
A vida material como motor da História
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
A economia, como ciência ou não, é feita de história. Keynes dizia que o empresário parte do princípio de que amanhã seja muito parecido com ontem. Em outras palavras, o empresário é, segundo ele, conservador em essência. Quem não está acostumado a estudar História do Pensamento Econômico diria que Keynes e Schumpeter seriam antagônicos, dado à forma com que o segundo coloca a inovação como motor da persistências do capitalismo. Nada mais falso. A destruição criativa, tão enaltecida nos cursos do odiável empreendedorismo, é exceção e segundo o próprio autor. Ela só acontece perante o insustentável, como é o caso de um conflito. A aviação é prova disso. Antes da II Guerra, os empreendedores do transporte aéreo faziam de tudo para não construir aeroportos e os hidroaviões e aerobarcos detinham a quase totalidade do tráfego. A II Guerra mudou isso, pois os aparelhos precisavam ser cada vez mais rápidos e versáteis, o que era antagônico à possibilidade do pouso n’água. Se estamos à busca de uma economia mais limpa, intitulada como de baixo carbono, é porque chegamos ao insustentável, não porque tenhamos ficado mais bonzinhos. O ser humano tem sua natureza e a adaptabilidade é a chave de seu sucesso como espécie.
Os europeus não vieram para a América porque são maus. Eles vieram porque, à luz da tecnologia de então, viver no Velho Mundo estava ficando impossível. A medicina não era capaz de lidar com grandes aglomerações e as epidemias sucediam-se cada vez mais amiúde. Ao mesmo tempo, o pacto medieval ruía e as pessoas eram expulsas das terras de seus senhores. Isso agravava a miséria que, por sua vez, trazia mais epidemias, numa bola de neve rumo ao inferno. Encontrar um lugar novo trazia um raio de esperança por dias melhores para quem ia, bem como muita riqueza a uns poucos que ficavam. A abolição da escravatura brasileira não ocorreu por motivos humanitários, mas porque manter um contingente improdutivo na entressafra era caro demais. Nos Estados Unidos, libertar escravos no sul era imprescindível para que um enorme contingente passasse a receber salário e a consumir produtos industrializados no norte. A Guerra civil deveu-se à implantação de um modo capitalista com que o sul não concordava.
Hoje vivemos uma revolta contra o passado. Bandeirantes e a 7ª cavalaria de General Custer deixaram de representar o heroico, passando ao arquétipo da vilania. Estátuas de caçadores de búfalos são derrubadas nos Estados Unidos, enquanto se tenta pôr fogo na de Borba Gato em São Paulo. Ocorre que essa é a nossa história e nada é capaz de mudar isso. Pedir desculpas a índios e negros não vai transformar o passado de ninguém. Importante é decidir agora quais valores serão adotados para o futuro. Mais relevante ainda é não nos iludirmos com bordões como “politicamente correto”, muito menos com “eu sou conservador nos costumes e liberal na economia”. Introduzir à força um gênero pseudo neutro na língua portuguesa (como se já não houvesse um) não vai acabar com a homofobia.
A questão é que a economia capitalista precisa do consumo das classes C e D, assim como dos homossexuais, transgêneros, idosos e das pessoas com deficiência. É hora de aceitar a realidade e definir a passagem do ter para o usar, pois o consumo de serviços tende a crescer futuro a fora, enquanto o de bens é limitado pela oferta de insumos que o planeta Terra pode oferecer. Da mesma forma, cabe aos decisores entender que serão os improdutivos que representados pelas crianças, os jovens em formação e os idosos que serão os grandes empregadores. Retirar ganhos dos aposentados, impelindo-os a permanecer no mercado de trabalho, bem como empurrar os jovens para o trabalho precocemente, correspondem a antecipar uma impossibilidade que poderá ou não trazer uma destruição criativa. Aliás, de que será uma destruição não resta dúvida; resta saber se haverá como ser criativa.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
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