Transparência e democracia, por Marcos Lisboa e Felipe Salto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Transparência e democracia

Por Marcos Lisboa e Felipe Salto

Quanto custa construir uma escola pública ou um hospital? Qual o resultado obtido pelos diversos gestores públicos, quando comparados a grupos que enfrentam desafios semelhantes? Quem são as empresas contempladas pelos empréstimos subsidiados, quais os critérios dessa partilha de recursos e quais são os benefícios obtidos pela sociedade? Qual o retorno dos impostos no Brasil? Essas e outras questões poderiam ser mais bem respondidas com a ampliação do acesso a dados sobre as políticas públicas no Brasil.

Mancur Olson, em “A lógica da ação coletiva” (1965), argumentou que a possibilidade de obter benefícios do Estado estimula a mobilização coletiva de grupos relativamente pequenos e homogêneos (como os empresários beneficiados pelas políticas do BNDES). A natureza difusa e pouco transparente dos custos dessas ações, no entanto, que recaem sobre o restante da sociedade, dificulta o debate democrático e a deliberação sobre o uso mais eficiente dos recursos públicos.

As políticas públicas, para serem executadas, implicam custos sociais, ainda que alguns tentem vender a falsa ideia do “almoço grátis”, aproveitando-se da pouca transparência das consequências das medidas.

A avaliação de resultado permite ampliar as políticas mais bem sucedidas e rever as menos eficazes.

O Estado conta com apenas quatro formas de financiar as suas ações: arrecadação de tributos, emissão de dívida pública, emissão de moeda ou imposição de subsídios cruzados nas relações de mercado. Os impostos reduzem a eficiência produtiva, desestimulando a produção e o consumo. A dívida gera despesas com juros pagas aos tomadores de títulos do governo, que ocupam espaço importante no orçamento público (5% do PIB). A emissão de moeda gera inflação, implicando um imposto pouco transparente para toda a sociedade. Os subsídios cruzados garantem benefícios a alguns à custa dos demais.

A maior transparência garantiria melhor controle democrático das políticas públicas. A avaliação de resultados em conjunto com a valorização dos gestores mais eficientes e eficazes são instrumentos para uma agenda de maior qualidade da política pública. O acesso aos dados permitiria identificar e valorizar os melhores gestores públicos e cuidar dos menos produtivos. A boa gestão – transparente e meritocrática – já existe em diversas cidades, como em Sobral, no Ceará, e teve como consequência a melhora do ensino fundamental. A avaliação de resultado permite ampliar as políticas mais bem sucedidas e rever as menos eficazes.

O Brasil tem 36% do PIB de carga tributária e um déficit nominal (receitas menos despesas totais, incluindo juros), que indica a necessidade de emissão de dívida de cerca de 3,5% do PIB. Infelizmente, o Brasil apresenta resultados piores, do ponto de vista do avanço social – quando tomamos o Índice de Desenvolvimento Humano ou os indicadores de avaliação da educação, por exemplo – do que os obtidos por países emergentes, muitos dos quais com carga tributária menor do que a brasileira.

O país acaba de aprovar o Plano Nacional de Educação (PNE), que elevará o gasto nesta área de 6% do PIB para 10% do PIB até 2024. A melhora da educação pública e a melhor qualificação das novas gerações são, certamente, temas fundamentais para a política pública. Qual a eficiência dos recursos atualmente gastos? Quão eficazes são nossos professores? Quais são os mais bem sucedidos em educar os nossos filhos e como gerimos a política educacional e a escolha dos diretores de escola? Quais são os resultados obtidos em comparação com países em estágio semelhante de desenvolvimento? Não deveríamos remunerar melhor os professores mais eficazes em educar nossos filhos? Para isso, porém, seria necessário conhecer o resultado da sala de aula, com a avaliação independente dos resultados obtidos.

A promulgação da lei de acesso à informação (lei 12.527/2011) foi um passo importante, mas ainda insuficiente para o aumento da publicidade nas ações do governo. É preciso instituir um sistema simples, fácil de usar e completo. Há algumas iniciativas, sob a liderança de ONGs e associações, que têm buscado suprir essa escassez de informação, como é o caso do recém-lançado portal “Meu Município” (www.meumunicipio.org.br) e da ONG Contas Abertas.

O Estado, entretanto, poderia dar uma resposta mais incisiva para esse problema. Uma democracia consolidada, como a brasileira, não pode prescindir de mecanismos que permitam o acesso aos dados sobre os custos das políticas públicas e sobre seus efeitos. E não basta apenas criar portais e ferramentas. O acesso das universidades e institutos de pesquisa às informações relevantes e aos resultados das diversas agências públicas permitiria a análise dos resultados obtidos e colaboraria com a melhora da política pública.

Quais os custos de oportunidade dos recursos concedidos pelo BNDES? Por que não disponibilizar os dados sobre os beneficiados com recursos públicos de modo a avaliar os resultados obtidos? Quantos empregos poderiam ter sido criados fosse outra a destinação dos recursos? Não seria preferível ampliar a política social ou reduzir a carga tributária? A transparência dos recursos públicos transferidos a interesses privados e a discussão sobre os seus resultados auxiliariam no debate democrático das escolhas das políticas públicas.

“À noite, todos os gatos são pardos”, reza o dito popular. O juiz americano Louis Brandeis dizia: “A luz do sol é o melhor desinfetante”. Não há como rejeitar ou aprovar aquilo que não é permitido conhecer. Pior, não há como cobrar mudanças se o conhecimento sobre o estado atual das coisas for obscuro.

A transparência nas ações do setor público é condição indispensável à consolidação das deliberações democráticas e ao fortalecimento do desenvolvimento econômico e social, permitindo que o contraditório se estabeleça assim como o debate acerca das questões relevantes à coletividade.

Marcos de Barros Lisboa é vice-presidente do Insper.

Felipe Salto é professor dos cursos lato sensu da FGV/EESP e especialista em finanças públicas da Tendências.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. O petróleo do Mar do Norte,

    O petróleo do Mar do Norte, explorado a partir da década de 1970 por uma companhia pública enriqueceu a Noruega. Aquele país soube aplicar bem a receita oriunda do petróleo. Podemos fazer o mesmo com Dilma Rousseff ou abortar o desenvolvimento nacional com Marina Silva e Aécio Neves. Já fiz minha escolha: o que é nosso, deve ser por nós explorado em benefício das gerações futuras de brasileiros.

  2. Como dizia o rock da Blitz:

    Como dizia o rock da Blitz: tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas,.. realmente, mas… realmente….

    A expressão “crime do colarinho branco” não nasceu para qualificar atos do setor público. Foi criado, por um sociólogo americano, para tratar de crimes dentro das corporacoes (privadas). Aqui, quando se fala em transparencia, sempre se menciona entes públicos. Ok, tudo muito bom, tudo muito bem, mas… realmente,r ealmente… Fico me perguntando porque entes privados (inclusive e soberetuo aqueles que se beneficiam de inventivos,  benefícios e creditos publicos)  nuna são nomeados? Tenho uma propostinha para esse tipo de articulista “evangélico” e cheio de frases bondosas, bem intencionadas. Algo que nao é novo, tambem já tem experiencias internacionais – por exemplo, a legislaçãoa alemã do pós-guerra (que outros paises tambem tem) sobre os comites de emprsa. O direito dos trabalhadores elegerem um comitê, com estabilidade durante o mandato e mais um periodo de carência. O comitê teria o direito de promover reunioes periodicas na empresa  e teria acesso às informaçoes da empresa. Simples. É claro que vai vir a famosa defesa do sigilo necessario para se salvar da competição, uma esfarrapada tentativa de esconder que dentro das empresas privads a corrupção é tao relevante (senão maior) do que no setor público. O tal sociólogo que mencionei (o criador do termo crime de colarinho branco) já mencionara um caso: gerentes de bancos podem fazer coisas do arco da velha, isso não interessa ao banco levar à justiça ou aos jornais. O cara “é saído” com um acordo de cala-boca. Pros clientes não saberem que já pagaram o pato. Vale pro cara que botou soda cáustica e detergente no leite em caixa e assim por diante. Os bons mocinhos que escreveram o artigo podiam pensar em coisinhas assim. Se os patrões deles deixarem, claro.

  3. aqui já há uma lei de acesso

    aqui já há uma lei de acesso à informação…

    então é usá-la…

    m]as acho tb que essa lei deveria valer para a iniciativa privada.

    ou talvez precisasse de conselhos populares

    nas fábricas e empresas, onde estão os verdadeiros problemas dos trabalhores,

    curiosamente jamais levantados pela grande mídia nem pelos empresários .

    pois todo mundo tá careca de saber que

    é ali no chão da fábrica que rola  a opressão contra os tabalhadores.

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