Brexit reflete onda populista que pode se repetir na França e Holanda

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A saída do Reino Unido da União Europeia reflete a insatisfação popular com a classe política e, ao mesmo tempo, a abertura de espaço para uma onda populista que pode atender a demandas extremas, tanto à direita quanto à esquerda. Essa é a visão de analistas consultados pela reportagem da BBC Brasil. Segundo eles, esse mesmo processo pode se repetir na França e Holando, onde existem pedidos de líderes políticos conservadores para avaliar a saída dos países da UE. Esta, por sua vez, terá de discutir reformas se quiser evitar debandada.

‘Brexit’ reflete guinada a extremos e deve forçar reforma da UE para conter debandada

Da BBC Brasil

Na enxurrada de reações à decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, um ponto é unanimidade entre políticos e analistas: a necessidade de repensar o projeto europeu diante de uma evidente ascensão global do populismo e de nacionalismos.

O temor, para muitos, é de que haja retrocessos nos 70 anos de integração europeia, em meio à atual onda de “euroceticismo” na UE – que enfrenta uma crise migratória e resquícios da crise do euro. Já há reuniões de emergência agendadas dentro do bloco para iniciar as discussões sobre o tema.

“Recebemos com pesar a decisão do povo britânico”, declarou, na sexta-feira, a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel. “Sem dúvida é um golpe para a Europa e o processo de unificação.”

Para Fabian Zuleeg, diretor-executivo do centro de estudos European Police Center, o resultado do plebiscito britânico reflete a atual crise da democracia e um sentimento de rejeição ao sistema político atual.

“As pessoas sentem que têm sido ignoradas pelos políticos e que seus verdadeiros problemas não têm sido levados em consideração”, afirmou Zuleeg à BBC Brasil.

Segundo o especialista, essa sensação, exarcebada com a crise econômica, intensificou a oposição à globalização e à imigração, que já existiam em menor grau.

“Há uma interação entre todos esses elementos e uma profunda incerteza a respeito do futuro. E isso favorece o populismo e os extremos, tanto à direita como à esquerda”, acredita.

Giles Merritt, secretário-geral do grupo de pressão Friends of Europe, vê na decisão britânica uma consequência da crescente rejeição dos europeus à centralização de poderes na UE.

Um estudo publicado no começo de junho pelo instituto americano Pew Research Center revela que a maioria da população nos principais países europeus é a favor da devolução de determinados poderes às capitais nacionais.

‘Antiga glória’

Tal sentimento é compartilhado por 65% dos britânicos, uma proporção que chega a 73% entre as pessoas com mais de 50 anos de idade.

“O resultado do plebiscito sugere que a maioria dos britânicos acredita que se libertou dos ‘estúpidos ditados do super Estado da UE’ e que o Reino Unido será capaz de redescobrir sua ‘antiga glória'”, estima Merritt.

Para Michael Emerson, analista do Centre for European Policy Studies (CEPS), a ascensão populista é particularmente perigosa no caso da saída britânica da UE, já que “se uniu a um plebiscito irreversível”.

“A tendência populista está realmente generalizada. Donald Trump (virtual candidato à Presidência americana) pode ser algo similar”, disse à BBC Brasil.

Teme-se que a decisão britânica contagie outros países do bloco europeu – na França e na Holanda, por exemplo, já há pedidos por líderes de extrema-direita para que plebiscitos semelhantes sejam realizados.
A direitista francesa Marine Le Pen disse que o resultado da votação no Reino Unido é uma “vitória da liberdade”.

Emerson observa que muitos países da América do Sul estão passando por uma tendência inversa, elegendo governantes liberais depois de um longo período populista. Ele cita como exemplos Peru, Argentina e o próprio Brasil.

Já no caso do divórcio entre o Reino Unido e o bloco europeu não se pode voltar atrás.

Reformas

Para o analista, os líderes europeus “seriam muito insensatos se ignorassem as pressões por reforma”.

Também o ex-primeiro-ministro belga e atual líder do grupo liberal no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, defende que a UE “precisa se reformar para sobreviver”.

“Cada vez mais europeus sentem que a UE é incapaz de tratar as múltiplas crises que enfrentamos hoje. A UE foi longe demais na tentativa de lidar com as coisas pequenas, ao mesmo tempo em que não ofereceu soluções suficientes ao grandes problemas que mais preocupam as pessoas: a crise de refugiados, a crise econômica e a crise de segurança.”

É com isso em mente que os ministros de Relações Exteriores dos seis países fundadores da UE – França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália e Luxemburgo – se reunirão no sábado, em Berlim.

“É o momento de sermos dignos dos pais fundadores, de fundar mais uma vez uma nova Europa escutando o povo. A Europa não pode mais intervir em tudo o tempo todo”, disse o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, para quem a decisão britânica revela um “mal ignorado durante tempo demais”.

“Esta saída balança as convicções e impõe uma reação coletiva. Vemos bem que não podemos continuar como antes. O risco é o deslocamento puro e simples da Europa. E desfazer a Europa, para nossas nações, é se enfraquecer consideravelmente.”

O presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker, disse esperar uma “posição clara” do eixo franco-germânico para acalmar os ânimos e os mercados.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Nem tanto ao mar…

    Neste momento, eu suspeito que essas invocações da “direita populista” como o grande espantalho podem apenas ser uma cortina de fumaça para ocultar grandes interesses do establishment econômico neoliberal.

    Outra perspectiva, muito diferente, poderia apontar para o Brexit como um saudável purgante, uma fissura muito bem vinda na tranquilidade do pensamento único, e que, sobretudo, contraria expectativas norte-americanas de uma Europa dócil, que diz amém ao TTIP e à expansão voraz da OTAN.

    Isso está expresso em um artigo que traduzi hoje para o meue espaço de blog: https://jornalggn.com.br/blog/ricardo-cavalcanti-schiel/a-ambiguidade-francesa-diante-do-%E2%80%98brexit%E2%80%99

  2.  Saída pela direita?.. Os

     

    Saída pela direita?

    ..

    Os britânicos, ingleses principalmente, decidiram abandonar a União Europeia e o choro é livre. As mais amargas lágrimas são dos seguidores do deus mercado e da esquerda pós-bolchevique. Como borram a maquiagem! Os primeiros por temor de restrições ao livre e destrutivo trânsito de capital, os seguintes por não terem uma proposta decente para esta realidade. Os dois grupos apontam dedos acusadores à direita e ao nacionalismo, como se o projeto europeu fosse um avanço nas relações humanas. Coisa que jamais foi!

    O apoio de grupos e partidos que mantêm na sua ideologia o nacionalismo século XIX é facilmente explicado. A perda de poder decisório dos Estados para os burocratas da União Europeia está no topo. A Grécia ilustra muito bem esta situação. As ameaças contra o governo inicial do Syriza foi equivalente a füeher Merkel estacionar divisões panzers na fronteira grega, no entanto qual foi a reação internacional? A demonização do governo nacional como terrorista que pretendia destruir o sonho europeu. O resultado da rendição grega foi o socorro europeu aos bancos alemães em detrimento do povo grego. Os banqueiros e seus acionistas ficaram satisfeitos com a ação do Einsatzgruppen midiático em apoio às medidas coercitivas impostas, e logo tornadas realidade pela burocracia central europeia. Os adeptos do mercadismo acenderam várias velas em reconhecimento aos apóstolos Wolfgang Schäuble e Mario Draghi. Agora temem o enfraquecimento deste poder despótico e cruel à disposição dos seus interesses.

    Algo semelhante ocorre com as esquerdas. Contam com os comissários e tribunais europeus para imporem sua visão de mundo à totalidade das nações da comunidade. O que já ocorreu com a Irlanda e agora com a Polônia. Aspectos culturais e sociais locais são criminalizados, e todos os habitantes forçados a aceitarem determinações emanadas de remotos gabinetes situados no exterior. Temem disputar no voto questões que provocam resistência de boa parte dos eleitores nacionais.

    Não foi uma saída pela direita, foi a voz dos que se sentiram excluídos das decisões que impactam suas vidas. O globalismo econômico conta com os acordos setoriais e transnacionais para permanecerem acima do bem e do mal. A nova esquerda precisa reformular o discurso, talvez umas aulas com o KKE ajudem. As críticas negativas ao Brexit, por ter sido a escolha da maioria do eleitorado, são provenientes dos grupos que necessitam da distância entre a vontade popular e as decisões dos burocratas.

     

    1. Repare bem o último parágrafo
      Excluídos então estamos todos. Olhemos para o Brasil: as decisões dos nossos governantes são pensadas em interesses da população? O congresso não é um amontoado de oportunistas? O judiciário não é uma casta ? Exclusão não é a exceção, é a regra.

      1. No caso do Brasil é bem pior…

        …afinal o governo golpista, sem vencer eleições, não está implantando a política econômica derrotada pelo voto popular. 

        A chamada democracia representativa não representa o interesse dos eleitores, mas sim os dos financiadores das campanhas e dos que cercam os governantes. Em alguns países a situação é um pouco melhor que a nossa, porém aqui herdamos um estamento que se perpetua, se não no DNA, nas práticas, desde o império. Além da desgraçeira nacional que é a casta dos bacharéis, não apenas os encastelados no judiciário.

        O plebiscito britânico foi convocado pelo Cameron acreditando que a manipulação da mídia confirmaria a permanência na UE. A continuidade serviria para que o seu grupo assumisse total controle do partido e facilitaria a aplicação das diretrizes dos burocratas de Bruxelas, porém os ignorantes dos grotões se rebelaram. Votaram contra o que pensam ser a UE e não o que ela é, a questão da imigração é básica para comprovar o desconhecimento dos ingleses. A grande maioria dos islâmicos na Ilha são provenientes das antigas colônias, vieram ao longo dos anos basicamente da Commonwealth. A quase totalidade é do Paquistão, da Índia e de Bangladesh. Escrevendo isto fiquei em dúvida, será que foi a eslavofobia e não a islamofobia o grande moto das decisões pessoais…

  3. mundo de ponta cabeça ou defesa do subimperialismo brasileiro?

    Eu vejo tanta gente aqui no GGN defendeno o nacionalismo dos paises imperialistas que fico me perguntanto: será que foram para as ruas se enrolar na bandeira do Brasil, cantar o hino nacional, tirar selfi com as forças armadas? Será que vão seguir o Serra e pedir o fim do mercosul para guardar a nossa ‘sobernia nacional’?  Não , por incrivel que pareça são os mesmo que acertademante chamam esses de coxinhas golpistas fascistas. Mas as mesmas pessoas acham que no centro do capitalismo mundial o nacionalismo é de esquerda. Em que o nacionalismo britanico favoreceu o mundo? na destruição da África e da India? na Guerra do Ópio? no apoio incondicional e criminoso de Tony Blair a guerra do Iraque?

    Ou o mundo virou de cabeça para baixo ou esses defensores do nacionalismo europeu estão defendo o subimperialismo brasileiro por tabela.A caminhar assim vamos ficar entre arremedos de fascismo e de stalinismo.

    1. Concordo plenamente com você

      Eu me faço a mesma pergunta que você e chego a conclusão que é a ignorância desse pessoal sobre a Europa. Aqui o comentário que enviei no dia  do resultado: 
      Vencedores não foram os adeptos do Brexit, mas os partidos populistas nacionalistas de direita facistas como Front Nacional de Marie lê Pen ou o AFD, partido com tendências neonazistas e xenófobo  na Alemanha. Sua vice presidente von Storch afirmou hoje: “Chorei de alegria ao receber a notícia hoje.”
      Parabéns portanto a todos, aqui ou lá que se alegraram com a saída do Reino Desunido da UE !

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