“Pai, o Píndaro, dono da farmácia, foi campeão pelo Fluminense?”, por José Carlos Faria

Após adquirirmos o “Diário de Notícias”, do qual eu recortava o “Pau de Sebo” para colecionar, sempre passávamos pela farmácia do Píndaro, para bater papo.

Foto à esquerda: “Píndaro, craque de ontem, empenhado na formação dos de amanhã” Foto à direita: “Píndaro, capitão da equipe, recebeu a Taça Rio e deu a volta olímpica no Maracanã, recebendo a saudação da torcida tricolor. Era o primeiro grande feito internacional do Fluminense” Publicadas na Revista Grandes Clubes Brasileiros – Fluminense – Rio Gráfica Editora, Nº 10, 1972, Págs. 65 e 99.

“Pai, o Píndaro, dono da farmácia, foi campeão pelo Fluminense?”

por José Carlos Faria

Foi difícil, para mim, compreender como aquele homem meio rechonchudo tinha sido um famoso jogador.

Aos oito anos, quando meu interesse pelo futebol foi despertado, eu procurava identificar os clubes pelos seus símbolos – escudos, bandeiras e mascotes (charges) – que eram apresentados e colecionados em objetos de desejo infantis – álbuns de figurinhas, plásticos adesivos, flâmulas, desenhos, futebol de botões.

Para minha alegria, no primeiro campeonato que acompanhei, o carioca de 1959, o Fluminense foi o vencedor, com a escalação, por mim decorada até hoje: Castilho, Jair Marinho, Pinheiro, Clóvis, Edmilson e Altair; Maurinho, Paulinho, Valdo, Telê e Escurinho.

Eu me informava do desempenho do Fluzão, pela publicação no jornal “Diário de Notícias”, do “Pau de Sebo”, de autoria do chargista Jorge Gonçalves. Era uma espécie de tabela de colocação do campeonato, a exemplo daqueles cavalinhos chatos que aparecem no “Fantástico”.

Uns bonequinhos (mascotes), representando os clubes, se agarravam num mastro, em busca da medalha de campeão, situada no seu topo. O “Pau de Sebo” é uma brincadeira típica das festas de São João no interior, na qual, para se alcançar as prendas presas no alto, tem que se escalar o escorregadio mastro ensebado.

Ao lado de cada time, um número indicava os pontos perdidos acumulados, cuja contagem era de dois por derrota e um por empate. Dependendo do resultado na rodada, o boneco aparecia feliz ou triste, suando ou chorando, com galo na cabeça e curativos pelo corpo. O último colocado segurava uma lanterna. 

A primeira vez que vi o “Pau de Sebo”, tentei identificar os bonecos. Não tive problema com os “lusitanos”. O Vasco da Gama representado por um português, com vastos bigodes, e a Portuguesa, por ser a única mulher e vestida a caráter. O São Cristóvão também foi fácil, pois era o próprio, assim como o do Fluminense, com a tradicional cartola, para lhe atribuir um caráter aristocrático. O do Flamengo usava um boné de marinheiro, em razão de o mascote do time à época ser o Marinheiro Popeye, personagem que adquiria sua força ingerindo espinafre.

Na década de 40, o caricaturista argentino Molas criou no Jornal dos Sports, os mascotes dos clubes cariocas. Além do Popeye, o Pato Donald (Botafogo), o Almirante (Vasco), o Cartola (Fluminense) e o Diabo (América). Essa história contarei em outra crônica.

O mais complicado para entender no “Pau de Sebo” era o boneco do Olaria, que tinha uma pena na cabeça e segurava um objeto na mão. O estádio do Olaria se localiza na Rua Bariri, nome de uma tribo indígena, daí o ornamento. O que segurava na mão era um tijolo, fabricado, justamente, em uma …. olaria.

Já o do Bangu tinha um boné, para, talvez, simbolizar a malandragem suburbana. Enquanto isso, outros times eram representados sem nenhuma característica própria como Botafogo, América, Bonsucesso, Madureira e Canto do Rio, apenas diferenciando-se pelos seus uniformes.

O “Pau de Sebo” que ilustra esta crônica é o da penúltima rodada do campeonato de 1959. O Cartola já está com a faixa de campeão e segura o medalhão, pois conseguiu o título antecipadamente.

Às terças-feiras, quando era publicado o “Pau de Sebo”, eu ia cedo com meu pai comprar o jornal em uma banca na Praça do Jóquei. Em frente a ela, havia uma farmácia cujo proprietário era Píndaro, capitão do Fluminense de 1949 a 1955, que formou o famoso trio defensivo – Castilho, Píndaro e Pinheiro, conhecido como a “Santíssima Trindade”.

O Fluminense com o trio, mais Telê Santana, em início de carreira de jogador, Didi (depois bicampeão mundial em 58-62, já no Botafogo), e outros grandes jogadores, sob a batuta do técnico Zezé Moreira, foi campeão carioca em 1951 e da Taça Rio, em 1952. Este último foi um verdadeiro Mundial Interclubes, com a participação do Corinthians e do Peñarol, base da seleção uruguaia campeã do mundo em 1950, no Maracanã, além de clubes da Alemanha, Áustria, Portugal, Paraguai e Suíça.

Não deixou de ser uma vingança, o jogo em que o tricolor venceu o Peñarol por 3×0, pois estavam presentes os atacantes Schiaffino e Ghiggia, que assinalaram os gols do Uruguai na trágica final contra o Brasil, em que venceram por 2×1.

Disputado no formato do Mundial de Clubes da FIFA de 2000, as equipes foram divididas em duas chaves de quatro times cada, no Rio e em São Paulo. A disputa final entre Fluminense e Corinthians foi vencida em dois jogos (2×0 e 2×2) pelo tricolor, que reivindica, merecidamente, o título de Campeão Mundial Interclubes de 1952.

Meu pai era farmacêutico da Bayer (do slogan – “Si” é Bayer, é bom, com esta grafia mesmo), quando conheceu minha mãe, que trabalhava, na empresa, como secretária. Ele começou como representante comercial, ou “caixeiro viajante”, como se dizia na época e, pela profissão e como todo mineiro, gostava de uma boa prosa.

Após adquirirmos o “Diário de Notícias”, do qual eu recortava o “Pau de Sebo” para colecionar, sempre passávamos pela farmácia do Píndaro, para bater papo. Quando meu pai me revelou o passado futebolista dele, perguntei, incrédulo:

“Pai, o Píndaro, dono da farmácia foi campeão pelo Fluminense?”

Foi difícil, para mim, compreender como aquele homem meio rechonchudo, atrás de um balcão, tinha sido um famoso jogador de futebol do meu clube do coração. Ele foi um zagueiro sóbrio e eficiente, firme nas rebatidas e preciso na cobertura. Convocado para a Copa do Mundo de 1950, no período de treinamentos, desentendeu-se com o técnico Flávio Costa e pediu dispensa da seleção.

Infelizmente, nunca o vi jogar, pois pendurou as chuteiras cedo, em 1955. Ainda se dedicou ao Fluminense, como Diretor de Futebol Juvenil, na descoberta de novos valores.

Castilho e Pinheiro, seus companheiros da “Santíssima Trindade”, assim como Telê Santana, que foram campeões com ele, em 1951 e 1952, também fizeram parte do time campeão de 1959, primeira escalação do Fluminense que jamais esqueci.

Fluminense Campeão Carioca de 1959. Em pé, da esquerda para a direita: Clóvis, Jair Marinho, Edmilson, Altair, Castilho e Pinheiro. Agachados: Maurinho, Paulinho, Valdo, Telê Santana e Escurinho. Foto FLU MEMÓRIA.
Píndaro, Castilho e Pinheiro. Livro “Campeão Mundial: o bravo ano de 1952”, de Carlos Santoro, Dhaniel Cohen e Heitor D’Alencourt, BB Editora, 2017, pág. 23

Redação

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  1. Deliciosa crônica com a história do Pindaro jogador – dono de farmácia, sobre o pau de sebo e o FLUZÃO campeão. Aguardo sempre ansioso pelas crônicas do José Carlos.

  2. Emocionante! O ano de 1959 foi também o primeiro campeonato cuja escalação ficou na minha mente, e que lembro até hoje. Ficou gravado na minha mente a imagem do meu pai ouvindo o rádio, e vibrando com o título ganho com uma rodada de antecipação.
    Saudações Tricolores!

  3. Muito bom. 1959 foi o ano inicial da minha existência como torcedor do tricolor. Interessante, o ataque de que me lembro é um pouco diferente: Telê, Léo, Valdo, Robinson e Escurinho.
    Píndaro, outra geração, me era falado por meu pai.

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