A Ucrânia e o renascimento da história – 5

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Segundo os especialistas, a guerra nunca começa com o primeiro tiro. Muito pelo contrário, o conflito armado começa com a lenta preparação diplomática que precede e possibilita a intensificação do esforço econômico e logístico que tornarão o primeiro tiro possível e, de certa maneira, um fato inexorável.

Neste exato momento, ucranianos e russos travam uma guerra cibernética http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/2014-03-07/russia-e-ucrania-travam-duelo-cibernetico.html . Isto pode muito bem ser considerada uma prévia do que está por vir.

A agressão simbólica, virtual, é um tipo de violência. Portanto, não somente pode desencadear violência igual como pode justificar outras modalidades de agressão reais, pois:

“…toda violência pode suscitar represália. A idéia que se faz do inimigo, o medo de represálias e a prudência tomam lugar muito depressa entre as causas fundamentais da guerra. E podem levar a duas atitudes opostas como consequencia do que se conhece ou se adivinha do caráter do adversário. Se  se lhe empresta uma irredutível vontade hostil, por menos que isso pareça possível, a tendencia é querer suprimi-la. Não basta contentar-se com uma satisfação moderada quando se acredita ser capaz de moderação. “ (A Guerra, André Corvisier, Bibliex, 1999, p. 39)

Ontem Barack Obama fez um ultimato a Putin por telefone http://news.yahoo.com/heres-obama-said-putin-during-hour-long-phone-003547215–abc-news-politics.html . A Casa Branca divulgou, também, que não aceitará a autonomia da Criméia, pois isto violaria a Lei Internacional, a mesma Lei Internacional que o governo norte-americano ignorou ao patrocinar a independência do Kosovo em 2008. A hipocrisia irritante dos norte-americanos deve parecer indignamente ofensiva ao Kremlin. E a Rússia tem dado indicações claras de que apoiará a solução pacífica que resultar da decisão popular dos habitantes da Criméia.

Os norte-americanos parecem dispostos apostar tudo no conflito ucraniano. Ao apoiar os nazistas de Kiev que sujaram as mãos no sangue do seu próprio povo (ao contratar os atiradores que cometeram dezenas de assassinatos antes do golpe de estado), a Casa Branca se afastou deliberadamente de sua tradicional postura de defesa dos direitos humanos. Não só isto, Obama rompeu definitivamente com a doutrina militar advogada pelo historiador Bevin Alexander, segundo a qual … o romance norte-americano com a ‘construção de nações’ está enfraquecendo e tomara que desapareça.” (A GUERRA DO FUTURO, Bevin Alexander, Bibliex, 1999). É impossível deixar de perceber e de reprovar a exagerada autoconfiança dos militares norte-americanos.

“O gesto de loucura, que leva uma parte a lançar-se irrefletidamente sobre adversários, é geralmente um ato de pessoas que tem excesso de confiança nas próprias forças, seja porque invictas até então, seja porque o adversário parece uma presa fácil à luz das informações que se tem dele ou da imagem que fazem dele.” (A Guerra, André Corvisier, Bibliex, 1999, p. 43).

A Rússia obviamente não tem o mesmo poder militar que os EUA. Mas é um adversário respeitável. Suas forças convencionais e nucleares não deveriam ser ignoradas pelos norte-americanos, tanto quanto sua disposição de frear à qualquer custo a hegemonia planetária dos EUA (fato, aliás, comprovado pelo envio unilateral de tropas à Criméia).

Por mais que seja arrogante, a Casa Branca nunca terá certeza absoluta de que enfrentando aberta e militarmente os russos de maneira convencional na Ucrânia poderá evitar a escalada do conflito até a utilização de armas nucleares. É fato percebido pelos especialistas que:

“Um certo equilíbrio pode levar à guerra total para os dois lados. A guerra total implica não somente o emprego de todos os processos, mesmo aqueles previamente condenados, como também o emprego de todas as potencialidades.”  (A Guerra, André Corvisier, Bibliex, 1999, p. 124).

É verdade que poder de destruição em massa da Rússia não se equivale ao dos EUA. Mesmo assim, é cediço que os russos podem destruir o mundo varias vezes. De fato, o Kremlin só precisa destruir o mundo uma vez para liquidar tanto a Guerra da Ucrânia quanto todas as guerras futuras que tem  sido planejadas cuidadosamente no Pentágono.

O planeta que habitamos não é virtual, nem pode ser substituído. Portanto, em caso de guerra total nuclear planetária os norte-americanos também serão derrotados. Mesmo que a Casa Branca consiga explodir centenas de bombas atômicas no território russo, os cidadãos norte-americanos serão exterminados e ninguém colherá quaisquer benefícios do conflito.

Estamos diante de um momento atual é gravíssimo. Mesmo que a imprensa não tenha percebido, estamos diante de um conflito mais grave do que a Crise dos Mísseis de 1962. Aquela disputa podia ser e foi solucionada com um recuo mútuo que proporcionou vitória aos dois lados. Em razão do acordo, os soviéticos retiraram os mísseis nucleares de Cuba. Em contra partida os norte-americanos removeram seus mísseis nucleares da Turquia. Na Ucrânia, da forma como o conflito tem sido desenhado, não há espaço para recuos honrosos.

A Casa Branca parece querer humilhar definitivamente o Kremlin obrigando os russos a reconhecer a hegemonia planetária norte-americana. Os russos, por sua vez, confiam no seu poder de dissuasão nuclear e acreditam ter a necessidade de preservar alguma área de influência na região. Os laços culturais profundos que existem entre a “mãe Rússia” e os eslavos que habitam a Criméia agravam o conflito.

Este conflito, mais do que qualquer outro, me fez lembrar as palavras de Hannah Arendt:

“Estamos já tão escravizados pela guerra total, que não conseguimos imaginar uma guerra entre a Rússia e os Estados Unidos em que a Constituição norte-americana ou o atual regime russo sobrevivam à derrota. Mas isso significa que uma guerra futura nãos e dará por conquista ou perda de poder, por fronteiras, por mercados de exportação ou Lebensraum, isto é, por coisas que podem ser obtidos por meio da discussão política e sem o recurso à força. Significa que a guerra deixou de ser a ultima ratio de negociações e seus objetivos determinados no ponto em que estas se rompiam, de modo que as ações militares supervenientes não eram senão a continuação da política por outros meios. O que está hoje em questão é algo que nunca poderia ser, é claro, objeto de negociação: a mera existência de países e seus povos. É neste ponto – em que a guerra não mais supõe como dada a coexistência das partes hostis e já não busca apenas por fim ao conflito pela força – que ela deixa verdadeiramente de ser um meio de política e, como guerra de aniquilação, começa a cruzar a fronteira estabelecida pela política e a aniquilar a própria política.” (A promessa da política, Hannar Arendt, Difel, 2008, p. 218/219).

Ucranianos, norte-americanos e russos parecem não saber o que estão fazendo. Por isto, os povos pacíficos, que também sofrerão as conseqüências da guerra global total,  tem que procurar acalmá-los e fazê-los recuperar o bom sendo que foi perdido no exato momento em que os nazistas chegaram ao poder em Kiev. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

15 Comentários

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  1. A GUERRA FRIA RETORNOU INFANTILMENTE

    Sei lá, qualquer criança pode entender que uma guerra entre o s EEUU e a Rússia pode-nos levar à extinção da humanidade. O artigo contempla apenas os países envolvidos. Mas, com certeza, uma guerra desta magnitude envolverá toda a Terra e não restará pedra sobre pedra.

    Sempre tive esperança de uma tolerância maior com os Democratas, com um lider negro no Poder, mas parece que são todos igualmente prepotentes. São donos do mundo, pensam e ensinam ao seu povo. Ainda não chegaram por aqui, mas pensam que a Amazônia pertence ao Tio Sam, pelo menos  ensinam que é um território que não pertence  ao Brasil.

    Junto com os países europeus, que apoiam, os posicionamentos dos EEUU, relativamente   à questão da Ucrânia,  incrivelmente com Obama no Poder, e, por outro lado, com a insistência de Putin em democraticamente ouvir o povo de Criméia, onde os laços russos são muito fortes, já se constitui, com toda a certeza, a nova era da guerra fria.

    Era ainda jovem quando  em 1962 quase os dois países, naquele tempo a União Soviética, que a Rússia era a estrela principal, e os EEUU, com Kennedy, se desentenderam. Os EEUU chegaram a Turquia para instalar base militar nuclear e, por outro lado, aproveitando-se da revolução cubana, Nikita Kruschev quase levaram o mundo ao seu final.

    O diálogo, diante do perigo iminente, quer era a guerra atômica, tanto lá, como acolá, semearam os caminhos da retirada das bases militares. Até hoje, Cuba não foi perdoada pelo Tio Sam, que impôs à Ilha a solidão financeira, a guerra econômico provocada pelo bloqueio,  embora o povo cubano ainda resista e mostrando que pode sobreviver. De qualquer forma,  o perígo daqueles momentos que vivenciei nos noticiários jornalísticos e na TV, levaram os povos a prete Nander o desarmamento nuclear, o que não ocorreu. Na verdade, apenas houve uma contenção na construção de  mísseis atômicos e bases em outros países, mas as principais potenciais militares do mundo ainda continuam com o poder de varrer a vida no planeta.

    O texto é excelente, mostrando que estão brincando com fogo e que o incêndio pode vir, de repente, sem ninguém perceber. Um ato falho, um mal entendido, tudo poder terminar, como já  o cinema Hollywoodiano nos demonstrou, em vários filmes. Porém, não se trata de uma simples hipótese de cinema, mas de uma dura realidade.

    A guerra fria retornou. Queiram os demais países, sem colocarem mais lenha na fogueira, ajude a apagar este fogo que pode incendiar  o mundo!

     

    1. Grato pelo elogio. Seu
      Grato pelo elogio. Seu comentário é excelente, pois em razão de ter acompanhado o conflito dos misseis você tem uma dimensão verdadeira e humana do perigo que corremos então e agora. Eu nasci em 1964, portanto, só tenho conhecimento da crise dos mísseis como fato histórico. Mesmo assim, ao contrario de alguns jornalistas que burocraticamente noticiam o que está ocorrendo, não consigo minimizar os fatos, nem deixar de notar a perigosa escalada da tensão entre russos e norte-americanos. Você tem razão em dizer que um erro ou um ato falho pode colocar tudo a perder. Várias tragédias históricas ocorreram em razão de infortúnios imprevistos. Ao contrario dos filmes, a historia nunca está totalmente sob o controle dos governantes e aqueles que se acreditam mais poderosos as vezes são os que cometem os maiores erros. Somos observadores passivos num mundo a beira do colapso. Nossa tarefa maior neste momento é manter a calma e continuar passivos. Creio que chegamos ao ponto em que qualquer ação impensada, hostil e audaciosa pode resultar em ruína. Contra os canhões e as bombas que destroem milhões somente bons argumentos e exortações ao bom senso ser sacados.

      1. Acompanhei os fatos com muita ansiedade

        É interessante dizer isto: a grande maioria da população não sabia avaliar o perigo que estava ocorrendo, embora a imprensa, na época, muito mais  livre, deixava-nos melhor informados. E a imprensa percebia o grande perigo que a humanidade estava passando.

        Hoje, a gravidade é ainda maior, porque a mídia transforma os fatos em questões meramente políticas,  o que muito grave, pois não transmitem à população o perigo que estamos passando.

        Obrigado pela leitura de meu comentário.

  2. Quem manda nos USA

    O Obama pode ser o Presidente dos USA, mas o comando da guerra pertence aos grupos militar e de informação ou seja NSA e associadas e Pentagono e forças militares. O esquema militar industrial tambem é parte instigante e pressionador da guerra, pois esperam ganhar dinheiro com ele. Na minha opinião o Obama é só uma figura sombólica dentro de um contexto de país onde desde o grupo de informação que ficou poderosissimo até os seus habitantes são educados e doutrinados para  a guerra, crentes que a  supremacia militar americana irá prevalecer.

    Pelo outro lado um governo militarizado e tambem comandado pelas comunidades de informação, entendendo que não podem e não devem mais recuar, tornado-o um adversário extremamente perigoso. Após as pressôes diplomaticas e finaceiras, poderá acontecer o primeiro tiro e talvez a loucura da primeira bomba nuclear! Os russos são mais fracos militarmente que os USA, mas contra um arsenal nuclear imenso que ambos dipõem o que isto quer dizer?

    LOUCOS TODOS ELESI  

    1. Obama não é Lincoln
      Obama não é Lincoln (presidente norte-americano com autoridade suficiente para articular a libertação dos escravos enquanto conduzia uma guerra civil), mas ele também não é Reagan (ator que se deixava conduzir por lo Pentágono limitando-se a desfrutar o excelente emprego de presidente dos EUA). Em algumas oportunidades Obama mostrou que tem personalidade e comando da situação, em outras fraquejou. Os EUA é um país complexo com vários centros de poder, lá tem gente que lucra com a guerra e também tem gente poderosa que quer lucrar com a paz. Nada esta decido e este é o verdadeiro problema para Putin neste momento.

  3. Ah ! Academicos e midia

      Gosto muito dos livros de B. Alexander, que a ultima vez que viu uma guerra foi na Coréia, e ele ficou bem melhor em seus estudos após ter rachado com os “falcões” da Rand ( praticamente um depto. da CIA, republicanos até a medula, financiados pelo complexo industrial militar – mas são uns caras legais), ou de A, Corvisier, apesar de sua especialidade ser século XVII, quanto a demais sociologos e estrategistas de escrivaninha, todos são excelentes para aulas da ECEME, Instituto Rio Branco, e demais locais de acalorados debates academicos.

        Tambem é do “jogo” politico-diplomático, a utilização do “arsenal de midia”, hj. muito mais capilarizado e com excesso de informações ( o que é um problema, pois muitas são irreais), que irão alimentar as mais diversas paranóias – o medo é parte e arma – mas analistas sérios, devem se deter a fatos, é pena que a realidade nunca seja tão sedutora quanto os delirios academicos e politicos. Portanto: – na REAL

        1. Alguem em são consciencia, acredita que algum europeu, exceto polonês, verteria uma gota de sangue pela Ucrania, ou jogaria sua quase recuperação economica pela Ucrania, ou trocaria (em caso nuclear) Munique, Leipizig, Rheinfellden, por Kiev, Lvow ou a Criméia.

        2. “guerra cibernética é guerra ou prenuncio”: Se caso fosse realidade os Estados Unidos já teriam destruido a China, umas duas vezes, só no ano passado, a Russia uma, Israel tambem, até a Alemanha poderia ter sido atacada, ataques cibernéticos são respondidos da mesma forma ( inclusive é comum, Estados deixarem “portas” mais faceis, para ataques deste tipo, pois o estudo do que acontece, de suas falhas e da expertise do “inimigo”, é parte desta nova doutrina).

         3. Mas, é sempre bom, ter cuidado com politicos, diplomatas, comunicadores sociais e alguns academicos, pois estes entes, é que “arrumam” conflitos – claro que sempre com nobelérrimas razões – mas não morrem nem matam, deixam isto a cargo dos militares, e durante e após o conflito que armaram, lucram em votos, tiragem,audiência, palestras, junto com os especuladores das guerras, os bancos, e os complexos industriais militares mundiais (inclusive o nosso), que sempre precisam, ainda mais agora que os orçamentos diminuiram drasticamente,  de uma guerrinha, no caso uma de grandes proporções, com UE/Russia/Estados Unidos – levantaria o “mercado” por uns 15 anos.

    1. A experiência do passado
      A experiência do passado nunca deve ser a principal chave para entender o presente, pois neste os fatos não são todos conhecidos nem os atos totalmente previsíveis. A teoria é importante, mas não decisiva quando o objeto de analise está sujeito à “fumaça da guerra” que tudo deixa turvo e incerto. Argumentos de autoridade apenas reforçam teorias. Mas estas nunca serão capazes de dar a quem quer que seja o conhecimento do futuro. O que me move, neste momento, é menos a ambição acadêmica do que a percepção de que existem grandes riscos (como na crise dos mísseis de 1962) . Riscos que no entanto tem sido totalmente desprezados pela imprensa, que se limita a fazer propaganda da hegemonia norte-americana como se isto fosse capaz de assegurar a inocorrência da guerra, o resultado dela ou a impossibilidade de hecatombe nuclear para todos nós.

      1. Ninguém botou fé no início da Primeira Grande Guerra

        Concordo com ambos.

        As vezes a História não é referência. As vezes é. Ou combina é com não é.

        Neste caso, há uma referência que nõa foi lembrada:

        A WWI começou com um clima europeu dividido, mas não belicoso.

        Na época, nacionalismos, xenofobias e revanchismos, misturados entre nobrezas familiares, criavam um clima de uma Europa de lá e de cá, daqui e dacolá.

        Com a Austria-Hungria se achando e o assassinato sérvio na Bósnia, aquela resolveu dar uma “liçãozinha” rápida na Sérvia.

        Até “consultou” a Alemanha, que nem estava muito ligada no assunto, mas deu seu aval para a vizinha, achando que a “bobagem” se resolveria rapidamente e sem muitos tiros e sangue, pelo desequilibrio entre A-H e Sérvia.

        Pra resumir, deu no que deu.

        E por “consecuções consecutivas esparsas” (vejam bem se não é fato), está rendendo até hoje!

        Porque iniciou a “globalização” da guerras. A segunda como vingança da primeira. Velhos e novos impérios (UK, EUA e URSS). Bipolaridade e hegemonia.

        Mas a História mostra direitinho que do “nada” pode vir muito…

        Se não fosse o medo (ainda bem) das “bombas A-H”, o pipoco (que nunca parou, convencional e regionalmente pelo mundo), já teria explodido geral.

        O freio portanto ainda é o núcleo…

        Aquele do átomo.

         

  4. Já na Europa…

    do Diário de Notícias de Lisboa

    A Ucrânia entre a guerra fria e a guerra quente

    por JOSÉ MANUEL PUREZA

    Se for verdade que a guerra é a continuação da política por outros meios, como sentenciou Clausewitz, não é a verdade inteira: também a política pode ser a continuação da guerra por outros meios. Sobretudo neste tempo em que as declarações solenes de fim das guerras não são mais do que momentos de reconfiguração das ditas que continuam por muito mais tempo, ainda que noutras vestes.

    A Guerra Fria não terminou, mesmo que tenha sido declarada extinta em 1989 sobre os escombros do Muro de Berlim. E nem foi preciso a guerra de cinco dias na Geórgia para o provar. As revoluções coloridas que foram mudando as cores políticas do espaço pós-soviético já o tinham mostrado à saciedade. Porque, sendo expressões genuínas de protesto, social e politicamente muito heterogéneo, contra regimes autocráticos de perpetuação das novas nomenklaturas, essas revoluções foram invariavelmente financiadas, equipadas e politicamente suportadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia.

    A disputa da influência sobre o espaço pós-soviético foi, pois, desde 1989, a continuação da guerra (fria) por outros meios. Nessa disputa, a União Europeia assumiu-se e foi assumida como referência sedutora, promessa de prosperidade económica e de cumprimento de todas as fantasias consumistas, a que acrescia a chancela internacional de transições democráticas de baixíssima densidade e a garantia de segurança contra qualquer tentação revanchista da Rússia. O redesenho foi-se processando paulatinamente, primeiro a coberto da falência do Estado russo e depois sob o compromisso de manutenção do statu quo do anel de proximidade imediata da Rússia. A quebra desse compromisso teve um primeiro ensaio em 2008 na Geórgia e a isso a Rússia respondeu com cinco dias de metralha e o apoio estratégico à secessão da Abecásia, da Ossétia do Sul e da Transnístria.

    Agora disputa-se a Ucrânia. Ou seja, disputa-se um mercado de mais de 40 milhões de pessoas, disputa-se um importante produtor de alimentos e disputa-se um território até agora nevrálgico para a passagem do gás da Rússia para a Europa. É uma disputa entre credores. Por um lado, a Rússia quer aglutinar a Ucrânia no seu projeto de integração regional – a Eurásia – juntando-a à Bielorrússia, ao Cazaquistão e à própria Rússia. E como a um país falido não é preciso prometer mundos e fundos para o cativar, bastou a promessa de um crédito de 15 mil milhões de dólares e a baixa substancial do preço do gás natural para Kiev se inclinar para esse lado. Por outro lado, a União Europeia – leia-se, a Alemanha – quer atrair a Ucrânia como mercado e já anuncia a bem nossa conhecida “inevitabilidade de reformas estruturais”.

    É esta vampirização da Ucrânia pelas potências que está em jogo por estes dias. Nesse jogo só há uma certeza: os ucranianos sairão sempre a perder, seja qual for o credor que lhes couber em sorte. Haja ou não divisão do país em dois, prevaleça a política como continuação da guerra por outros meios ou prevaleça a guerra como continuação da política por outros meios, aos ucranianos será só dada a mais sórdida das escolhas: entre o sufoco das liberdades às mãos dos tiranetes de turno e o sufoco das vidas às mãos dos tecnocratas das reformas estruturais. A tragédia dos povos da Ucrânia é essa mesmo: a história fez deles peões de um jogo jogado sempre por outros. Que para qualquer desses outros, a guerra ou a política – ou seja, a guerra quente ou a guerra fria – sejam apenas escolhas técnicas para obterem os mesmos resultados só acrescenta tragédia ao horizonte das gentes da Ucrânia.

     

    1. Excelente comentário, que

      Excelente comentário, que ajuda a comprovar (por via indireta) a péssima qualidade do jornalismo brasileiro neste momento. Cá só se faz propaganda da hegemonia dos EUA e do novo regime de Kiev. Entre nós pouco ou nada tem se falado sobre o nazismo manifesto dos membros do Svoboda. 

  5. E na China…

    Pequim tripudia sobre a inabilidade ocidental

    Do Diário de Notícias de Lisboa

    Atuação ocidental descrita na China como “um fiasco”

    por Lusa, publicado por Luís Manuel Cabral

    A situação na Ucrânia está a ser descrita na China como “um fiasco” dos países ocidentais, que terão “subestimado a vontade da Rússia de proteger os seus interesses vitais” naquele país.

    “A Rússia pode já não estar interessada em competir com o Ocidente, mas quando se trata de limpar a trapalhada que o Ocidente criou no quintal do país, os líderes russos demonstraram mais uma vez a sua credibilidade”, afirma um comentário difundido hoje pela agência noticiosa oficial chinesa Xinhua.

    Foi o segundo comentário pró-russo publicado nos últimos dois dias na imprensa chinesa, depois de o jornal Global Times ter saído na quarta-feira com um editorial intitulado “É do interesse da China Apoiar a Rússia”.

    “Com o apoio do Ocidente, a oposição ucraniana conseguiu derrubar o Governo pró-russo, expulsando o Presidente que detestava e desferindo um humilhante golpe contra o Kremlin”, diz o comentário da Xinhua.

    Mas segundo a agência de notícias, “a estratégia ocidental de instalar um chamado governo democrático na Ucrânia não leva a lado nenhum e, pelo contrário, criou mais confusão do que aquela que os países ocidentais podem ou sabem resolver”.

    O Global Times, jornal de língua inglesa do grupo Diário do Povo, o órgão central do Partido Comunista Chinês, defendeu que “a opinião pública chinesa deve estar firmemente ao lado da Rússia e apoiar a resistência russa às pressões ocidentais”.

    “A Rússia é o parceiro estratégico global em que a China mais pode contar”, afirma o jornal.

    “Diplomaticamente, a China deve manter-se fiel à sua política de neutralidade, mas favorecer ligeiramente a Rússia, o que pode ser aceite por muitos países e abrir caminho para a China desempenhar um papel mediador”, acrescenta o Global Times.

    A China é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com direito de veto.

    Os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram na quinta-feira sanções aos responsáveis russos e ucranianos pela crise na Ucrânia.

    O parlamento regional da república autónoma da Crimeia, dominado por forças pró-russas aprovou um pedido ao Presidente russo, Vladimir Putin, para uma união do território à Rússia.

    As autoridades locais da Crimeia, no sul da Ucrânia, não reconhecem o novo Governo de Kiev e defendem o regresso ao poder de Viktor Ianukovich, entretanto internado em estado grave num hospital de Moscovo por ter sofrido um enfarte.

    A crise política na Ucrânia começou a 21 de novembro, com a contestação popular da decisão do Presidente de suspender a aproximação à Europa e reforçar os laços com a Rússia.

     

    1. Outro comentário excelente.

      Outro comentário excelente. Cá muito pouco se fala do apoio da China à Rússia. Os analistas brasileiros costumam subestimar a importância do regime de Pequim no cenário mundial atual. Alguns deles parecem realmente acreditar que os EUA venceu a guerra-fria e que a hegemonia norte-americana não é nem pode ser contestada por chineses e russos. Os telejornais brasileiros, todos eles, conferem às palavras de Obama um caráter sacrossanto, inquestionável, absoluto como se o presidente dos EUA tivesse sido ungido com os mesmos poderes temporais de um Papa medieval ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Dictatus_Papae) . Isto é ridículo, uma mistificação pueril que certamente complica a situação. Você presta um grande trabalho contra a desinformação ao fazer seus comentários. Divulgue-os tanto quanto puder. 

  6. Outro destróier americano entrou no Mar Negro

    Várias publicações ucraniano chamou a atenção para o aparecimento no Mar Negro mais do que um navio de guerra dos EUA – USS Truxtun. Segundo dados preliminares, o navio cruzou o Bósforo.

    A bordo Truxtun são controlados por rádio mísseis balísticos. De acordo com a publicação “Radical”, o destruidor vai participar em exercícios com as marinhas da Bulgária e da Roménia. Note-se que o navio tem permissão para atravessar o estreito, que recebeu com antecedência – cerca de dois meses atrás. Quanto tempo vai continuar manobras desconhecidos, no entanto, a Convenção de Montreux do Estreito, os navios de países que não têm acesso ao Mar Negro, pode permanecer em suas águas não mais do que 21 dias.

    Além navio Truxtun no Mar Negro também é outro navio dos EUA – a fragata Taylor, apareceu nas águas do mar antes dos Jogos Olímpicos em Sochi.

    Veja também perda de parte do território da Ucrânia vai levar a uma corrida nuclear no mundo – cientista político

    Além disso, um dos portos gregos é da Marinha dos EUA porta-aviões “George Bush”. De acordo com alguns observadores locais, permanece na região por causa da situação em torno da Ucrânia e pode ir para o Mar Negro.

    O que você acha sobre as últimas notícias sobre a situação e os acontecimentos na Ucrânia ? O que vai acontecer com a Ucrânia? O que vai acontecer com

     

    Link original: http://www.pravda.ru/news/world/formerussr/ukraine/07-03-2014/1197750-Truxtun-0/

    Traduzido:https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&ie=UTF8&prev=_t&rurl=translate.google.com.br&sl=ru&tl=pt-BR&u=http://www.pravda.ru/news/world/formerussr/ukraine/07-03-2014/1197760-natonoway-0/&usg=ALkJrhhgP5F6PbqU8kmAPWDqlg-c6Epvlg

     

  7. renascimento da história revisitada pelos gatos de sete vidas

    neste renascimento da história revisitada no quintal da bagunça do sovietismo comunista stalinista nascido do estupro geral instituído e da violência sem anestesia à fórceps tirânico e que já vimos este filme antes na guerra nacionalista étnica religiosa invejosa vingativa por ocasião da desintegração territorial e econômica do satélite russo Iugoslávia:

    “O cinegrafista pega sua câmera e começa a rodar. Diante dele, os escombros de uma casa nos arredores de Pristina, capital do Kosovo, na Iugoslávia. Mais uma casa destruída pelos bombardeios.

    De repente, alguma coisa se move entre os escombros. Ele ajeita o foco, atento.

    E vê, com surpresa, surgir de trás de uma lasca de concreto um gatinho branco, os olhos azuis piscando muito ante a claridade do dia. Sua orelha sangra, o pêlo do pescoço está escuro, as patas também, como se sujos de graxa, mas ele dá um salto para a frente, com grande agilidade.

    E depois fica parado, olhando o cinegrafista com sua máquina.

    Parece perplexo. Seus donos estão mortos. Muita gente está morta. Mas ele saiu ileso do bombardeio. Emerge daquele cenário de destruição, com seus olhos azuis cheios de perguntas. É um sobrevivente.” 

    Sete vidas: Sete contos mínimos de gatos. Heloisa Seixas. Ilustrações de Iran do Espírito Santo. Cosac&Naify, 2002.

     

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