Nenhuma bonança depois da dissolução do legislativo francês
por Daniel Afonso da Silva
Depois que o presidente Emmanuel Macron decidiu dissolver o legislativo francês após o resultado das eleições europeias do último dia 9 de junho, a situação política francesa, que já vinha confusa, ficou ainda mais confusa, grave e, quem sabe, gravíssima. Uma perplexidade tomou o país. Junto a ela, a desolação.
O presidente cometeu uma decisão complexa e inesperada. Apanhou o conjunto da classe política – e mesmo dos eleitores – a contrapé. Devolveu a escolha política ao povo. E impetrou um golpe de misericórdia sobre o destino do país.
Curiosamente ele destituiu uma Assembleia Nacional que, bem ou mal, era-lhe favorável. Onde o seu movimento, o macronismo, possuía maioria relativa e força parlamentar relativamente expressiva a ponto de levar a maioria relativa a quase absoluta.
Com a dissolução, a incerteza de cenários e situações que ocorreriam apenas em 2027 foi antecipara para agora, para os dois turnos do pleito, em fins de junho e início de julho.
Nenhum analista sério da vida política francesa entendeu o que o presidente quis fazer. Todos os seus antecessores vivos – François Hollande e Nicolas Sarkozy – reprovaram a sua decisão. Os falecidos – entre eles o próprio general De Gaulle – reviraram-se em seus túmulos. A decisão foi controversa demais.
Dominique de Villepin, antigo secretário-geral do Élysée, sob a presidência Jacques Chirac, quando se promoveu uma outra dissolução do legislativo, em 1997, não apenas desaprovou a atual dissolução como classificou de temeridade “histórica”. Não um nem dois, mas muitos atores políticos de muita distinção e honradez na França, passaram a considerar, aberta e publicamente, o presidente Macron de irresponsável, inconsequente, incoerente, “menino”.
Virou, portanto, grave, gravíssima a situação.
Não houve bonança após a dissolução.
Ou o presidente francês está vendo o que ninguém vê?
Difícil saber.
De toda sorte, percebe-se forte que o presidente medrou diante da aceleração irresistível da aceitação popular do Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen e se desesperou com os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. O líder do RN, Jordan Bardella, havia reclamado o posto de primeiro-ministro caso vencesse as europeias. Ele não apenas venceu, como venceu muito bem, fazendo mais que o dobre dos votos de sua contraparte do partido do presidente Macron. Não só por isso, mas essencialmente por isso, o presidente Macron dissolveu o legislativo. Rendeu a decisão ao povo. E corre o risco sério de perder o páreo e ter que, realmente, coabitar com o RN, convocado o seu campeão, Jordan Bardella – e também, claro, Marine Le Pen – para governar a França. [Tratei dessas questões preliminarmente em artigo anterior aqui mesmo no GGN. Vide. aqui].
Ao fundo, vale ressaltar, sim: o resultado das eleições europeias evidenciou uma derrota assemelhada a humilhação. Foi algo sem precedentes. O campo político majoritário foi lançado ao corner. A presidência Macron e o conjunto do mainstream político francês foram, politicamente, postos à deriva.
31,37% dos eleitores deram preferência ao RN nas europeias ante 14,6% ao encontro do partido Renascimento do presidente Macron, 13,8% ao Partido Socialista do antigo presidente François Hollande, 9,8% ao A França Insubmissa (LFI) de Jean-Luc Mélenchon, 7,2% ao Os Republicados (LR) do antigo presidente Nicolas Sarkozy, 5,5% aos Ecologistas de Sandrine Rousseau, 5,4% ao Reconquista de Éric Zemmour, sem se contar o escore de legendas menores ou muito pequenas, “nanicas”, que amplificou a complexidade da situação.
O macronismo foi, note-se, literalmente, esmagado pelo partido de Marine Le Pen. Mas não só isso.
As forças políticas que estiveram no poder imediatamente antes também perderam muito de seu valor. O partido do presidente François Hollande conquistou apenas 13,8% da aferição e o partido, bem ou mal, gaulliste do presidente Nicolas Sarkozy apenas 7,2%.
O macronismo mais esses dois partidos representavam ou representam o núcleo do se podia ou pode chamar de centro democrático francês. E, agora, com a dissolução do legislativo, todos eles, parecem dissolver-se também.
Dissolvem-se porque, a fatídica decisão do presidente Macron, o espaço partidário francês reduziu-se a um campo de escaramuças. Notadamente com uma inclemente guerra de chefes, ante os chefes e para eles. Ninguém se entende nem parece querer se entender. Todos se dizem contrário ao RN, a Jordan Bardella e a Marine Le Pen. Mas, como fazem, não conseguem harmonizar uma ofensiva anti-RN tampouco se solidificar.
Alguém de muito prestígio da cena política francesa chamou a atenção para o risco de corrosão do regime. Leia-se: da Quinta República, fundada em 1958 e legado do general De Gaulle. Um outro disse mais. Disse estar-se perto de uma guerra civil. Uma guerra civil que pode dizimar – ainda mais – a relevância europeia e mundial da França.
Complexa, muito complexa a situação.
Voltando ao panorama partidário e vendo tudo com mais calma, muitos no PS e no LR já desistiram da ofensiva contra o RN. Jogaram a toalha. Decretaram o fim da partida. Deram de ombro para o que pode eventualmente ocorrer se um partido com longínquas origens essencialmente fascistas de mistura nazista passar a governar o país.
Olhando com mais calma ainda, no próprio Renascimento, antigo En Marche, do presidente Macron, a razia e a impotência parecem similar. Poucos ainda mostram alguma intenção de lutar.
Voltando ao ponto de partida imediato, onde tudo começou, o curioso, vale realçar, foi que a decisão pela dissolução decorre de um resultado que, no curto prazo, possui implicações apenas exteriores à França por dizerem respeito, francamente, à gestão do espaço europeu.
E, sobre o espaço europeu, vale ponderar que, doravante, tudo vai girar em torno de Giorgia Meloni e Viktor Órban. Vez que a primeira impôs a sua força e maioria sem concorrentes nas eleições europeias e o segundo vai presidir a União na próxima legislatura.
Evidentemente que o humor francês decorre e participa do humor europeu. Mas a decisão do presidente francês confundiu todas a significância desse humor. E, mais, avivou cenários e problemas que pareciam dormentes, mas, agora, emergem latentes. Tudo isso porque o presidente, no campo exterior, parece que menosprezou que a problemática ucraniana ainda transpassa mentes e corações do Atlântico ao Ural e, notadamente, na França. E isso quer dizer que uma Assembleia Nacional francesa com maioria absoluta ou relativa de partidários de Marine Le Pen pode alterar duradouramente o equilíbrio europeu, atlântico e euroasiático. Num primeiro plano, um eventual apoio massivo do legislativo francês ao presidente Putin pode acoimar a interação relativamente harmoniosa da França com os Estados Unidos e alterar todos os sinais dessa interação no âmbito da Otan, do Departamento de Estado, da Casa Branca, do Parlamento Europeu e das próprias relações entre os países europeus e desses como os demais países do mundo. Ou seja, os riscos geoestratégicos não são desconsideráveis.
Ainda no plano exterior, a decisão do presidente Macron não considerou que a situação no Oriente Médio continua sem solução e que o RN possui uma compreensão afoita e, no mínimo, pouco diplomática, para não dizer confusa ou mesmo nula, da complexidade da situação, da região e da busca de solução.
Se isso já não fosse severamente grave, o locatário do Élysée ainda subestimou a possibilidade de o presidente Donald J. Trump vencer as eleições de novembro nos Estados Unidos. Pois uma possível alteração de comando na Casa Branca com uma Assembleia Nacional francesa sob o mando do RN pode conduzir a um alinhamento automático entre Paris e Washington com repercussões internacionais extraordinariamente complicadas e, quem sabe, desastradas no plano histórico e no campo prospectivo.
Ou seja, tragédia. Desesperação.
Uma decisão arriscada. Arriscadíssima. E com potencial de intensificar o descrédito da França em escala mundial como jamais se viu.
Mas existe o outro lado. Um lado sutil e pouco considerado. O lado que alimenta a convicção da decisão do presidente Macron.
Sim: a decisão foi de alto e altíssimo risco. Sim: a decisão veio em péssimo timing. Vale lembrar que a França está às vésperas de sediar os Jogos Olímpicos, os franceses estão ingressando em suas férias longas e a chance de evasão massiva da eleição – ou seja, de altíssima indiferença na forma de abstenção – segue altíssima. Sim: a decisão foi contundente. Sim: ela chocou todo mundo. Mas ela não pode ser entendida como simplesmente extemporânea e, como muitos dizem, integralmente irresponsável. Existe alguma racionalidade nela. Num primeiro plano, claro, salvar a pele do presidente. E só dele. Porque como fruto dessa decisão o partido Renascimento amigalhou-se e corre o risco de desaparecer. Mas, num segundo e terceiro planos, com algum recuo analítico, pode-se notar algum sentido em tudo que se fez. E esse recuo está longe, muito longe de querer defender a decisão. Mas, simplesmente, lançar argumentos para se entender. Especialmente entender que tudo pode ser muito – como o presidente Macron claramente percebe e maquina – muito mais grave que se imagina.
Do contrário, veja-se.
Goste-se ou não, o presidente Macron é presidente da França. E, nesse posto e condição, trata-se do cidadão mais bem informado da realidade do país. Além disso, ele está longe, muito longe de ser um restrito burocrata ou tecnocrata. Trata-se de um sujeito com visão e capacidade de abstração. Somado a isso – e sua equipe mais próxima – possui os dados na mão. Os dados mais abrangentes e que dizem coisas que talvez ninguém queira ver nem ouvir. E ninguém quer ver nem ouvir que já passou da hora de se fazer um mea culpa geral sobre o lugar do RN na paisagem política francesa, europeia e mundial. E por razões, antes de tudo, morais. Mas também no plano histórico, político e intelectual. Dito e feito sem remorsos, o presidente Macron, com sua decisão, lega aos franceses o peso moral de um acerto de contas histórico consigo mesmos. Algo muito mal ambienta a realidade política francesa tem quarenta ou cinquenta anos. Ninguém quer ver. Mas, agora, diante desse verdadeiro caos social na França após a dissolução do legislativo, não vai ter jeito. Ter-se-á que ver. E ver bem que, de duas, uma, ou o RN é legítimo ou não é. Ou é, de fato, fascista, nazista, nazifascista, negacionista e eivado de cretinos, ou não é. Ou merece respeito da sociedade ou não merece. Ou tem legitimidade para governar o país ou não tem.
Veja-se bem, na França, como na maior parte das democracias do Ocidente, vive-se, desde muito, a ilusão da superação dos problemas pela sua dispersão. Ou seja, em lugar de afrontá-los frente a frente, prefere-se contorná-lo, refazer o palavrório e não tocar no que precisa ser tocado. E, nesse caso específico, o problema tem por nome RN.
Talvez tenha sido o presidente François Mitterrand o primeiro a chamar a atenção para necessidade de se tratar bem todas as tendências políticas acreditadas no país. Inclusive e sobretudo as mais indigestas. Nesse mesmo sentido, ele considerou uma irresponsabilidade política, intelectual e moral o menosprezo aos diferentes. Mesmo que esses diferentes fossem diferentes demais.
Dessa maneira, vasculhando-se bem as suas ações, vai-se possível localizar os seus acenos permanentes ao então Front National (FN) de Jean-Marie Le Pen sob o argumento de se tratar de um partido legítimo, condizente com os ditames da Quinta República Francesa e completamente amparado nos dispositivos da Constituição francesa de 1958. Veja-se, o presidente Mitterrand agia assim com o FN de Jean-Marie Le Pen e não o tresloucado e oportunista – para não dizer, quase ideologicamente invertebrado – RN Jordan Bardella e Marine Le Pen.
Se recair sobre uma digressão demasiado exaustiva, vale rememorar que o FN raiz – esse que o presidente Mitterrand dava passagem – advinha de uma linhagem tipicamente extremista à direita que, por convenção, passou-se a considerar “extrema-direita”. Trata-se, assim, de um partido com várias camadas e rugas e rugosidades e temporalidades.
Primeiro por sua vinculação histórica aos movimentos antirrevolucionários do século XVIII-XIX que se deblateravam contra os efeitos do soterramento das antigas tradições, privilégios e conveniências promovido pela Revolução Francesa. Em seguida, por sua aliança mental aos ultranacionalistas e ultraconservadores do após a humilhação francesa na guerra franco-prussiana em 1870-1871. Adiante por sua participação total ou parcial nos movimentos extremistas dos anos de 1920 e 1930; e, dito sem contrição, em sua, portanto, interiorização e acomodação do fascismo, do nazismo e do nazifascismo na França. Até que a questão da Argélia teve lugar e deu condição à afirmação do partido, o FN, com Jean-Marie Le Pen à frente, e sua leitura genuinamente controversa da realidade social, histórica e espiritual do país. Uma leitura, em muitos aspectos, tipicamente, sim, de ares fascistas, nazistas, nazifascistas e afins.
Mesmo assim, o presidente Mitterrand entendia esse partido e tendência política como legítimos, frequentáveis, viáveis. Leia-se: dignos de audiência. Entenda-se: dignos de ser votado. Reconheça-se: passíveis de governar e presidir o país.
Tanto assim que o próprio presidente Mitterrand ofereceu materialmente essa audiência, essa dignidade e esse reconhecimento ao FN e ao seu líder Jean-Marie Le Pen. Tudo isso antes, bem antes de 1989. Pois depois disso, depois de 1989, depois da abertura do muro de Berlim, a percepção do presidente francês evoluiu ainda mais. E ele passou a sinceramente desprezar as clivagens ideológicas com o intuito de valorar o imperativo o resultado da política a contrapelo de seus arranjos intermediários. Sem maiores dúvidas: com os fins justificando os meios. Sem maiores questões: com a naturalização de todos, inclusive de el diablo se necessário. Sem maiores ilusões: com a aceitação tácita do FN e de Jean-Marie Le Pen no jogo político, partidário e decisional.
O presidente Mitterrand morreu em 1996. E, sendo assim, não conseguiu ver a difícil e complexa coabitação entre o presidente direitista Jacques Chirac e o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin a partir da desastrada dissolução do legislativo francês em 1997. Da mesma sorte, ele não viu nem vivenciou a chegada do FN e de Jean-Marie Le Pen ao segundo turno das presidenciais franceses em 2002 contra Jacques Chirac. Um momento chocante para os franceses. Desconcertante para o sistema partidário francês. Mas revelador da realidade política do país.
O traumatismo, o desconcerto e as lições daquela situação ainda não foram completamente apreendidos nem superados na França. Longe disso.
Vendo-se em retrospectiva, aquele segundo turno era historicamente inevitável – como foi, também, historicamente, inevitável a chegada da candidata do RN, antigo FN, no segundo turno das presidenciais francesas em 2017 e 2022 – e ninguém quis ouvir nem ver. As razões dessa indiferença foram – e seguem sendo – muitas. Mas os fundamentos da previsibilidade do transtorno possuíam – e segue possuindo –, ao menos, três razões bem concretas e palpáveis. Uma de natureza conceitual. Outra de natureza política. E uma última oriunda de percepção histórica.
No plano conceitual, desde os anos Mitterrand que estava bem claro que o FN não era bem um partido “extrema-direita” malgrado estivesse aliançado a toda uma tradição extremo-direitista. O FN não era, assim, concebido porque se assim o fosse seria – ou deveria ter sido – interditado no plano das leis e conveniências políticas impostas pela Constituição francesa em vigência no país.
Sendo-se direto, desde a sua inscrição que o FN era reconhecido como legítimo e desvinculado do partido fascista de Mussolini e do partido nazista de Hitler, mesmo que suas práticas e intenções pudessem evocar ou dar ideia de evocar, direta ou indiretamente, a sua inquestionável alma mater imediata de inspiração, que nunca se negou ser o partido fascista de Mussolini e do partido nazista de Hitler.
O que, com isso, efetivamente se sucedeu foi o esvaziamento do termo “extrema-direita”. No plano da Constituição de 1958 e das instituições francesas da Quinta República francesa, “extrema-direita” era essencialmente coisa do passado. Démodé. Soterrada em 1945 com Mussolini e Hitler. E, portanto, sem nenhuma valência depois. De modo que logo se entendeu que um partido – no caso explícito do RN – com inspiração nazista ou fascista tinha apenas a inspiração, mas não era, de fato, nem uma coisa nem outra. Bem do contrário. Tratava-se, desde que concernente aos ditames da Quinta República, de um partido legítimo, frequentável e politicamente viável como quaisquer outros. Daí a aceitação pari passu do FN na paisagem política francesa e, com o impulso do presidente Mitterrand, a sua naturalização. [E, notando-se tudo claro assim, continua a causar espanto a virulência da reação – em muitos aspectos violenta e irracional – diante do questionamento sobre cui bono a narrativa sobre a existência da “extrema-direita” hoje em dia. Vide, como exemplo e sobre o Brasil, o que sugeri sobre isso aqui mesmo no GGN https://jornalggn.com.br/opiniao/cui-bono-a-narrativa-sobre-a-existencia-de-uma-extrema-direita/].
Veja-se, não dá pra dizer que não foi porque foi, o presidente François Mitterrand endossou Jean-Marie Le Pen, el diablo, como politicamente frequentável. Basta que se retome todo o apoio do presidente a toda a evolução do FN a partir de 1982, 1984 e, essencialmente, a partir das legislativas de 1986 e das presidenciais de 1988. O namoro do presidente socialista com o FN foi nítido. E, como decorrência, a aceitação e naturalização do RN no espaço político foi ampla e – quase – total. Transformando-se num fato histórico sem apelações.
Isso porque, diante desse endosso seguido do evidente esvaziamento do conceito de “extrema-direita” na França, o FN – e, depois, RN – foi galgando espaço no imaginário popular e modificando estruturalmente a cartografia política e a demografia eleitoral do país.
Percebendo-se e analisando-se apenas o resultado de eleições europeias, vale acentuar que o FN/RN só fez evoluir. Conseguindo 11% dos votos e, portanto, da preferência popular, em 1984, 11,7% em 1989, 10,5% em 1994, 5,7% em 1999, 9,8% em 2004, 6,5% em 2009, 24,9% em 2014, 23,3% em 2019 e, agora, quase 32% agora em 2024.
Não dá para menosprezar a contundência desse movimento sinceramente tectônico no interior da realidade política, social, cultural, intelectual e moral da sociedade francesa.
Mas foi isso – exatamente isso, o menosprezo – que se fez nos últimos trinta ou quarenta anos na França. Menosprezou-se o FN e o RN. E, menosprezou-se, talvez, pela ilusão da existência de um monde en rose, sem contradições e com final sempre feliz. Um mundo que não exige exame de consciência tampouco encontro cara a cara consigo mesmo.
No contrário, veja-se.
Se o FN/RN fosse um partido de “extrema-direita” – como toda a imprensa francesa e planetária informa desde 1984 – esse partido, diga-se novamente, deveria ser interditado na França. E todos sabem a razão.
Como não foi isso que aconteceu, ou seja, como o FN/RN não foi interditado, abrem-se, agora, outras ponderações nada agradáveis que sugerem que
- Ou bem os aplicadores da Constituição francesa estão equivocados desde sempre – o que não parece razoável como percepção
- Ou bem toda a opinião pública francesa está franca e fortemente equivocada e alimentando ilusões.
Vendo-se tudo isso cruamente assim e voltando-se com calma e frieza à inesperada decisão do presidente Macron do início do mês, percebe-se que ela foi essencialmente motivada por uma situação que não se sustenta mais. Uma situação eivada por dilemas, realidades e ilusões.
Segue, mesmo assim, muito difícil de se reconhecer como consequente a decisão recente de dissolução do legislativo francês. Mas ninguém ousará negar a sua dimensão corajosa. Talvez corajosa demais e, por isso, beirando à temeridade. Mas, sinceramente, note-se: talvez ninguém conseguiria fazer algo similar em momento ulterior. Dessa maneira, o presidente Macron chamou para si uma responsabilidade histórica imensa que ele próprio chamou de “necessidade de clarificação”. Clarificação de quê? Clarificação de tudo isso. Clarificação sobre o lugar efetivo do FN/RN na realidade francesa. Tudo isso está sendo muito dolorido para os franceses. E sem nenhuma certeza de bonança. Do contrário, chuvas e tempestades se anunciam. Resta-se aguardar. Só aguardar.
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Dia 8.7.24 diremos se foi uma besta ou bestial.
Je crois qu’il a fait une erreur colossale