Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
[email protected]

Ex-assessor de Lugo fala sobre o contexto que gerou o golpe

Campesinos indígenas em Assunção

Por Maíra Vasconcelos, de Assunção, especial para o blog.

Um conflito territorial agrário desencadeou a atual situação política vivida pelo Paraguai, e no Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e de Terras (Indert), responsável pela regulação dos terrenos do Estado, foi nomeado, ontem, como novo presidente o engenheiro Eugenio Alonso, representante do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), aliado ao atual governo de Federico Franco.

No entanto, até o meio da tarde de ontem, ainda estavam no prédio do Indert, as autoridades máximas designadas durante o governo do ex-presidente Fernando Lugo.

“Não poderia validar um procedimento arbitrário, sem direito á defesa, como foi esse processo contra Lugo”. A afirmação foi feita pelo ex-assessor jurídico da presidência da República, no governo de Lugo, Emilio Camacho, que na última sexta-feira, renunciou ao cargo temporário de Interventor do Indert, depois de três meses e meio de gestão.

O Congresso paraguaio vive um momento de nomeações de novos ministros e representantes de diferentes órgãos públicos, após o golpe de Estado parlamentar, com a destituição do ex-presidente Fernando Lugo, processado e julgado culpado pelo massacre que terminou em 17 mortes, no último dia 15 de junho, entre campesinos e policiais durante o processo de desalojamento no interior do país.

Em entrevista concedida ainda no gabinete do Indert, localizado no centro de Assunção, Camacho disse que após o “golpe do conservadorismo paraguaio”, não é possível projetar nenhum tipo de iniciativa para a reforma agrária no país.

 “Será difícil, não espero nada. Parou tudo o que foi feito. Para a reforma agrária é algo muito triste. Não chegamos à efetiva distribuição das terras, mas quando começamos a trabalhar e realizar intervenções, e questionar os latifundiários, nos derrubaram”, com pesar, afirmou Camacho, que também já foi Senador. 

Ainda que seja possível criticar ao ex-governo de Fernando Lugo, para Emilio Camacho, a sua destituição do cargo presidencial veio pelo “afã” político-partidário da oposição, com o envolvimento direto dos grandes proprietários de terra.

“Lugo propunha debater os reais problemas para avançar com a reforma agrária, investia nas comunidades, mas atuou com pouca agilidade e poder de execução, e isso serviu de pretexto para a reação conservadora. O poder dos latifundiários é imenso, tanto que são eles os envolvidos na derrocada de Lugo”.

No Paraguai, cerca de 85% do total de terras produtivas estão nas mãos de 2% de proprietários rurais. Além da extrema concentração desigual de terras, não há cobrança estatal de impostos pela posse da propriedade rural e nem sobre a exportação de produtos agropecuários. A produção de soja, milho e a pecuária de corte são as principais atividades do setor agrário.

Tráfico de terras

“Pode-se dizer que o problema de distribuição de terras no Paraguai nasceu junto com surgimento do país”. Segundo Emilio Camacho, falar da história do Paraguai é contar sobre os processos desiguais de distribuição e os negócios de tráfico da terra.

Ele afirmou que a doação desigual de terrenos ocorreu de forma legal e por vias governamentais, já desde a época da ditadura de Alfredo Strossner (1954-1989), sendo utilizado o Indert para legitimar os processos. 

“O instituto foi vítima de um esvaziamento das terras que eram destinadas para a reforma agrárias e foram entregues a proprietários. Ao invés de assentar os paraguaios, o que o Indert fazia era criar mais latifúndios”, lamentou Camacho. Com as mesmas atribuições, o Indert foi criado em 1940, mas passou por três mudanças de nomenclatura.

Emilio Camacho disse que prosseguirá lutando em favor de uma repartição justa das terras, ainda tendo á frente um cenário onde “governam o país os proprietários de terra e o tráfico de terras públicas continue sendo um dos maiores negócios do Paraguai e de toda a sua história”.

Campesinos indígenas

Ao lado da antiga estação de trem, em frente à Praça Paraguaia, um grupo de aproximadamente 100 campesinos indígenas, dos estados de Canindeju e San Pedro, a 300 quilômetros de Assunção, espera as resoluções do Congresso e pede o retorno de Fernando Lugo ao poder.

Eles formam parte da “Associação dos Líderes Independente Interdepartamental”, que está contra o atual presidente do Instituto Paraguaio do Indígena (Indi), Oscar Amarilla. “O povo indígena, os caciques não foram consultados quando escolheram o atual presidente. Não estamos de acordo com essa nomeação”, afirmou Luis Galeano, 21 anos, agricultor.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador