A quem interessa a austeridade fiscal?, por Rubens R. Sawaya

Os argumentos centrais contra o gasto público vestem roupas teóricas, proporcionando um ar “científico”.

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A quem interessa a austeridade fiscal?

por Rubens R. Sawaya

Professor do Departamento de Economia e da Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP.

“A restrição à soberania dos Estados nacionais por parte das “forças de mercado” equivale a uma restrição da liberdade de decisão democrática de seus povos…” (Streeck, Wolfgang “Tempo Comprado: a crise adiada do capitalismo democrático” p.128, Boitempo, 2018)

“Apropriação dos governos pelo endividamento público … os grandes grupos financeiros têm suficiente poder para impor a nomeação dos responsáveis em postos chaves como os bancos centrais ou os ministérios da fazenda, ou nas comissões parlamentares…” (Dowbor, Ladislau, “A era do capital improdutivo: a nova arquitetura do poder, dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta”, Outras Palavras, 2017)

De volta para o futuro: o ajuste fiscal expansionista – o absurdo de que o governo pode cortar gastos o quanto quiser que a economia se expandirá – da “Ponte para o Futuro” que vem destruindo o país desde 2015 e culminou com o bolsonarismo, retorna com força bruta.

Dizem que o “mercado” não tem cara. Mas quando abrimos os jornais, vimos estampada nas manchetes e nos artigos sua cara, com nome e endereço. Como um tsunami, invadem a mídia defendendo a austeridade fiscal! Usam para isso seus economistas de plantão, bem remunerados, com suas bases teóricas metafísicas, muitos deles construtores da “Ponte para o Futuro” (https://terapiapolitica.com.br/author/rubens-r-sawaya/).

Depois de não conseguirem viabilizar a “sua via” chamada de “terceira”, assustados com o desastre bolsonarista acabaram por apoiar Lula, mas já totalmente armados para tomar o poder como em 2015. Assim bradam: “sem ajuste fiscal, estamos contra”. Pior, podem inviabilizar o governo pelo poder financeiro que dispõem sobre um congresso tomado pelo fisiologismo do “centrão” que só responde por incentivos financeiros. Ameaçam assim colocar a governabilidade de Lula em xeque.

Por isso, parece necessário explicar porque brigam pelo controle do Estado e se a justificativa teórica de que se valem tem algum sentido real. O que desejam é o controle sobre o Estado e sobre o fundo público, o controle sobre a economia que se materializa nas chamadas “reformas”, todas elas constantes do programa “Ponte para o Futuro” de 2015.

Para além disso, a questão nada tem a ver com descontrole fiscal que, como entre 2003 e 2014, anos de governo PT, a relação dívida/PIB apenas caiu com aumento de gastos.

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A justificativa falsa tida como “técnica, ou teórica”

Os argumentos centrais contra o gasto público vestem roupas teóricas, proporcionando um ar “científico”. A base está na teoria do equilíbrio geral do século XIX, modernizada pelo conceito de “Market Clearing” com um tom de “equilíbrio dinâmico”. Parte da ideia de que a economia está sempre navegando em torno do equilíbrio entre oferta agregada (capacidade produtiva do país) e demanda agregada (centrada no consumo). Os defensores dessa teoria creem que tudo que é produzido é sempre vendido o que seria garantido pelo sistema de preços flexíveis, o indicador alocativo perfeito para empresários imaginários atuando em concorrência perfeita, como se o mundo real não fosse constituído por grandes empresas e oligopólios transnacionais que, na verdade, definem os preços.

A partir dessa abstração, a oferta agregada seria limitada pela disponibilidade de fatores de produção, do emprego ofertado pelos trabalhadores em função do nível de salários reais que desejam receber. A demanda de trabalho das empresas, o aumento da produção, dependeria assim dos trabalhadores. Nessa lógica do equilíbrio, o produto seria sempre maximizado (oferta agregada) supondo que os empresários, em concorrência, sempre investirão e produzirão o máximo possível dada a tecnologia e a disponibilidade de trabalhadores dispostos a trabalhar pelo salário vigente. São os trabalhadores que decidiriam a oferta e sua restrição. Por isso a defesa da reforma trabalhista que retira o poder dos trabalhadores o que os obrigaria a aceitar salários mais baixos, imaginando que, com os isso, esses empresários abstratos investiriam.

Neste mundo do equilíbrio geral mágico, todos os recursos disponíveis, trabalhadores que desejam trabalhar pelo salário vigente, estariam sempre sendo totalmente utilizados e a oferta agregada definida em seu nível máximo. Os preços flexíveis seriam os indicadores perfeitos na alocação dos recursos (trabalho) escassos. Assim os empresários sairiam de setores de preços mais baixos e menos lucrativos, suposto excesso de oferta, e investiriam em setores de preços mais altos, suposto excesso de demanda, garantindo o equilíbrio geral do mercado fundado na ideia de que milhares de empresários atuam em concorrência. As empresas nunca teriam capacidade ociosa e, portanto, produziriam no limite, sem poder aumentar a oferta em resposta a pressões de demanda. A inflação é sempre resultado de pressões de demanda ou de seu correlato, a “confiança” dos agentes de que ninguém interferirá neste mundo perfeito.

Adicionalmente, nesse mundo do equilíbrio geral baseado na maximização do uso dos recursos disponíveis, acredita-se que se o recurso não é usado de uma forma, será usado de outra. A poupança (recursos financeiros não gastos) se tornará sempre investimento realizado por empresários. Não existiria dinheiro especulativo livre nas mãos dos bancos que não fosse gasto produtivamente por alguém. Bancos seriam apenas intermediários. Não existiriam “recursos” disponíveis e o “mercado” garantiria assim sua perfeita alocação.

Nesse mundo, se o governo intervier pelo uso de políticas fiscais expansionistas, deficitárias, atrapalharia essa lógica suposta perfeita. O gasto público e a cobrança de impostos, mesmo que em equilíbrio fiscal, interfeririam negativamente na suposta alocação perfeita regulada pelo mecanismo de preços livres. Por isso a defesa do Estado mínimo.

O déficit público seria, portando, sempre inflacionário porque impactaria a demanda agrega diante de uma oferta agregada já no limite superior. Atualmente, dizem que impacta na “confiança” dos agentes que conheceriam as suposições do equilíbrio geral expostas e, assim, formariam suas “expectativas” racionalmente sobre o futuro. Supondo-se que a ação do Estado gera inflação, por antecipação estes “agentes” elevariam seus preços causando inflação e confusão no sistema alocativo perfeito. Na verdade, essa ideia baseia-se na suposição de que a inflação é sempre causada por pressões de demanda, mesmo quando, como hoje, é o resultado da elevação de custos (taxa de câmbio e preços internacionais) ou do poder das grandes empresas em defender suas margens de lucro, ou mesmo defini-las como quiserem por sua estratégia de disputa pelo valor econômico excedente.

Diante desse modelo teórico abstrato, considerado válido em qualquer lugar e em qualquer momento da história, sem relações de poder e controle de grandes corporações e grandes bancos, dizem, portanto, que a política fiscal é ineficiente e inflacionária. 

A Política Fiscal seria ineficiente?

A ideia de ineficiência da política fiscal funda-se em argumentos contábeis, de curto prazo fundados no equilíbrio geral de que se o Estado gasta, alguém tem que financiar ou deixar de gastar. Além disso, vê o Estado como uma família que só pode gastar o que ganha. Assim, o déficit fiscal teria sempre que ser financiado por antecipação “retirando-se” recursos financeiros de algum lugar, do investimento privado. Isso revela um total desconhecimento sobre a dinâmica macroeconômica.

Se o déficit público for financiado com emissão de moeda, dada a suposição do equilíbrio e de que moeda é um bem qualquer que perderia valor com elevação da quantidade (utilidade marginal decrescente), a emissão provocaria apenas inflação e não qualquer crescimento. Diante do aumento da quantidade de moeda, os consumidores correriam para as compras sob a suposição de que seria impossível elevar a oferta para satisfazer essa demanda. O resultado seria apenas inflação, o que não faz qualquer sentido em uma economia com capacidade ociosa e elevado desemprego.

De outro lado, imaginam que se o déficit for financiado por emissão de dívida pública, retiraria recursos dos investimentos privados disponíveis no sistema financeiro, provocando elevação nas taxas de juros. Geraria assim queda no investimento privado na mesma proporção, em nada afetando a atividade econômica. Criaria problemas na alocação de recursos interferindo no ajuste natural dos mercados via preços.

Ainda mais, imaginam que a emissão de dívida pública obrigaria a elevação da carga fiscal no futuro, os impostos. Os lucros dos empresários seriam mais tributados no futuro, diminuindo a renda das “futuras gerações” (equivalência ricardiana). Essa lógica carece totalmente de compreensão sobre a dinâmica macroeconômica.

Adicionalmente são reticentes ao financiamento do gasto público por uma reforma fiscal que eleve os impostos sobre os ricos. Fora o absurdo argumento de que são os ricos que investem na produção, de fato, taxar os ricos retira o dinheiro especulativo do sistema bancário, diminuindo a alavancagem e os ganhos do sistema. Se o governo arrecada e coloca os recursos em fundos públicos administrados pelo Estado ou em bancos públicos, diminui a liquidez disponível para os ganhos especulativos no mercado. Além disso, impede que o sistema ganhe duplamente ao emprestar essas grandes fortunas ao próprio governo, via dívida pública, em troca de juros pagos pelo o Estado. Assim, taxar grandes fortunas pode enfraquecer o sistema especulativo.

A partir desses argumentos, o gasto público seria sempre ineficiente, atrapalharia a alocação ótima dos “mercados”, geraria confusão no sistema de preços, e no fim inflação sem crescimento econômico. Atrapalharia a confiança dos agentes no mecanismo de preços como indicador alocativo perfeito do “mercado”.

O papel da dívida pública para os mercados especulativos  

A dívida pública tem um papel importante para o funcionamento dos mercados financeiros privados. Além disso, tem uma função central como forma de controle e apropriação privada sobre os fundos públicos. É por meio dela que se controla o Estado e as políticas econômicas.

O mercado financeiro afirma que, com o crescimento do estoque de dívida pública causado por déficits, o governo teria dificuldades de rolar a dívida e seria obrigado a elevar a taxa de juros. Caso contrário, se a taxa de juros não subir, o mercado se recusaria a comprar os títulos e deixaria o Tesouro sem ter como refinanciar a dívida. Segundo esse argumento, poderia se chegar a um ponto em que o Estado teria que dar um calote na dívida pública por falta de refinanciamento.

Essa lógica é absurda porque, se isso ocorresse, quebraria o próprio sistema financeiro “credor”. Os bancos não querem o fim de dívidas (de qualquer tipo), mas ganhar dinheiro com sua manutenção, assim como fazem com o cheque especial – o objetivo é sempre te manter devedor pagando e abocanhar uma parte do seu salário pelo pagamento de juros. Melhor, uma dívida contra o Estado é um recurso líquido, todo o sistema financeiro aceita o ativo com meio de pagamento, é garantido pelo Estado, remunerado ainda por taxas de juros pagas com recursos públicos do próprio Estado, ou dos impostos que pagamos.

O estoque de dívida pública no ativo dos bancos serve como colchão de liquidez dentro do sistema financeiro, cumprindo praticamente o papel de reservas em moeda. Isso se deve a liquidez dos títulos público e ao fato de o Estado usá-los justamente para ajustá-la no sistema, garantindo inclusive a solvência dos bancos. Portanto é dinheiro líquido garantido usado no sistema. A emissão de dívida pública é, praticamente, emissão de dinheiro para o sistema, ainda mais com a vantagem de render juros. Cumpre ainda a função elevar a capacidade de alavancagem do sistema financeiro em outros negócios mais arriscados especulativos. É a garantia de um “caixa” líquido para cobrir operações especulativas arriscadas.

Assim, pode-se dizer que o sistema não quer uma relação dívida/PIB baixa. O que é importante para seu funcionamento é a garantia de liquidez e o controle sobre ela, o que depende de seu poder de comando sobre o Estado, sobre o ministro da Fazenda e sobre o Banco Central. Uma dívida/PIB baixa torna difícil justificar as políticas contracionistas e a pressão por elevação das taxas de juros básicas, assim como justificar de cortes de gastos com políticas sociais. O objetivo é garantir a apropriação sobre o fundo público e controle sobre as finanças do Estado, garantir o fluxo no pagamento de juros para o mercado especulativo.

Por isso a independência do Banco Central foi tão solicitada pelo sistema financeiro. Garante o controle do “mercado” financeiro sobre a dívida pública e sua taxa de juros, independente do Governo no momento. O Banco Central também controla a taxa de câmbio e tem um poder enorme em conter ou não ataques especulativos do “mercado”, com alto impacto sobre a inflação. No Brasil, o câmbio é a causa central da inflação, assim como a âncora cambial foi a forma de seu controle nos anos 1990.

Além disso, se o sistema financeiro não financiar o tesouro, além de não receber, acaba com “dinheiro” “empoçado”. Todas as vezes que isso ocorreu e foram para o mercado real de crédito, financiaram em excesso automóveis e tiveram problemas. Isso também ocorre com o financiamento de imóveis, mas com implicações menores porque hoje quem perde é sempre o comprador que não consegue pagar sua dívida e perde tudo que já pagou quando o imóvel é retomado.

Para o mercado, não comprar títulos públicos não tem sentido. Claro, sempre pressionam, politicamente, para aumentos nas taxas de juros sobre a dívida com o recorrente argumento “técnico” de “inflação explosiva”, exista ou não pressão inflacionária. Em economias como a brasileira, pressões inflacionárias são normais, causadas por desvalorizações cambiais que elevam custos das empresas, bem como por elevação de preços de produtos básicos internacionais, fatores que, em economias oligopolizadas e controladas por grandes empresas, são custos que são facilmente repassados aos preços. Assim, normalmente essa inflação nada tem a ver com demanda, o único caso em que se justificaria aumento das taxas e juros, mesmo assim, apenas quando realmente a economia estiver no pleno emprego ou com falta de capacidade ociosa.

Sob o pretexto de garantir a “confiança” dos agentes e a estabilidade de preços, a política de teto de gastos tem, na verdade, como principal função o controle do “mercado” financeiro sobre os mecanismos e a administração da dívida pública, o acesso direto ao fundo público. O comando sobre a política fiscal não deixa que recursos do fundo público sejam desviados do mecanismo especulativo e do pagamento de taxas de juros. Impede que sejam carreados, não apenas recursos aos bancos públicos que realmente financiam o investimento privado, mas também para gastos com políticas sociais, saúde e educação. Se o objetivo do teto de gastos fosse elevar os recursos para o investimento público ou políticas sociais, essas rubricas de gastos estariam fora do teto. O que está fora dos limites do teto é o gasto com juros da dívida pública, justamente alimentando o sistema e os ganhos especulativos.

A política de teto serve também para justificar a privatização de tudo com o falso objetivo de “ajuste fiscal”. Foi exatamente o que ocorreu na década de 90 quando o filé mignon das estatais foi vendido. O resultado foi o contrário: a dívida/PIB subiu de 30% para 80% na época. Hoje, a bola da vez é a Petrobras e Eletrobras.

Além disso, o sistema financeiro ganha na estruturação e engenharia financeira dos projetos de privatização, embora seu principal o interesse seja colocar essas empresas privatizadas (enormes) sob administração de seus fundos apropriando-se de seus lucros, como hoje ocorre com a Petrobrás, bem como fomentando os ganhos especulativos.

A incapacidade (ou interesse) de ver a lógica dinâmica macroeconômica

Os economistas (ortodoxos, funcionários do sistema financeiro) são capazes de provocar mais estragos do que a pandemia como bem demonstra os últimos 8 anos com sua “Ponte para o Futuro”. A piada é boa: um erro médico mata uma pessoa, um erro de engenharia talvez duzentas, um erro de política econômica pode matar milhares ou destruir a economia de um país. A insistência em cortar gastos públicos sociais com a preservação do teto de gastos é genocida.

A elevação da relação dívida/PIB pode ser um indicador de que a política fiscal está sendo ineficiente. O PIB é o valor produzido por um país. Uma política fiscal eficiente é, portanto, aquela que mantém a relação dívida/PIB em uma perspectiva temporal de longo prazo, dentro de uma estratégia de crescimento e desenvolvimento. Não importa o tamanho, mas a estabilidade no tempo. Há países, como o Japão, que têm dívida/PIB superior a 200%.

Como provocação, tomando-se uma empresa, se seu endividamento cresce mais do que o valor que produz (seu faturamento), poderá ter problemas financeiros no longo prazo, mesmo porque não emite moeda para pagar sua própria dívida (como o Estado) e depende de suas vendas no longo prazo. Mantendo o paralelo ‘privado igual a público’ como gostam os ortodoxos, neste caso o Estado pode sim ser comparado a uma empresa que deve manter seu grau de endividamento sobre seu faturamento estável em perspectiva no tempo no longo prazo.

Claro, há momentos de forte investimento em que a empresa privada eleva seu endividamento, mas que poderá diminuir no futuro – a depender de sua estratégia – com o valor que o próprio investimento de hoje criará no futuro, o que tornará possível pagar dívidas e fazer novas. Os gastos com investimentos se pagam no tempo, com receitas futuras. A nenhuma empresa interessa zerar sua dívida, ao contrário, interessa contar com o máximo de capitais de terceiros, dado o potencial que cria para alavancar sua produção de riqueza no tempo, sua estratégia de crescimento.

Até aqui, essa situação em relação ao Estado não é diferente. Se o Estado eleva sua dívida para promover investimentos públicos, criará valor suficiente para pagar a própria dívida, como qualquer empresa privada. Claro, não pressionará a demanda agregada nem os juros se o desemprego é elevado e há recursos ociosos, portanto, não é necessariamente inflacionário. Sim, como qualquer movimento de crescimento econômico, sempre haverá pressões inflacionárias diante dos diferentes ritmos de elevação da oferta, normal em diferentes setores.

Mas, o Estado não é uma empresa. Não porque emite dívida em sua própria moeda, mas porque seu investimento gera, não apenas um retorno sobre si mesmo como qualquer investimento privado, mas um retorno oriundo da atividade econômica que fomenta. Um investimento em infraestrutura não precisa se pagar por cobrança de tarifas como se fosse privado.

Investimentos públicos, se bem realizados, têm a função de promover os investimentos privados, criar um fluxo de investimentos derivados privados que elevam o emprego, a renda, o produto. Tem por função elevar demanda efetivamente no médio e longo prazo. Assim eleva a arrecadação de impostos sem qualquer aumento na carga fiscal, no percentual pago de impostos sobre a renda agregada – portando sem qualquer peso sobre as “gerações futuras”. Claro, a questão central é a qualidade do gasto público. O gasto de pior qualidade, que não cria qualquer efeito dinâmico sobre a economia, é o gasto com juros da dívida pública sempre elevado por pressões do mercado financeiro.

Portanto, o investimento público conta com outra fonte de retorno, o que o diferencia do investimento privado que deve seu autofinanciar pela receita com vendas que criará. O investimento do Estado pode se financiar com receitas (tipo pedágio em estradas), mas se financia principalmente pelo próprio crescimento econômico que gera, pelo fluxo dinâmico, na matriz insumo-produto, no fomento de setores da cadeia de produção, impactando e incentivando o investimento privado, objetivo principal do gasto público em economias capitalistas. Essa ação é ainda mais importante quando o desemprego é elevado e as empresas estão com capacidade ociosa. O gasto público funciona como uma máquina que move a economia rumo ao crescimento e desenvolvimento.  

Esse efeito dinâmico sobre a economia é a base a partir da qual deve ser pensado uma elevação do déficit público e da dívida pública. É importante abandonar falácia de que é a austeridade fiscal que cria essa dinâmica, principalmente por conta de seus pressupostos metafísicos, não reais.

É preciso superar a base estreita de curto prazo fundada na visão pobre de que receitas devem se equilibrar com as despesas. A economia deve ser pensada no longo prazo, como dinâmica e não no mesquinho curto prazo.

Com um gasto público bem planejado em face à dinâmica que cria, incentiva o investimento privado. No longo prazo as futuras gerações, não apenas não terão qualquer encargo financeiro adicional para pagar, como terão escolas e hospitais de qualidade, casas para morar, infraestrutura de alto nível, emprego e renda.

No processo dinâmico, a relação dívida pública/PIB pode até baixar quando a economia cresce, exatamente como ocorreu entre 2002 e 2014. Portanto, não existe “questão fiscal” nem contradição entre gasto público e crescimento.

Isso no mais puro capitalismo, mas que só será possível se for superada, por parte de nossas elites, a visão mesquinha “curto-prazista” que só nos leva ao desastre, mas que tanto serve aos interesses do chamado “mercado.

Rubens R. SawayaProfessor do Departamento de Economia e da Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP.

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Redação

2 Comentários

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  1. Esses defensores de um fantasma, denominado mercado, estão comprometidos com a concepção segundo a qual o capitalismo é eterno. A história, que não vive de eternidades, já provou que não é. Nem os privilégios da aristocracia, que ela jurava, com ajuda dos papas, dos cardeais, bispos e tudo mais, não resistiram às transformações. Estas foram, então, lentas. As de agora atropelam o conservadorismo.

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