do Observatório de Geopolítica
Repressão financeira
por José Francisco Lima Gonçalves
Repressão financeira é um termo criado por economistas ainda no início dos anos 1970, com a crise do dólar. A ideia é que restrições à liberdade de movimento de capitais prejudicam o “crescimento”. Nos mercados nacionais e globais, a liquidez dos ativos seria impulsionada pela redução do gasto público, defesa da riqueza privada e ampliação do espaço para a acumulação financeira.
Assim, pode-se olhar o Euromercado como a ruptura das contenções impostas por Bretton Woods. O comércio internacional e a internacionalização da indústria manufatureira já não valorizavam a massa de riqueza financeira acumulada com a abundância de dólares.
Consolidou-se o termo nos anos 1980 como “saída” da crise da dívida dos emergentes. O instrumento fundamental foi a conversão de contratos de dívida em títulos líquidos, valorizados ou desvalorizados no mercado secundário de dívida pública internacional.
Virou moda no início dos 1990, resultando na agenda da liberalização. Reduzir o “tamanho” do Estado e abrir as contas correntes e de capital pelo mundo completavam a globalização do capital, o capital globalizante e globalizado, na feliz sugestão de Eichengreen. Novamente depois da crise de 2008 e, agora, de novo, vai sendo ressuscitado.
De um certo ponto de vista, coincide com a industrialização, voltada para fora, de países asiáticos, com a desindustrialização da América Latina, com a entrada da China no mercado mundial de mercadorias, com a relocalização da manufatura global – as cadeias – e com a expansão e aprofundamento da fronteira agrícola e de extração mineral.
Esse processo de transformação e expansão do capital produtivo foi acompanhado pela construção de monumental dívida pública e privada. Do lado produtivo, a concorrência, sempre impulsionada pelo Estado, rompeu limites tecnológicos e recriou o mercado de trabalho líquido, adequado à liquidez imperiosa da defesa do estoque de créditos privados, contra o Estado ou contra outros créditos.
A grande crise financeira do entorno de 2008 obrigou o capitalismo a dar um passo adiante na articulação estatal da estabilização dos mercados e um passo atrás na liberalização. A brutal intervenção dos principais bancos centrais no mercado primário e secundário da dívida pública destruiu qualquer sonho de avanço na liberalização financeira.
A disputa pela vanguarda tecnológica, assentada na complementaridade da economia chinesa com crescente porção da economia mundial, é acentuada pela exportação de capital chinês para desenvolvimento da infraestrutura e de mercados industriais na periferia. O movimento é de integração global mais intensa ao lado de redução da relevância das cadeias de valor.
A pandemia e a guerra na Ucrânia apenas concentraram e aceleraram a mudança. A globalização se fortalece, consolida novas bases. A repressão financeira faz parte do jogo.
José Francisco Lima Gonçalves é professor da FEA-USP e economista chefe do Banco Fator
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