois postes estão cheios de cágados. Eles caminham nos fios usando suas patas que parecem as garras dos camaleões. Fico intrigado, meu condutor fornece a explicação.

– O casal de idosos que morava naquele casebre fez a horta e soltou lá quatro cágados. Quando os velhos desapareceram, os cágados foram abandonados à própria sorte e começaram a se reproduzir. Em algum tempo a capacidade da horta se recompor se tornou menor do que a quantidade de vegetal que era devorado por uma população crescente de cágados. Então os cágados perceberam que precisavam migrar. Eles começaram a tentar usar os fios para pular fora da laje, mas as patas deles não eram adaptadas. Muitos cágados morreram de fome, os mais fortes sobreviveram. A horta foi se recompondo, mas a população voltou a crescer. Então os cágados voltaram a tentar sair da laje utilizando os fios. Com o tempo ocorreu uma mutação. Os cágados começaram a nascer com garras parecidas com as dos camaleões. O resto foi uma evolução natural e darwinista da espécie. Eles nascem na laje, andam pelos fios e pulam no terreno logo abaixo que é rico em vegetação e se estende por uma imensa área selvagem.

– Mas eles não morrem quando caem no chão?

– As primeiras gerações morriam. Mas então, ocorreu uma nova mutação. Os cascos dos cágados se tornaram capazes de absorver o impacto da queda sem rachar e sem matar seus donos.

Tomo banho e não consigo tirar aqueles cágados da cabeça. Vejo-os mentalmente, nascendo e evoluindo na laje e, depois, se espalhando pelo terreno abaixo. O que ocorreria se alguém cortasse os fios elétricos que eles usavam para migrar? Eles adquiriam asas?”

O pesadelo acima relatado pode se referir a algum aspecto da minha própria personalidade. Ou não… talvez ele tenha sido apenas o resultado de uma refeição pesada regada a vinho. O fato é que não vou nem tentar interpretá-lo. Vou apenas utilizá-lo como uma metáfora.

Jair Bolsonaro é como aqueles cágados. Ele vivia confinado num pequeno nicho evangélico/autoritário onde disputava espaço com seus semelhantes. O espaço dele diminuiu forçando-o a evoluir, mas Bolsonaro não abandonou a casca grossa e rija, nem ganhou asas. Ele apenas se agarrou ao fio que conduz o presente ao golpe de 2016 para tentar migrar de um espaço limitado para um universo muito maior. Nesse momento ele está utilizando suas patas de camaleão para chegar onde seria impensável em condições normais. Ninguém sabe se ele resistirá à queda no poder.

Se o fio que nos conduz de hoje ao golpe de 2016 for cortado (estou me referindo obviamente à prisão de Lula e sua inabilitação eleitoral) a probabilidade de Jair Bolsonaro chegar ao poder é quase nula. O problema representado por Jair Bolsonaro, porém, não deixará de existir. Ele é o sintoma e não a causa de uma doença que certamente irá se reproduzir empregando novos vetores (os filhos dele). Num futuro próximo os filhotes do cágado de extrema direita podem se mostrar mais bem adaptados do que o pai.

O que acontece quando um cágado ganha asas? A primeira e mais evidente é que ele se torna uma presa em potencial das aves de rapina. A proteção do casco duro fornecerá a ele uma proteção adicional que as outras aves nunca tiveram. Mas se ele mesmo desenvolver garras poderosas e uma velocidade maior do que as aves canoras as coisas irão ficar mais complicadas. Nesse, a mutação transformaria o cágado bolsonariano voador num predador igualmente temível com uma vantagem comparativa em relação aos seus adversários: o casco grosso e quase impenetrável.

A esquerda fez chacota em razão do filho de Bolsonaro ter curtido uma foto de Lula no Twitter https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/07/14/interna_politica,973469/dilma-debocha-de-filho-de-bolsonaro-apos-ele-curtir-foto-de-lula.shtml. Não deveria. É impossível esquecer que a maior dobradinha involuntária da história eleitoral brasileira ocorreu durante a eleição para o Congresso Constituinte: Lula (Deputado Federal de esquerda) e Afanasio Jazadji (Deputado Estadual de direita).

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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