Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
[email protected]

Os agricultores franceses e a hipocrisia perante o Acordo Mercosul-UE, por José Victor Ferro

O acordo comercial, adotaria um sistema de cotas, às quais nem sequer eximem todos os produtos do Mercosul de tarifas alfandegarias.

Agência Brasil

Os agricultores franceses e a hipocrisia perante o Acordo Mercosul-União Europeia

por José Victor Ferro

Reunidos para o encontro do G-20 no Rio de Janeiro, especula-se que os mandatários da União Europeia, Brasil e Argentina possam se reunir para discutir a possibilidade da assinatura do acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia. Lula já aproveitou este domingo para discutir as possibilidades da assinatura do acordo com a presidente da Comissão Europeia (órgão executivo da UE) neste domingo, Ursula Von Der  Leyen. O texto do acordo comercial já existe e foi justamente anunciado em reunião do G-20, em Osaka em junho de 2019. No entanto, não há a assinatura de nenhum chefe de Estado no texto e, por isso, ele é chamado de acordo em princípio.

Para que o acordo tome forme e siga para o processo de ratificação, no entanto, é necessário superar algumas barreiras políticas no caminho.  A principal delas é a resistência francesa, posto que a França tem se colocado sistematicamente como opositora ao acordo comercial com o bloco sul-americano. O presidente francês, Emmanuel Macron (2017-), inclusive, já se declarou novamente contra o acordo em visita à Argentina.

Internamente, Macron é acossado por sua baixa popularidade e pela crise política que se instalou no país após as eleições europeias, nas quais saiu vitorioso o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen. Neste contexto, a pressão do setor mais protecionista da economia francesa, a agricultura, se faz mais latente. Os agricultores, que já haviam feitos protestos massivos em dezembro do ano anterior, voltaram a manifestar-se nesta semana em Bruxelas contra a associação comercial entre a UE e o Mercosul.

 O principal argumento dos agricultores é que, caso seja assinado, ratificado e entre em vigor o acordo comercial UE-Mercosul, ele levará inevitavelmente à concorrência desleal entre produtores agrícolas europeus e os do bloco econômico do Cone Sul. Segundo eles, isso seria devido justamente a todas as regulações sanitárias e ecológicas estritas europeias às quais os produtores europeus estão sujeitos. Estas limitam de forma rígida o uso de agrotóxicos e impõe uma diversidade de padrões e ecológicos a ser seguidos pelos produtos agrícolas produzidos em solo europeu. Deste modo, os agricultores franceses argumentam que, baixo uma vigilância e um controle tão estritos da UE, eles não teriam nenhuma condição de competir com o mel, o açúcar e principalmente, as carnes aviária e bovina produzidas pelo Mercosul, que, segundo os agricultores franceses, beneficiam-se de uma legislação demasiada laxa em termos sanitários e permissiva em termos de degradação ambiental.

Embora, de fato, as normativas europeias para a produção agrícola sejam de fato mais exigentes que as do Mercosul – que inclusive são pouco harmônicas entre seus membros –, há imprecisões que não podem de ser deixadas de ser consideradas frente ao argumento dos agricultores franceses. Primeiramente, é necessário observar que o volume adicional que seria exportado pelo Mercosul a União Europeia é baixo comparado ao potencial exportador do bloco. O acordo comercial, adotaria um sistema de cotas, às quais nem sequer eximem todos os produtos do Mercosul de tarifas alfandegarias. Deste modo, o potencial de exportação do bloco não seria explorado de modo total, tendo um efeito reduzido frente à concorrência europeia. Em segundo lugar, é fundamental dizer que os produtos exportados pelo Mercosul à União Europeia já seguem as exigências das normativas europeias no tocante às restrições sanitárias e ecológicas. O controle europeu não é aplicado somente nos produtos advindos do mercado intra-UE, mas também – e sobretudo – nos produtos fora do mercado comum europeu. Deste modo, para entrar no mercado da União Europeia, extremamente protegido não só por tarifas alfandegarias, já é necessário seguir o que determinam as barreiras ecológicas e sanitárias do bloco – as chamadas barreiras não-tarifárias. Por fim, o capítulo do acordo de barreiras não-tarifárias ainda reforça claramente que, para exportar para o mercado comum europeu, os produtores agrícolas do Mercosul deverão seguir estritamente as regras estabelecidas pelas normativas europeias.

Por conseguinte, o argumento dos agricultores franceses, que continuam a mobilizar-se constantemente contra o pilar comercial do acordo de associação entre Mercosul e União Europeia, é flagrantemente inconsistente. De fato, tal linha de raciocínio apenas demonstra a hipocrisia do setor agrícola francês, que se beneficiou e ainda segue beneficiando-se da política agrícola comum europeia para cumprir com as exigências do mercado comum, porém, sente-se no direito de reclamar mais proteção frente a concorrência dos produtores agrícolas do Mercosul.

José Victor Ferro – Mestre em Estudos Latino-americanos pelas universidades de Salamanca (USAL), Estocolmo e Paris 3-Sorbonne-Nouvelle e bolsista da União Europeia através do programa Erasmus Mundus Joint Master’s Degree. Pesquisador do Observatório do Regionalismo (ODR). Dedicou-se à análise de modelos de desenvolvimento e política externa de Brasil e Argentina vis-à-vis o acordo de associação Mercosul-UE. Com experiência profissional em instituições diplomáticas (Embajada de Uruguay para Suecia, Dinamarca, Noruega e Islandia) e multilaterais (Fundación EU-LAC). Graduado e licenciado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo(USP).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador