Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Por que as oportunidades de inovação no setor sucroenergético não são exploradas?

Enviado por Ronaldo Bicalho

Do Blog Infopetro

Por José Vitor BomtempoDaniella Fartes e Flávia Alves

Na construção da bioeconomia, a capacidade de inovação está no centro das políticas e estratégias. Nas postagens anteriores desta série, discutimos diversas vezes a definição de uma agenda de inovação para a bioeconomia no Brasil, destacando a importância das políticas e das iniciativas estratégicas de uma variedade de atores. Uma conclusão central da nossa visão tem sido que a agenda dos biocombustíveis deve evoluir na direção de incorporar uma lógica de bioeconomia e não se ater apenas a uma lógica ligada ao mercado de combustíveis. Não que essa lógica seja mais simples ou menos desafiadora. Mas a construção da economia biobased que está em curso exige a incorporação de conceitos econômicos, ambientais e sociais que só podem ser atingidos com agendas mais integradoras como as pretendidas pela bioeconomia.

 

Nesse processo de construção da bioeconomia, como o setor sucroenergético brasileiro, que se tornou uma referência mundial em biocombustíveis, tem visto as suas próprias oportunidades de inovação? Os produtores e os agentes do sistema de produção e inovação sucroenergético reconhecem essas oportunidades? Que dificuldades identificam para explorá-las? Faltam conhecimento e tecnologia? Ou a limitação decorre de um ambiente institucional pouco propício às iniciativas de inovação?

Explorando essas questões, foi defendida recentemente na Escola de Química da UFRJ uma dissertação de mestrado:  Oportunidades de Inovação no Setor Sucroenergético. A dissertação é o resultado da pesquisa de mestrado de Daniella Fartes realizada sob a orientação de José Vitor Bomtempo e Flávia Alves. Discutimos nesta postagem os principais resultados do trabalho.

A pesquisa identificou, com base numa revisão da literatura (estudos de agências governamentais, editais de programas voltados para o setor como o PAISS, artigos científicos e da imprensa especializada), um conjunto de seis oportunidades de inovação que é visto como representativo dos possíveis focos de atenção do setor sucroenergético. As oportunidades exploradas foram: inovações no processo de produção de etanol de primeira geração, co-geração e venda de bioeletricidade, etanol de segunda geração a partir do bagaço e da palha, introdução de novos produtos (plataforma bioquímica), valorização da vinhaça pela produção de biogás e gaseificação de resíduos (bagaço e palha). Foram então selecionados 17 especialistas representativos dos diversos elos do sistema de produção e inovação sucroenergético, incluindo profissionais das usinas, pesquisadores e agentes de governo.  Por meio de entrevistas foram exploradas as visões dos especialistas sobre as oportunidades de inovação previamente identificadas.

O primeiro resultado é o reconhecimento das oportunidades. Nesse ponto, a gaseificação foi excluída pelos entrevistados como uma oportunidade a ser considerada. Identificam-se barreiras de ordem tecnológica que a tornam pouco atrativa e, além disso, o predomínio de uma plataforma baseada em biotecnologia, visto como tendência predominante pelos entrevistados, exclui ou reduz muito um possível interesse pela gaseificação. As demais oportunidades foram reconhecidas como as de maior interesse e atratividade.

Entretanto, a identificação de oportunidades de inovações no processo de produção de etanol de primeira geração foi de certa forma polêmica. Enquanto alguns especialistas consideram a tecnologia madura e com poucas oportunidades de melhora, outros identificam na indústria um nível de engenharia de processos ainda muito abaixo de conhecimentos já bastante difundidos em outras indústrias. Existe nesse ponto uma visão de que não existiriam obstáculos de ordem técnica para essas melhorias por certo incrementais. Foram mencionadas como inovações de interesse no processo de produção de etanol, entre outras, a lavagem a seco da cana, a modificação no processo de extração da moenda para o difusor, a fermentação com linhagens selecionadas de leveduras, a pervaporação através de membranas e a utilização de peneiras moleculares. Algumas dessas inovações vão sem dúvida além de meras inovações incrementais e seriam capazes de permitir um melhor aproveitamento do conteúdo energético da cana-de-açúcar além de reduzir os custos com água, energia e mão-de-obra na usina.

Os desafios para a adoção dessas inovações residiriam principalmente nas competências organizacionais das usinas. Mas o quadro institucional instável tornaria pouco atraente o esforço de realizar essas inovações. O retorno esperado não parece suficiente para mobilizar as usinas.

A  co-geração e venda de bioeletricidade não seria propriamente uma oportunidade de inovação. Mas sua difusão ainda é limitada a cerca de 150 usinas, menos da metade das usinas em operação.

Os especialistas, no entanto, apontaram diversos desafios associados à implantação e melhor exploração dessa oportunidade. Dois comentários dos entrevistados sintetizam os desafios associados à bioeletricidade.

 “Não é só a caldeira que é ineficiente, todo o sistema se desenvolveu ineficiente já que não era para sobrar bagaço. Se você trocar a caldeira, você reduz um problema da eficiência.” (Especialista 1 da área de política).

“Não tem como planejar pensando nesse mercado spot, tem que planejar pensando num preço de contrato onde você tem garantia de poder ter um projeto atraente” (Especialista 1 da área de indústria).

Observa-se que além dos altos investimentos que devem ser feitos tanto interna quanto externamente à usina (conexões com a rede), existem também fatores inibidores de caráter organizacional e político. O primeiro, ainda que com várias dificuldades, poderia ser superado pelas usinas, mas o segundo é um desafio maior e difícil de ser ultrapassado uma vez que envolve atores e instituições fora do domínio da indústria. Assim, o fator decisivo para ampliar a comercialização da bioeletricidade seria a segurança para realização dos investimentos. Uma dinâmica favorável dos leilões de energia não pode, por certo, ser alcançada apenas com os esforços das empresas do setor.

aproveitamento da vinhaça para a geração de biogás é reconhecido como uma oportunidade de inovação interessante para  valorizar esse volumoso resíduo da produção de etanol. A destinação atual da vinhaça é a fertirrigação, o que tem sido contestado por ser uma utilização não sustentável. A principal alternativa, crescentemente mencionada, é a produção de biogás por biodigestão anaeróbia. Alguns entrevistados mostraram um grande entusiasmo por essa oportunidade:

“Vinhaça, uma ótima oportunidade aí, o potencial de geração de energia é fantástico (…) seria fantástico pegar esse biogás e rodar a frota, o diesel é um fator de consumo muito sério, poderia rodar os caminhões a biogás, fazer o processo para tirar CO2, tirar H2S, talvez liquefazer e levar para trator.”

A vinhaça biodigerida proveniente desse processo, apesar da remoção de grande parte da matéria orgânica, ainda mantém seu potencial fertilizante e pode ser utilizada no cultivo da cana. Em relação ao biogás, várias oportunidades estão associadas à sua utilização dentro das usinas sucroenergéticas, tais como, queima na caldeira para geração de vapor e acionamento da moagem, utilização como combustível veicular para os equipamentos de colheita da cana e acionamento de turbinas a gás conjugada com um gerador elétrico.

Entretanto, apesar não existirem obstáculos tecnológicos para a exploração dessa oportunidade as iniciativas são até agora quase inexistentes. Os especialistas tendem a concordar que enquanto a legislação não for mais específica sobre os riscos associados à fertirrigação, essa destinação mais simples e barata da vinhaça vai ser preferida à produção de biogás.

Etanol 2G, ou etanol de segunda geração, obtido a partir do bagaço e/ou da palha da cana, é sem dúvida a oportunidade mais citada e presente na literatura sobre o futuro do setor. No caso brasileiro, o etanol 2G foi alvo de programa específico PAISS lançado em 2011 em conjunto pelo BNDES e pela FINEP.

Para tratar os materiais lignocelulósicos, no caso o bagaço e a palha, são necessárias etapas preliminares à fermentação dos açúcares, principalmente a etapa de pré-tratamento, para quebra e remoção da lignina e a etapa de hidrólise enzimática, para a quebra das moléculas de celulose e hemicelulose em açúcares fermentáveis de 5 e 6 carbonos, o que pode exigir abordagens tecnológicas próprias. Além disso, no caso da palha, a estruturação da logística de suprimento é mais um ponto a ser considerado. Assim, a produção do etanol 2G exige da usina mudanças tecnológicas e organizacionais importantes.

A produção de etanol 2G, segundo os especialistas, pode propiciar um aumento de produção de etanol em torno de 50-60%, sem aumento da área plantada; permite o aproveitamento da disponibilidade de biomassa não aproveitada, aproximadamente 270-280 kg de bagaço e 140 kg de palha para cada tonelada de cana-de-açúcar, traz uma opção de aproveitamento de bagaço já disponível na usina, além de aproveitar a infraestrutura de equipamentos e utilidades, principalmente na época de entressafra.

Apesar de terem sido identificados diversos fatores tecnológicos, o fator político relacionado à ausência de um incentivo à produção do etanol 2G (tal como uma certificação da planta) foi avaliado como um dos mais relevantes na inibição dessa oportunidade de inovação, como sugere o comentário de um especialista da indústria:

“…tem uma curva de aprendizado aí que precisa ser traçada, então talvez você tenha que pleitear algum tipo de apoio governamental exatamente para você conseguir fazer uma implantação inicial e traçar esse período de curva de aprendizado sem muito sofrimento. ”

Os novos produtos derivados da plataforma bioquímica são, com frequência, vistos como uma grande oportunidade a ser explorada pelas biorrefinarias integradas do futuro. Existe uma percepção de que o desenvolvimento da indústria de químicos de origem renovável representa um dos pilares para o sucesso de uma biorrefinaria rentável.

Um amplo conjunto de desafios tecnológicos é identificado como obstáculo às inovações de produto: o desenvolvimento das tecnologias de conversão, muitas delas baseadas em biologia sintética, a competitividade com os produtos de origem petroquímica, o desenvolvimento de novos mercados, a definição de um portfólio de produtos e a gestão de produtos de grande volume (biocombustíveis) ao lado de produtos para mercados relativamente pequenos, próximos de especialidades químicas.

Em contraponto a estes desafios, um fator impulsionador que pode ser a forma de enfrentar tamanhas dificuldades seria o interesse de empresas de fora do setor sucroenergético em criar parcerias para aproveitar essas oportunidades de inovação. Isso foi sugerido por um dos especialistas:

“O modelo que vai ficar em pé é provavelmente o modelo misto, onde as usinas talvez não tenham as tecnologias, essas tecnologias são protegidas, e esse modelo misto é uma joint venture.”

A incorporação de competências provenientes dessas parcerias seria a única forma (assumindo a opinião da grande maioria dos especialistas) de criar condições para o desenvolvimento da indústria química de base renovável. (…) continua no Blog Infopetro.

 
Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

4 Comentários

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  1. Falta cuidar do básico

    Antes de tudo: cuidar da produção da matéria prima – a cana.

    Com os atuais custos de produção, será preciso muita inovação no aproveitamento da cana – etanol, eletricidade, seja o que for.

    E não há falta de conhecimento: falta mesmo visão, e principalmente, VONTADE por parte dos empresários.

    Talvez o  maior obstáculo seja a forma com que os pessoal do departamento agronômico ganhe seu dinheiro: é costume receberem uma parcela dos seus ganhos em forma de gratificações (propona no bom sentido) pagas pelos fornecedores de insumos para a lavoura – principalmente fertilizantes químicos e defensivos.

    Por isso, eles não tem interesse em usar as melhores tecnologias agrícolas, elas reduziriam em muito o uso de fertilizantes e defensivos, e dariam um pouco mais de trabalho a todos. Então, num ambiente destes, quem não agiriam como eles sempre fizeram? E não há segredo, tudo feito às claras, e com a concordância do principal interessado, que são os empresários (donos).

    Contra isso, não há santo que resolva!

  2. Uma pergunta: quanto o setor

    Uma pergunta: quanto o setor gasta em P&D, por conta própria, com recursos das próprias empresas? Há algum centro de pesquisa e desenvolvimento, bancado com recursos do próprio setor, sem a entrada de facilidades públicas? 

  3. Bom artigo

    Um excelente resumo do setor e as suas expectativas.

    Eu acho que, neste setor, existem dificuldades de fechar o conceito industrial e de mercado, pois, a origem da produção é de teor agrícola/rural, onde o comprometimento do homem do campo, além de depender da natureza, é bastante variável, de ano em ano, sem uma visão de longo prazo que esse tipo de industrialização precisa.

    Temos safra, entre-safra e o humor do agricultor, que um dia vai para o álcool e outro ano para o açúcar (ou troca tudo por soja). A mentalidade rural da produção esbarra também com o imediatismo dos investimentos e, principalmente dos lucros, que são avidamente gastos em extravagancias, como têm havido muitos casos.

    Se o mercado depender exclusivamente desta fonte de suprimento de energia, vamos ter elevadas alterações de preços, assim como o tomate ou qualquer produto agrícola.

    Concluo que, para dar certo esta “industrialização” teria que haver uma mudança de atitude do agricultor que entra ao mercado como “industrial”, com compromissos de longo prazo e estruturas tarifarias menos “pessoais”. É um negócio muito grande para depender do humor do homem do campo.

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