As palavras e as coisas do FMI, por Luiz Gonzaga Belluzzo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do Valor

As palavras e as coisas do FMI

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

O economista Frank Hahn morreu em Cambridge, Inglaterra, em uma fria madrugada de janeiro de 2013. Hahn é reconhecido por seus escritos rigorosos e críticos sobre os temas e os problemas suscitados pelas Teorias do Equilíbrio Geral. Seus estudos se concentraram nas dificuldades de enfiar a moeda, por exemplo, nos modelos Arrow-Debreu. Convocado a opinar sobre os modelos DSGE (Modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral), Hahn fulminou: são modelos Mickey Mouse. O enredo é de desenho animado, divertido, mas inconsequente em suas fantasias.

Hoje sacralizados em prestigiosas academias do planeta, os modelos Mickey Mouse predicam a “austeridade expansionista”, cujas desgraças se espalham pelas terras da União Europeia.

Na edição de outubro de 2014, o World Economic Outlook, publicação do Fundo Monetário Internacional, fugiu dos modelos Mickey Mouse, avaliou os benefícios do investimento público em uma conjuntura de baixo crescimento nos países centrais e deficiências na infraestrutura dos emergentes.

A ênfase, agora, deve ser colocada na busca de construção de nichos que acentuem nossas vantagens dinâmicas

Em seu segundo capítulo, a publicação semestral do Fundo Monetário cuida do investimento público como indutor da demanda agregada e de seu papel na irradiação de expectativas favoráveis à formação bruta de capital fixo no setor privado.

O estudo do FMI procura demonstrar que o aumento do investimento público afeta a economia de duas maneiras. “No curto prazo, impulsiona a demanda agregada mediante a operação do ‘multiplicador fiscal’, incitando o investimento privado (crawding in), dada a forte complementariedade ensejada pelo investimento em serviços de infraestrutura. No longo prazo, há um efeito sobre a oferta, na medida que a capacidade produtiva se eleva com a construção do novo estoque de capital”.

O texto prossegue em sua avaliação das consequências do investimento público sobre o produto potencial. Afirma que o gasto autônomo do Estado em uma economia com capacidade ociosa ou carência de infraestrutura pode determinar a evolução favorável da relação dívida/PIB no médio e no longo prazo.

Dependendo do “multiplicador fiscal” de curto prazo, da eficiência microeconômica dos projetos e da “elasticidade do produto”, o novo investimento pode levar a uma queda da relação dívida/PIB. O leitor atilado há de perceber que esses fatores conformam a capacidade de resposta do gasto privado aos estímulos do dispêndio “autônomo” do governo. Reminiscências keynesianas.

O investimento em infraestrutura executado ou organizado pelo setor público não concorre com o investimento privado, mas, ao contrário, serve como indutor ou o complementa. Desde o imediato pós-guerra, o exame da trajetória das economias emergentes confirma que o bom desempenho do investimento público foi crucial para a obtenção de taxas de crescimento elevadas. Nas economias industriais modernas, o investimento público desempenha uma inarredável função coordenadora das expectativas do setor privado.

A experiência internacional, sobretudo a dos países asiáticos, demonstra a existência de interações virtuosas entre o investimento em infraestrutura, expansão industrial, emprego e crescimento. Esses países executaram estratégias de “export led growth” com câmbio competitivo, fortes incentivos e duras exigências de desempenho impostas pelo Estado (intervencionismo!) para estimular o investimento privado.

A conjugação de esforços entre o setor público e o setor privado organizado sob forma de grandes empresas permitiu durante muitas décadas a manutenção de taxas de investimento e de crescimento econômico elevadas. Na China, o exuberante desempenho da economia brota do circuito virtuoso: expansão do crédito – investimento público em infraestrutura; aumento da produtividade com ganhos de escala; geração de saldos comerciais; elevação dos lucros e liquidação de dívidas.

No Brasil, a retomada do crescimento vai depender da capacidade do Estado de exercer sua função indelegável no estágio atual do capitalismo contemporâneo: coordenar as decisões privadas mediante a elevação substancial do investimento público em infraestrutura com o devido cuidado para garantir a difusão dos efeitos pelos diversos setores industriais que produzem e dão empregos.

As condições atuais da economia mundial provavelmente vão dificultar novas experiências de crescimento puxado pelas exportações, o que não significa o abandono dos projetos voltados para uma maior participação do Brasil nas cadeias globais de formação de valor. Essa integração às cadeias globais vai certamente exigir políticas comerciais distintas daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora, deve ser colocada na busca de construção de nichos que acentuem nossas vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação, sobretudo os articulados ao agronegócio, aos investimentos do pré-sal e às novas fontes de energia renovável.

Estes programas têm o potencial de compor os interesses públicos e privados e, assim, reanimar as avaliações empresariais de médio e longo prazo que guiam os investimentos das empresas. Ademais, a demanda gerada pelos gastos daí decorrentes devem irrigar setores importantes da indústria de transformação e o modelo de partilha do pré-sal pode contribuir para uma perspectiva muito mais favorável no médio prazo para a melhoria da situação fiscal e do balanço de pagamentos.

O que está em juízo é a capacidade do gasto público em despertar os espíritos animais dos empresários e, assim, recolocar a economia na trajetória do crescimento. O multiplicador keynesiano supõe uma animada disposição do setor privado de sair dos confortos da liquidez para arriscar a pele na geração de empregos e de nova capacidade produtiva.

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Até o FMI está defendendo o

    Até o FMI está defendendo o Estado Forte. E aqui, os tucanos e os derrotados da Marina defendem o Estado Mínimo.

    Sò mesmo um guru como oFHC para guiar essa turma de neoliberais.

  2. Nova economia da Dilma.

    Belluzo ou Bresser para ministro da economia e BNDS: direção para uma nova política industrial e reforma fiscal sem ‘choque de ‘(indi)gestão’. Nakano para BC: reforma monetária e fim da farra dos rentista (ganho tem de vir da economia real e não de impostos). Se Dilma fizer isso, esses caras podem ajudar explicar o futuro que se abre para o Brasil num mundo pra lá de complicado.

    Lula para relações institucionais: assim o homem explica pra todo mundo a direção do governo de forma clara e objetiva, consturando acordos neste congresso mais complicado desde 2002. E claro: qualquer um no lugar do Cardoso na ministério da justiça. 

  3. até o fmi renega o modelo

    até o fmi renega o modelo mickey mouse,

    símbolo da tal da “austeridade suicida”  na europa,

    que desmprega

    e diminui o ritmo da economia,

    entregando o governo aos financistas.

    mas os tucanos brasilieros  querem reviver esse modelo aqui.

    com os amigos do simpático rato, o pluto e o pato donald.

    o rico e ganancioio, mais  o avarento.

  4. “…e o modelo de partilha do

    “…e o modelo de partilha do pré-sal pode contribuir para uma perspectiva muito mais favorável no médio prazo para a melhoria da situação fiscal e do balanço de pagamentos.”

    Mais um motivo para Dilma ser reeleita. Sabemos que a coligação Rede/PSB/PSDB é contra o modelo de partilha. Aliás, contra tudo o que o artigo retrata.

    Quando governaram o país, os tucanos não construiram um porto, estrada, ferrovia, refinaria, aeroporto…Tudo bem, construiram um aeroporto, ou melhor, Aécioporto na simpática cidade mineira de Cláudio para atender a “pujante” economia local. Fora isso, foi o governo do nada. Agora querem tirar casquinha das obras em andamento do governo petista.

     

  5. Pessoal :
    Prof Beluzzo  é um

    Pessoal :

    Prof Beluzzo  é um grande cara.

    Acha que sabe tudo.

    Escreve um texto sobre um documento do FMI  onde  tira conclusões viesadas para seus conceitos.

    Ao ler o texto do Bellluzo se percebe que em diversos pontos chama a atenção para a aplicação do pretendido pelo  FMI desde  que sejam atendidos alguns pressupostos. E vai em frente, completa seu raciocinio considerando que a economia brasileria vai cumprir aqueles pressupostos  considerados, de maneira que os resultados indicados irão ser cumpridos..

    Ou seja, a receita vale se o doente  decidir seu curso de ação de acordo com o que acha que é melhor.

    Conclusão : obrigado professor Belluzzo pela  sua avaliação e pela sugestão de ação.

    Como sempre, não se tem certeza do diagnostico, mas mesmo assim  impõe um curso de ação.

    Não é a atoa que a situação economica  do Brasil  tem um vies negativo e se apresenta  com enormes nós a desatar..

    Mais uma vez o PT sabe descontruir mas não  aptidão, vontade, decisão politica, nem recursos humanos para construir.

    Seria menos traumatico se as alas masi radicais do PT se impussessem  gerando uma  situação de confronto.

    Esse  chove não molha do PT vai destrui-lo.

    Ou vamos  numa direção ou nos locupletamos todos.

  6. Economia

    http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.php

    Economia

     

    Sociedade de economistas, liderada por Leda Paulani, critica o engessamento que impera na política econômica e até no meio acadêmico.

    Por Amália Safatle

    Diante da ortodoxia que impera na condução dos rumos econômicos do Brasil e até mesmo no meio acadêmico, a Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), formada em 1996 por nada menos que 350 professores de economia do País, soltou há pouco tempo um manifesto crítico em relação à política econômica do governo Lula e a favor da discussão de meios alternativos e heterodoxos. Leda Paulani, que leciona na FEA-USP, eleita presidente da SEP por dois anos, solta a verve: “É absolutamente irracional você fazer um país de 179 milhões de habitantes depender de meia dúzia de investidores que podem dar no pé ao menor sinal de perigo”, diz.

     
    Diagnóstico.
    “A ortodoxia e a mídia elegeram o risco país, o c-bond e o câmbio como os três indicadores da saúde econômica do Brasil”

    Para Leda, a inflação tem sido usada como mero pretexto para manter os juros altos, enquanto a imprensa ajuda a cristalizar alguns mitos. “Elegeram-se três indicadores para avaliar a saúde da economia: o risco país, o C-bond e a taxa de câmbio”.

    No manifesto, chamado Carta de Uberlândia, local onde se deu a última reunião da Sociedade, escreve-se: “A manutenção da política de esterilização de recursos tributários para enfrentar o serviço da dívida pública com juros fixados pelo governo constitui um mecanismo poderoso de transferência de renda dos assalariados para uma elite rentista”.

    CC: Por que vocês resolveram criar a Sociedade Brasileira de Economia Política? Quais são seus objetivos?
    LP: Ela foi criada em 1996, unindo professores de economia de várias universidades do País que estavam percebendo o estreitamento do espaço acadêmico não só para a discussão de questões baseadas em outras linhas de pensamento que não a ortodoxia, assim como de outras áreas de conhecimento consideradas marginais: metodologia econômica, sociologia econômica, história do pensamento econômico. Essas são áreas nas quais você é levado a refletir sobre os condicionamentos que produzem determinados tipos de idéia – tudo isso mexe com as coisas ortodoxas, arrumadas, “imexíveis”. O objetivo foi criar um espaço acadêmico adicional para a heterodoxia.

    CC: Quais as principais diferenciações que vocês fazem entre os pensamentos ortodoxo e o heterodoxo?
    LP: O ortodoxo, em síntese, propõe o orçamento fiscal equilibrado, o controle da moeda, e a menor interferência possível do governo, pois tem por trás o ideário liberal. Defende a liberdade nas contas de capitais e a moeda forte, ou seja, não é adepto da taxa de câmbio competitiva. Tirando as querelas acadêmicas, a ortodoxia é exatamente o que vemos no Ministério da Fazenda. Mas também há alguns keynesianos, os chamados novos keynesianos, que apóiam esse tipo de coisa. Então, ortodoxia para nós é tudo o que vem da teoria neoclássica, somada ao monetarismo e aos novos keynesianos. Uma corrente manteve-se fiel a Keynes, chamada pós-keynesiana. Então, nossa sociedade tem como base as correntes alternativas ao chamado mainstream econômico, ou seja, o marxismo, o keynesianismo, o pós-keynesianismo etc.

    CC: O que a Sociedade propõe, em termos práticos?
    LP: Do ponto de vista macro, propõe, em primeiro lugar, reduzir a vulnerabilidade externa, por meio do controle de capitais, porque aí ganha-se grau de autonomia interno em política monetária. Propõe a taxa de câmbio competitiva e um colchão de reservas razoável. Nesse mundo de hoje, mesmo tendo controle de capitais, você fica muito vulnerável se tiver reservas líquidas como as atuais, de cerca de US$ 22 bilhões, muito pequenas diante do tamanho da economia brasileira. A Índia, que tem um PIB de US$ 570 bilhões, possui reservas líquidas de US$ 120 bilhões. Não por acaso a Índia passou incólume por todas as crises financeiras mundiais desde 1994. A idéia, então, é garantir o equilíbrio das contas externas pela balança de transações correntes, sem depender da balança de capitais, que ou é investimento direto ou é investimento de curto prazo. O de curto prazo, a gente sabe atrás do que ele vem e também que ele sai correndo ao menor sinal de perigo. Então é absolutamente irracional você fazer a economia de um país de 179 milhões de habitantes depender de meia dúzia de investidores que podem dar no pé a qualquer momento. E os diretos dependem de ter o que vender, não é? Ou seja, já foi, o País já vendeu tudo o que tinha para vender.

    CC: Mas e o investimento direto que não depende das privatizações?
    LP: O investimento direto que cria capacidade produtiva é melhor que aquele que vem adquirir um patrimônio já existente. Esse investimento direto o Brasil sempre teve. Girava lá em torno de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão por ano. Aliás, teve muito na época do governo JK, com os 50 anos em cinco. Então, enquanto a economia mundial vai bem, a entrada de dinheiro em capital produtivo acompanha. Já o enxame de dólares que tivemos nos últimos anos deveu-se à política de abertura comercial e à decisão do Estado de privatizar os setores em que atuava. Isso criou um menu de capitais bons e baratos e o dinheiro estrangeiro veio correndo. A abertura quebrou uma porção de setores e a privatização redirecionou ao setor privado os setores que são o filé-mignon da lucratividade no mundo: os serviços de utilidade pública. Houve ano, como o de 1998, em que o investimento direto beirou os US$ 30 bilhões. Agora, isso não se repete mais. Você não tem uma Telebrás para vender todo dia. Esse é um tipo de política que, no médio prazo, complica a balança de pagamentos.

    CC: Por quê?
    LP: Porque todo esse capital atuava dentro dos limites geográficos do Brasil, era produzido aqui dentro, gerava ganho capitalista aqui dentro, e podia ser auferido em reais. Quando você internacionaliza o capital produtivo, ele não pode mais gerar lucros na moeda doméstica. Todo esse capital tem de produzir lucro em dólares. Essa é uma das razões pela qual os serviços no Brasil têm de subir juntamente com a taxa de câmbio.

    CC: E não porque tenham insumos em dólar.
    LP: Sim, é porque têm de gerar ganhos em dólar. Antes, a Telebrás e a Eletropaulo não precisavam gerar lucro em dólar. Isso bate na balança de serviços, que faz parte da balança de transações correntes. No curto prazo é bom porque entra aquele monte de dólar, mas, no médio prazo, não. Antes dos anos 90, o envio de lucros e dividendos para o exterior nunca chegava a US$ 1 bilhão. Depois, já teve ano em que chegou próximo a US$ 8 bilhões. Ou seja, não é em princípio ruim em si que recebamos divisas por meio da balança de capitais, desde que haja controle sobre isso para que não perca graus de liberdade internamente. Mas jamais se pode fazer disso o ponto principal do equilíbrio das contas externas, como foi feito em boa parte do governo FHC.

    CC: Mas hoje o arrimo das contas externas não é a exportação?
    LP: Hoje é. Isso só aconteceu depois da desvalorização do câmbio em 1999, sendo que de fato os impactos dessa mudança sobre as contas externas só começaram a se mostrar no fim de 2000. Mas, se, por exemplo, você errar a mão no câmbio de novo, começa a complicar essa fonte.

    CC: Na sua opinião, o câmbio hoje está em um bom patamar?
    LP: Acho que está razoável, mas no ano passado o governo deixou o câmbio se valorizar demais, desnecessariamente. Com essa turma que está lá, o Banco Central sempre intervém quando o real está se desvalorizando. Mas quando está se valorizando, não intervém. Porque existe um mito segundo o qual, se a moeda está forte, a economia está forte.

    CC: Para o leigo, o cidadão comum, a moeda forte significa que o governo está dando certo.
    LP: Exatamente. E já que o BC não interveio para impedir que o real se valorizasse, ao menos deveria ter aproveitado o lado bom dessa história para recompor reservas, o que também não fez.

    CC: E quanto ao controle interno? Qual sua opinião sobre o controle da dívida pública?
    LP: A primeira coisa é que se elegeram três indicadores para avaliar a saúde econômica do País.

    CC: Quem elegeu?
    LP: A mídia e a ortodoxia. Juntas. Você liga a televisão e em qualquer canal e em qualquer jornal você ouve falar do C-Bond, do risco país e da taxa de câmbio.

    CC: Isso porque o jornalista cai na conversa da teoria dominante?
    LP: Um pouco é isso, mas também não podemos botar toda a culpa nos jornalistas. Essa coisa toda começou em 1999, depois que o governo na época teve de desvalorizar o câmbio e ficou explícito que a economia nacional tinha ficado muito mais vulnerável do ponto de vista externo do que era antes. Acompanhar o risco país e o C-Bond só é importante se o País depender de recursos externos. Se fôssemos menos vulneráveis e tivéssemos mais reservas, qual seria o problema de o risco subir e o C-bond cair? Outra preocupação que se difunde pela mídia é o da dívida pública. É como se a dívida fosse algo do qual a sociedade tem de se penitenciar, por ter sido irresponsável e ter dado o passo maior que a perna. Isso, que pode até ser condenável na economia doméstica, na macroeconomia não é. Ou seja, a dívida pública é algo absolutamente natural dentro do capitalismo, e não é para ser “quitada” no sentido doméstico do termo, até porque é uma fonte não desprezível de acumulação privada. Por isso, Marx chamava dívida pública de “capital fictício”. No Japão, a dívida em relação ao PIB é enorme.

    CC: O que assustou no Brasil foi o salto que a relação dívida/PIB deu em um curto período?
    LP: É isso, mas por que se deu esse salto? Justamente devido à política ortodoxa adotada, ou seja, a manutenção dos juros em patamares tão altos. É inacreditável, veja bem: o governo se endivida cada vez mais e sufoca a economia do País porque paga um preço que ele mesmo fixa lá nas alturas. Qualquer gerente de empresa que fizesse uma política dessas seria despedido no ato. Ao contrário do que se costumava acusar o keynesianismo nos anos 70, de elevar o endividamento do Estado devido ao aumento dos investimentos, esse aumento é feito pela política ortodoxa por meio dos juros, e sem gerar investimentos.

    CC: Podemos dizer que os juros são colocados em patamares altos usando como pretexto o perigo da volta da inflação?
    LP: É, a inflação tornou-se um mero pretexto. O cidadão brasileiro, traumatizado, foge da inflação como o diabo da cruz, e o BC usa esse medo para justificar sua política monetária. Só que não há nenhum perigo de descontrole inflacionário se a inflação, em vez de 8%, chegar a 10% ao ano…

    CC: …ninguém vai morrer.
    LP: Ninguém vai morrer, e é preciso ver os ganhos sociais advindos disso, como a diminuição do desemprego.

    CC: Em compensação, os investidores não vão gostar nada…
    LP: Claro que não, porque o País tornou-se “emergente” justamente porque se mostrou um instrumento de valorização financeira potencialmente muito promissor e não porque estaria se integrando à globalização pela via do comércio. O que os investidores estrangeiros buscam é o ganho real em moeda forte, de preferência com o menor risco possível.

    CC: Assim como boa parte do capital produtivo, que também tem suas aplicações no mercado financeiro?
    LP: Essa é outra coisa que precisa ser esclarecida. Não existe essa coisa do capital financeiro vilão que combate o capital produtivo bonzinho, vítima do juro alto. Na verdade, o grande capital sempre ganha, porque, dependendo da situação dos juros, faz o mix de aplicação financeira e produtiva necessário para maximizar seu retorno monetário. O próprio vice-presidente da República, José Alencar, já declarou que a Coteminas ganha muito dinheiro por meio de suas aplicações financeiras. Quem sofre de fato é o trabalhador que vai para o olho da rua e o pequeno capital. Mas são muitos os interesses que teriam de ser contrariados para que se mudasse a política econômica.

    CC: Nessa escolha da ortodoxia pelo atual governo, faz sentido dizer que o presidente Lula queria mostrar à comunidade financeira que não era o bicho-papão que se temia, talvez para satisfazer a uma necessidade pessoal?
    LP: Acho que isso também pesou em sua escolha. Acho que Lula tinha medo de ser visto como um aventureiro, só que se esqueceu de considerar que tem por trás de si um partido político com 20 anos de história. Todo mundo sabia quem era o Lula e quem era o PT.

    CC: Mas a “direita” o demonizava.
    LP: Sim, a direita mais besta-fera podia até enxergar em Lula um novo Fidel Castro. E Lula acabou optando por seguir o pensamento ortodoxo, cuja política econômica produz crescimento lento, quando produz.

    CC: Mas alega-se que só assim o crescimento será sustentável. O que a senhora acha disso?
    LP: Olha, em uma economia como a brasileira não é preciso muito esforço para manter um crescimento como o da era FHC. É só deixar o barco correr.

    CC: Esse manifesto que vocês produziram será levado ao governo?
    LP: Não. Se fôssemos levar algo ao governo, seria um conjunto de propostas estruturadas. Mas não adianta, porque nesse caso se trata, antes de tudo, de uma escolha política.

    CC: Seria perder tempo, já que a escolha está feita?
    LP: Sim. Nosso objetivo é levar à opinião pública a informação de que há mais alternativas para se conduzir a política econômica brasileira, que há muitos economistas que pensam de outra forma. E que a ortodoxia não é algo inatacável e inquestionável, como se fosse a única saída possível. É por isso que a Sociedade foi criada justamente em 1996.

    CC: O que aconteceu em 1996?
    LP: Foi em meados dos anos 90 que o neoliberalismo ganhou tanta força no Brasil. Hoje enfrentamos enormes dificuldades até para publicar artigos em revistas acadêmicas consideradas de primeira linha de economia, pois a maioria delas rejeita artigos de conteúdo heterodoxo, independentemente de sua qualidade. 

  7. E pensar que o texto do FMI não ganha unanimidade

     

    Luis Nassif,

    Agora que não precisamos mais do FMI ele fica bonzinho. Bem, não é disso, entretanto, que eu pretendo falar aqui. Faço um comentário mais para deixar dois links. Um para o texto “Is it time for an infrastructure push? The macroeconomic effects of public investment” e que é o capítulo 3 da publicação a que o professor Luiz Gonzaga Belluzzo se referiu. O texto pode ser encontrado no seguinte endereço:

    http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/pdf/c3.pdf

    E o outro link é para o post “The IMF on Infrastructure” de quarta-feira, 01/10/2014, no blog de Nicholas Gregory Mankiw. O link para o post “The IMF on Infrastructure” é:

    http://gregmankiw.blogspot.com.br/2014/10/the-imf-on-infrastructure.html

    Primeiro vale lembrar que Nicholas Gregory Mankiw é um economista ortodoxo e da direita no sentido de que não se preocupa com problemas de concentração de renda. E o post dele embora seja em inglês segue o modelo dos outros posts dele, isto é, são geralmente curtos e mesmo em inglês são fáceis de ler. E chamo atenção para o post porque o Nicholas Gregory Mankiw viu o conselho do FMI como um grande perigo.

    Ia ficar por isso mesmo, mas dei uma passada no blog de Paul Krugman e o primeiro post que iniciava a página era “Disinvestment Madness” de quarta-feira, 08/10/2014 às 08:49 am, e que tratava exatamente deste assunto de investimentos públicos deixando um link para um seminário no IMF. O endereço do post “Disinvestment Madness” é;

    http://krugman.blogs.nytimes.com/2014/10/08/disinvestment-madness/?_php=true&_type=blogs&_r=0

    Sei o quão longe Paul Krugman está de Nicholas Gregory Mankiw no tocante a questão da desigualdade, e pode-se dizer que ele está bem próximo de Luiz Gonzaga Belluzzo, no tocante a questão de investimento público.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 08/10/2014

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador