
Um dos pontos que tem levado economistas e acadêmicos a questionar o regime econômico capitalista envolve um questionamento bem específico em torno da política: se o capitalismo apoia a democracia ou desencadeia forças antidemocráticas.
“A virada do capitalismo norte-americano em uma economia onde o vencedor leva tudo, onde uma ou duas empresas monopolizam cada setor à custa do consumo, do trabalho e do crescimento global – e, com isso, vem o tipo de poder que é visto como antiético à democracia”, diz Mordecai Kurz, professor emérito de economia da Universidade de Stanford.
Em artigo publicado no site Project Syndicate, Kurz explica que a influência capitalista sobre a democracia começou a ser questionada na chamada Era do Iluminismo, onde a democracia e o capitalismo eram praticamente duas faces da mesma moeda.
Essa mesma visão foi propagada nos Estados Unidos ao longo do século XX para, segundo o articulista, “convencer os eleitores de que o capitalismo de mercado livre é essencial para o ‘jeito americano’, e que sua liberdade depende do apoio à livre iniciativa irrestrita e da desconfiança governamental”.
Porém, o economista diz que essas crenças deveriam ser reavaliadas por conta da competição tecnológica entre empresas que querem concentrar poder de mercado – ao contrário da concorrência de preços, ela produz apenas um ou poucos vencedores ao invés de apenas reduzir os lucros de toda uma cadeia.
“O poder de mercado permanente altera o capitalismo ao inaugurar uma economia onde o vencedor leva tudo, onde uma ou algumas empresas tecnologicamente dominantes monopolizam cada setor”, diz o economista.
“Uma tal economia não apenas usa recursos de forma ineficaz, como também produz uma concentração de poder econômico e político que ameaça a democracia, cuja sobrevivência se torna então dependente da criação de novos instrumentos políticos para a proteger”, ressalta Mordecai Kurz.
Lucros monopolistas
Em condições competitivas, o rendimento que uma empresa cria é dividido em uma parcela de trabalho e uma parcela de capital. Porém, com poder de mercado permanente, esse rendimento é dividido em trabalho, capital e lucros de monopólio.
E é justamente a diferença entre rendimento de capital e lucros de monopólio um ponto central para o chamado ‘capitalismo tecno – o vencedor leva tudo’: enquanto o rendimento líquido pago ao capital consiste em pagamentos de juros às taxas de mercado prevalecentes, os lucros de monopólio extraído via preços superiores aos custos incrementais são pagos à fonte de poder de mercado: principalmente tecnologia de propriedade privada e outros direitos de propriedade intelectual.
“A maior parte dos lucros dos monopólios tem origem em inovações, mas a proporção de pessoas que investem em startups de risco ou em empresas envolvidas em inovações de risco é pequena. Os que mais lucram com uma inovação são o inovador e um pequeno círculo de consultores financeiros e investidores iniciais que compram as ações iniciais da empresa a preços baixos”, pontua o articulista, e isso ajuda a explicar porque os Estados Unidos possuem 756 multimilionários.
E a Escola de Chicago acabou por ter grande impacto nas ideias sobre monopólio: como lembra Kurz, o economista Aaron Director e o jurista Robert Bork argumentaram com sucesso no fim dos anos 70 que a Lei Antitruste Sherman “foi projetada para proteger os consumidores apenas garantindo que eles pagassem o melhor preço atual, uma interpretação que ignora as estratégias mencionadas anteriormente, usadas para construir monopólios ao longo do tempo e outros efeitos adversos do poder de mercado”.
Consequências políticas
E a mudança na dinâmica de mercado e econômica têm um alcance de longo prazo inclusive em termos políticos, como o aumento da desigualdade econômica – e por consequência da desigualdade política, por fortalecer a voz dos mais ricos”.
“Uma política passiva de mercado livre agrava tais resultados, porque os indivíduos são deixados à própria sorte e as políticas públicas não compensam os prejudicados nem atenuam as suas causas”, ressalta o economista, lembrando que aqueles com formação universitária e tecnicamente qualificados saem em larga vantagem ante os trabalhadores não qualificados e sem formação.
O principal ponto a se lembrar é que a desigualdade é gerada pela tecnologia e por políticas públicas de livre mercado, e quem perdeu seu sustento reconhece que a escolha política o fez vítima.
“(Eles) pagaram o preço para que outros se beneficiassem e para que alguns ficassem imensamente ricos, e como resultado a democracia americana foi enfraquecida. As evidências mostram que a maioria dos participantes no ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio eram ex-trabalhadores prósperos que foram deixados para trás”, explica Mordecai Kurz.
Por conta desses e outros fatores, o capitalismo delineado por Milton Friedman se encontra fora de sintonia e, como muitos ainda acreditam nele, acabam por bloquear reformas necessárias. E a falta de mobilização pública em torno dessas mudanças não só ameaça a economia nos Estados Unidos como no mundo.
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