Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Xi Jinping termina seu giro europeu com Putin, por James Onnig

Putin sabe que a China é o esteio econômico da Rússia depois de iniciada a operação militar especial no leste da Ucrânia

Sergei Savostyanov – TASS

Xi Jinping termina seu giro europeu se despedindo de Putin em Beijing

por James Onnig

Pode parecer estranho, mas o título desse artigo sugere sim que dois eventos diplomáticos sequenciais estão conectados por vias geoestratégicas e geopolíticas. A visita do líder chinês, Xi Jinping a Europa e a visita do Presidente russo, Vladimir Putin a China, no contexto das comemorações dos setenta e cinco anos de relações entre os dois países, tem muitos assuntos direta e indiretamente interligados.

Com foco na França, Sérvia e Hungria, países já estão inseridos na realidade econômica e política chinesa, a viagem serviu para alguns ajustes finos e discussões sobre o complexo momento geopolítico global.

Na Sérvia, a visita foi marcada pela recordação dos 25 anos do bombardeio da embaixada chinesa pela OTAN em Belgrado. Mesmo assumido como um erro seguido de um pedido de desculpas, Beijing não esquece. Três jornalistas chineses morreram enquanto forças capitaneadas pelos Estados Unidos retaliavam o governo sérvio pela repressão em Kosovo em 1999.  durante as retaliações pela guerra em Kosovo em 1999.

Foi nesse contexto que no discurso de recepção, Aleksander Vucic, presidente sérvio, incluiu de forma enfática a frase – “Taiwan é da China” – que não pode ser encarada simplesmente como uma menção de apoio a unidade chinesa. Vucic destacou o tema buscando reforçar o apoio chinês ao problema de Kosovo.

Desde 2008 os sérvios de Kosovo e a Sérvia não reconhecem a independência da província de maioria de população albanesa. Vucic tem forte influência nas poucas cidades de maioria sérvia em especial ao norte do Rio Ibar, epicentro do nacionalismo sérvio em Kosovo. O apoio chinês a Sérvia já é percebido também no campo militar com a venda de sistemas de mísseis e de defesa para o governo de Belgrado. 

No campo do intercâmbio econômico e comercial, destacam-se os investimentos chineses concentrados em infraestrutura, em especial no setor ferroviário.

Na visita a Hungria a recepção comandada por Orban foi digna de um país amigo, parceiro e irmanado pelas relações amistosas em comum com a Rússia e com Vladimir Putin. Os projetos ferroviários também ocuparam um importante espaço na agenda. Além disso, Xi Jinping reforçou as intenções de que a primeira planta de produção integral de veículos elétricos da BYD em território europeu será nas cercanias de Budapeste. Escusado dizer que o projeto é muito interessante para Orban e seu grupo político.

A visita aos dois países teve também uma conotação geoestratégica importante. Os projetos de integração ferroviária com trens de alta tecnologia visam otimizar o transporte e a distribuição de produtos chineses para todo o continente europeu em breve.

A intenção é interligar essa futura rede de trilhos com o Porto de Pireus na Grécia, propriedade da chinesa COSCO (China Ocean Shipping Company) que assumiu o controle acionário da concessão até 2052. É importante lembrar que a operação teve e ainda tem problemas no cumprimento das leis trabalhistas da União Europeia gerando tensões sociais com a mão de obra local. As tradicionais comunidades pesqueiras gregas das cercanias acusam as autoridades do porto de promover dragagens sem os devidos cuidados ambientais alterando contornos litorâneos e consequentemente a atividade pesqueira.

Essas novas parcerias ganharam relevância quando a Itália anunciou recentemente a sua retirada do ambicioso projeto chinês da “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative). Era o único país do G-7 (grupo dos países mais industrializados) que fazia parte da iniciativa. O acordo assinado em 2019 parecia auspicioso para a Itália sempre às voltas com períodos de retração na economia. Infraestrutura energética e de transporte com financiamento chinês poderia ser um bom caminho. Ocorre que isso não se concretizou. Os investimentos chineses na Itália foram menores que em outros países do velho continente e a balança comercial não apresentou qualquer vantagem para a “Bota”. A Itália continuou comprando da China muito mais do que a China da Itália.

A Itália não pareceu atrativa para o capital chinês e os reais motivos demandariam uma pesquisa. Na via contrária as questões políticas e geopolíticas se impuseram. A Itália governada por Giorgia Meloni desde 2022 é abertamente aliada dos Estados Unidos e de outros países europeus no apoio a Ucrânia em conflito com a Rússia, importante aliada de Beijing. Além disso, o governo Meloni comunga da ideia de que os chineses são adversários geopolíticos pela hegemonia econômica global antagonizando com o bloco ocidental. Deixar de participar da “Nova Rota da Seda” era esperado desde 2023.

Para abordar o encontro entre Macron e Xi Jinping tornam-se importantes algumas reflexões precípuas. As reuniões diplomáticas em Paris foram realizadas no contexto dos 60 anos de reconhecimento francês da República Popular da China. Em 1964, em plena Guerra Fria, Charles De Gaulle, então Presidente da França, gerou uma crise diplomática com os Estados Unidos ao estabelecer relações formais com a chamada China Comunista. A intelligentsia chinesa não esqueceu que a França os incluiu no seu horizonte institucional quase uma década antes de outras grandes potências ocidentais e muito antes do crescimento econômico chinês.

É definitivamente uma relação consolidada e que goza de uma respeitabilidade mútua sedimentada. Rusgas, disputas, discordâncias entre Beijing e Paris devem ser vistas dentro desse “pacote” histórico.

O caráter prático da visita da comitiva chinesa teve uma extensa pauta. Além de defender os seus produtos das inúmeras acusações de dumping, os representantes chineses demonstraram aos seus pares franceses o descontentamento com batidas policiais em escritórios de empresas chinesas na Alemanha e no Reino Unido, acusados de encobrir atividades de espionagem.

Para os governantes franceses é importante ouvir atentamente os representantes chineses. A China é hoje o maior parceiro comercial da França depois da União Europeia (26 países). De produção de hidrogênio a baterias passando por parcerias entre empresas para a ampliação do metrô de Beijing, os encontros versaram sobre assuntos realmente representativos do tamanho das duas economias. Um deles foi celebrar o aumento da participação acionária do grupo chinês DongFeng Motors no conglomerado Peugeot-Citroen. Outro tema bem simbólico e a viabilização de uma segunda planta da Airbus na China.  

O caráter essencialmente político e geopolítico das conversações entre Emmanuel Macron e Xi Jinping certamente foi mais complicado. Dona de uma considerável autonomia energética com predomínio da energia nuclear, a França pouco depende do gás ou petróleo russo. É a partir dessa situação que também pode se analisar as posições do presidente francês.

Na reunião trilateral França – China – União Europeia com a participação da Presidenta da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, as desconfianças com Beijing foram explicitadas. A primeira é que o apoio chinês a Rússia está sendo determinante para o fôlego russo no esforço de guerra. Para os europeus o suporte chinês para a indústria bélica russa pode caracterizar envolvimento no conflito.

O queixume continuou através de comentários de stakeholders europeus. Existem desconfianças de que compras-importações por parte de empresas chinesas na verdade estão sendo feitas para burlar as sanções e fazer chegar à indústria russa, peças, softwares e equipamentos que estão proibidos de serem vendidos para Rússia. Van De Leyen chamou esses produtos de bens de dupla utilização, já que servem sim para a indústria chinesa, mas também podem ser repassados a Rússia.

A resposta de Xi Jinping foi incisiva tanto no discurso da cerimônia quanto em artigo na mídia impressa francesa:

“A China não é parte e nem participante do conflito na Ucrânia e está disposta a participar de todo e qualquer esforço com a França e a comunidade internacional para promover a paz e o fim das hostilidades”

Tal qual uma mensagem cifrada a resposta do dirigente chinês abriu as portas para que a França movimentasse suas peças no tabuleiro geopolítico e sinalizasse que aguardaria um sinal da China para iniciar conjuntamente algum esforço pelo fim do conflito.

Quando Vladimir Putin desembarcou em Beijing na semana passada obviamente não houve nenhum pedido formal de Xi Jinping para que Putin encerrasse o conflito. Ocorre que um ambiente de segurança global é fundamental para a estratégia chinesa de ampliar sua influência em escala global.

Putin sabe que a China é o esteio econômico da Rússia depois de iniciada a operação militar especial no leste da Ucrânia e consequentemente as sanções e o isolamento russo. Os recursos energéticos comprados pelos chineses, o fornecimento de equipamentos e máquinas e a entrada de marcas chinesas na Rússia ocupando o espaço comercial deixado pelas marcas estadunidenses e europeias no setor de consumo foram fundamentais para manter os russos fortes.

  Tendo sinais positivos de Macron, contando com a amizade e parceria estratégica que se aprofunda com Putin, Xi Jinping colocou a China no centro da solução do conflito ucraniano, uma das mais impactantes crises geopolíticas dos últimos tempos. Certamente qualquer arranjo ou iniciativa da comunidade internacional, seja ela provisória ou definitiva, para o fim dos combates na Ucrânia, passaria por Zhongnanhai.

 Encerro esse artigo no momento que leio o querido Jamil Chade noticiando que China e Brasil apresentaram uma proposta conjunta de desescalada do conflito e realização de uma conferência internacional de paz. Considerando o “tempo da diplomacia” Xi Jinping não esperou nem o avião de Putin fechar a porta.

James Onnig – Analista internacional e Professor de Geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da FACAMP – Faculdades de Campinas – SP

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