O dia da morte de Vargas, por Jânio de Freitas

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Um dia, um país

Da Folha de São Paulo

Por Jânio de Freitas

 

 

Era um agosto assim, quase todo de dias luminosos, porém mais quentes no Rio. Exausto, mal começava a dormir no início da manhã, quando ouvi a clarinada de um “Repórter Esso” fora de hora.

Foi só o tempo de tatear o botão do rádio para ouvir a frase dura e aguda como um punhal: “O presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio com um tiro no peito”. Em minutos, era o telefonema de Pompeu de Souza: “Vai para a Redação o mais rápido possível”. Começava o dia mais inesperadamente espantoso de que me lembre: 24, claro que de agosto.

Do final da véspera à alta madrugada, Armando Nogueira e eu andáramos, ida e volta, ida e volta, na calçada paralela à fachada do Palácio do Catete, do outro lado da rua alargada naquele trecho. Foi a maneira de observarmos os ocupantes de carros que entravam e saíam do palácio, valendo-nos de que a Polícia do Exército proibira a parada de curiosos, mas permitia a passagem na faixa isolada.

Esse andar incessante se confundia com meus primeiros passos no jornalismo, há pouco registrado como jornalista profissional no “Diário Carioca” e sem pensar em sê-lo de fato. O futuro imaginado ainda combinava asas e motores -para sempre inesquecidos.

Já era quase dia quando vimos que o portão do palácio ficou meio aberto, e arriscamos uma arrancada para entrar. Deu certo. Só na sala de estar bem interior vimos, afinal, uma pessoa. Sentado em uma das poltronas avermelhadas, uma perna sobre o braço da poltrona, a testa apoiada em alguns dedos e voltada para o chão. Sozinho.

Ministro da Justiça, o mais moço do ministério, Tancredo Neves nos mostrava muito mais do que nos dizia: a situação continuava muito difícil, a reunião do presidente com os generais não foi conclusiva (eles propunham a licença de Getúlio, que a recusava na certeza de que não o deixariam reassumir), hoje será um dia de muita tensão.

Deixamos Tancredo, cansado e triste, um dos poucos a não desertar da lealdade ao presidente.

Minha primeira tarefa, cedo ainda, foi ver o que se passava na Base Aérea do Galeão. Tornara-se a República do Galeão, assim chamada a exacerbação de poder militar adotada por coronéis e majores da FAB, na represália ao atentado a Carlos Lacerda em que morreu um major dos que lhe davam proteção.

Desde 6 de agosto, dia seguinte ao atentado, o país passou a viver em torno da exaltação concentrada na República do Galeão, e em crescendo permanente sob a agitação furiosa feita por Lacerda.

Logo acusado do crime por Lacerda, Getúlio ficou indefeso, objeto de um ódio coletivo que se propagava sem limites: monolíticos, a imprensa, a incipiente TV e o rádio, mais do que se aliarem à irracionalidade, foram seus porta-vozes sem considerar as previsíveis consequências para o Estado de Direito.

Só a “Última Hora” diferenciava-se, com a desmoralizada voz de causadora inicial da crise, por seu recente e grandioso nascimento sob patrocínio do governo e com dinheiro do Banco do Brasil.

Na caça vingativa à guarda pessoal de Getúlio, dada como autora do atentado, a República do Galeão ensandeceu o país. O getulismo, quase uma religião, evaporou. Os políticos governistas emudeceram ou sumiram. Até os sindicatos do trabalhismo voltaram-se contra o seu criador. Getúlio não tinha saída. Os majores e coronéis que vi chegarem ao Galeão, já sob enorme guarda, ornavam a sua arrogância com os ares de vitória proporcionados pelo suicídio.

O jornal me mandou voltar depressa. A República do Galeão não interessava mais: a cidade enlouquecia. Manhã ainda, multidões vagavam pelo centro. As caras, ou encharcadas de lágrimas ou enrijecidas de raiva. A “Tribuna da Imprensa” de Lacerda foi empastelada.

A redação de “O Globo” foi atacada, carros do jornal foram destruídos, o “Jornal do Commercio” teve sua oficina invadida, vários dos 17 jornais foram alvos da massa. Lojas, portarias, ônibus, bondes, automóveis, carros da polícia em fuga, a Câmara dos Deputados e o Senado, as cercanias dos guarnecidos ministérios do Exército e da Marinha, tudo devia pagar pelo abandono em que Getúlio fora deixado por todos, e pela própria massa.

No dia 23, o Brasil estava endoidecido de ódio a Getúlio. No dia 24, enlouquecido de paixão e saudade. Uma reversão assim súbita, generalizada e radical da opinião coletiva, de um extremo ao seu exato oposto, por certo é um fenômeno que não merecia o descaso dos pagos para pesquisar e estudar o Brasil.

Mais ainda porque são poucos a terem percebido, com o tempo, o que estava no substrato da convulsão. Sobretudo a Petrobras, mas também as muitas outras criações do governo, como o BNDE, contrapunham-se à situação de um país dócil ao capital estrangeiro das espoliações típicas da época, e seus associados nacionais.

A campanha contrária, no meio militar até segregacionista, ainda hoje pode ser vista, por exemplo, no sentido acusatório dado a “nacionalista”. O embaixador Adolf Berle Jr., contra Getúlio, abriu o caminho para o embaixador Lincoln Gordon, contra Jango. E os militares ini.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

20 Comentários

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  1. Mudanças depois de 60 anos, cadê?

    Nassif,

    Jânio de Freitas deve ter algum motivo para ter “viajado” desta forma, através de um longo tempo,60 anos.

    Petrobras, BNDE, país dócil ao capital estrangeiro, é a imutável agenda do butim. Ao mesmo tempo a famosa paixão dos brasileiros, quase sempre em busca de um Messias..

    “No dia 23, o Brasil estava endoidecido de ódio a Getúlio. No dia 24, enlouquecido de paixão e saudade. Uma reversão assim súbita, generalizada e radical da opinião coletiva, de um extremo ao seu exato oposto, por certo é um fenômeno que não merecia o descaso dos pagos para pesquisar e estudar o Brasil.

    Mais ainda porque são poucos a terem percebido, com o tempo, o que estava no substrato da convulsão. Sobretudo a Petrobras, mas também as muitas outras criações do governo, como o BNDE, contrapunham-se à situação de um país dócil ao capital estrangeiro das espoliações típicas da época, e seus associados nacionais.”

  2. Curisoso o texto não estar

    Curisoso o texto não estar completo e ser interrompido justamente quando Jânio iria analisar a posição dos militares. 

  3. No original no site da Folha

    No original no site da Folha o texto termina como “E os militares ini” 
    Assim mesmo, sem ponto final. Cortaram o texto pelo pé, como nos tempos do paste up?
    Curioso.

  4. Meu pai contava que à época

    Meu pai contava que à época era filiado e militante do partidão, que mais uma vez estava atacado de moralismo, e como sempre sem escalonar os “inimigos ” .

    Moral da história – e da História – após o suicídio teve que passar 2 dias fora de casa, ele e os outros militantes, correndo atrás do prejuízo , apedrejando a embaixada americana, sitiando o Lacerda na caixa d`’agua .

    Diga-se a bem da verdade que o principismo do partidão foi alimentado pela apatia da população na defesa do Getúlio antes que ele se tornasse mártir.

    Como bem diz o Janio, alguém deveria estudar essa radical mudança de comportamento das massas.

  5. Os dias de hoje

    Nada diferente do ambiente de golpismo que a mídia faz hoje. Essa mídia deveria ser destruida. Tomada dos seus donos a base de uma lei pesada de livre imprensa, sem monopólio das comunicações.

    1. Desculpe-me, Sergio, por

      Desculpe-me, Sergio, por discordar radicalmente.

      Os reacionarios que se mostrem, que apresentem suas ideias atrasadas, o medo a democracia.

      O que esta errado e muito atualmente é o pais não ter, ao menos, um orgão de informação que fale a verdade, que realmente informe, que mostre o que as ações do governo.

      O que os petistas fazem governando desta maneira é um suicidio politico.

      Governam mudos perante o povo, sem voz.

      A oposição é dona dos microfones e diz ou não diz o que lhe interessa. Isso quando não mente, inventa.

      Os governos petistas so não foram depostos porque o Lula é um fenomeno raro, rarissimo, na arte da comunicação.

      Mas a oposição, que de boba não tem nada, lhe tirou o microfone depois que saiu da presidencia.

      Ja a Dilma não tem o mesmo talento.

      Getulio tinha mais tempo no poder, mais experiencia.

      Chamou Samuel Wainer, o maior jornalista da epoca, um dos maiores da historia do jornalismo e o ajudou a fundar um jornal moderno, verdadeiro, informativo.

      Todos os avanços politicos, sociais, culturais acontecidos no Brasil nos anos 60, aconteceram com o apoio da Ultima Hora. Sem aquele jornal a historia do pais seria outra e bem mais amarga.

      Por isso Carlos Lacerda tinha tanto odio mortal ao Samuel e ao jornal.

      O lado dos brasileiros que acreditam e lutam pelo melhor para o povo e para a nação não tem voz, no presente.

      A mentira, desta forma,encontra espaço para ser espalhada.

      Duvido que houvesse um “mensalão” com a existencia de um jornal como foi a Ultima Hora.

      Duvido que o partido, que tentou mudar o nome da Petrobras para Petrobrax para privatiza-la, tivesse a ousadia de se apresentar, como agora, como defensor da empresa.

      E se, mesmo assim, agisse, seria desmascarados, visiveis as suas reais intenções.

  6. “Mais ainda porque são poucos

    “Mais ainda porque são poucos a terem percebido, com o tempo, o que estava no substrato da convulsão. Sobretudo a Petrobras, mas também as muitas outras criações do governo, como o BNDE, contrapunham-se à situação de um país dócil ao capital estrangeiro das espoliações típicas da época, e seus associados nacionais.”

    Aqui Jânio nos revela a real intenção dos traidores da pátria!

    Marina Silva reapresenta junto com sua cambada cheirosa os interesses dos assassinos econômicos, isto é: entregar tudo para EUA.

    É inadmissível a fraude desta composição e a omissão da mídia(eles não têm nenhum interesse com este País)…

    Já dizia a viúva de Chico Mendes: ” Marina Silva nunca foi ambientalista operativa e, agora só quer saber de poder…”

    Marina Silva é fascista e está cega por causa do seu ódio e revanchismo ao Lula e a Dilma…  

    É gente ruim….

    O pior são esses marineiros alienados….

    1. Por favor…vc tem um link

      Por favor…vc tem um link onde se possa ver a afirmação da esposa do Chico mendes sobre marina silva ? Obrigado.

  7. PROFECIAS

    CARLOS HEITOR CONY    –   FOLHA

    Getúlio, César e Brutus

    RIO DE JANEIRO – Em 1950, ao decidir voltar ao poder em regime democrático, Getúlio Vargas recebeu a carta de um amigo (o mesmo que anos mais tarde escreveria com ele a Carta Testamento), com uma advertência sinistra: “os liberticidas serão sacrificados, o senhor escapou da primeira (1945), não escapará da segunda. Há sempre um Brutus ao lado de um César”.

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/182154-getulio-cesar-e-brutus.shtml

  8. Não sabia

    Jânio de Freitas é mais idoso do que eu imaginava. Tem quantos anos? 80?

    PS: Acabei de descobrir. Nasceu em junho de 1932. Tem 82 anos. Não fazia a menor ideia disso.

    1. É esse :
      ” E os militares

      É esse :

      ” E os militares iniciaram em 1954 a marcha para 1964. “. Já está completa em Colunas de Janio de Freitas.

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