do Observatório de Geopolítica
O Sul venceu (E este não é um texto sobre futebol)
por Felipe Bueno
Ele trabalhava na segurança do então estádio San Paolo, hoje Diego Armando Maradona. Era a única pessoa à vista naquela ensolarada manhã de domingo.
Eu procurava descobrir onde havia alguma bilheteria aberta para o jogo de horas mais tarde entre a equipe local e o Bologna.
Tentei em italiano e em inglês, mas, com humildade, aquele homem me explicou que não conhecia bem nenhum dos idiomas. Ele falava napolitano.
Era 2019.
Quatro anos se passaram.
Felicidade pessoal à parte, a conquista do campeonato italiano de futebol pelo Napoli na semana passada, após 33 anos de espera, leva mais uma vez aos holofotes a longa e muitas vezes silenciosa distância, muito mais que geográfica, entre o sul e o norte numa nação que enquanto unificada, é jovem e não resolveu todos os seus problemas internos. Talvez nunca resolva, e as ofensas entre polentoni e terroni sigam até o último dia.
Mais preocupante ainda é saber que o extremismo, do qual o Sul (não só o italiano) tem sido vítima há tempos, ainda inspira não apenas torcedores e atletas, mas políticos e, fundamentalmente, eleitores. Tanto que o atual gabinete de governo italiano é liderado por uma primeira-ministra com raízes neofascistas, ainda que, na prática, não tenha saído do armário. Vale frisar o ainda. A ver.
Impossível não citar as faixas com que os torcedores de cidades do Norte recebiam o Napoli de Maradona nos anos 1980 dando boas-vindas, já que os do Sul estavam finalmente entrando na Itália “de verdade”. Ou os cânticos de incentivo a uma erupção do Vesúvio quando os setentrionais visitavam os vizinhos mais ao Equador.
Mas a Itália não é uma ilha isolada e distante – embora seja uma península – numa Europa mergulhada num oceano de preconceitos, divergências internas e questões não resolvidas. Não é necessário se graduar em Relações Internacionais para saber que os europeus, que desenharam e redesenharam mapas do Novo Mundo com lápis e prepotência, também fizeram aparecer e desaparecer linhas em seu próprio solo sem se preocupar com povos, comunidades e famílias que estavam sob esses traços.
E nesse aspecto também a vitória do Napoli tem algo a ensinar.
Porque, não nos esqueçamos, é o time de uma cidade portuária, aberta para o mar, entrada e saída de gentes de todos os cantos do mundo, que em sua história esteve sob domínio dos mais diversos impérios e reinos.
Napoli, Neapolis, cidade nova.
Escalação titular: Itália; Itália, Kosovo, Coréia do Sul, Portugal; Camarões, Eslováquia e Polônia; México, Nigéria e Geórgia.
No banco: Argentina, Uruguai, Macedônia do Norte, Brasil, Alemanha, Polônia, França, Noruega e Argélia, além de mais alguns italianos.
Quando foi que os europeus – e os terráqueos, por que não dizer? – desaprenderam que fronteiras não demarcam inimizades, depois de tantas guerras?
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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