Netanyahu não consegue mais pacificar Gaza com dinheiro do Catar e promessas vazias

Artigo de Muhammad Shehada1 publicado no Haaretz em 5 de maio. Tradução comentada e introdução inicial, por Ruben Rosenthal, do Chacoalhando

Jovem palestino e o que restou de sua casa | Foto: Agência Reuters

por Chacoalhando 

Netanyahu não consegue mais pacificar Gaza com dinheiro do Catar e promessas vazias

Artigo de Muhammad Shehadapublicado no Haaretz em 5 de maio. Tradução comentada e introdução inicial, por Ruben Rosenthal, do Chacoalhando2. As fotografias do artigo original foram substituídas. 

O bloqueio de Israel a Gaza já dura 12 anos e deixou a economia local devastada. Apenas no ano passado, cerca 35.000 palestinos emigraram, sendo a maior parte, jovens com boa educação, enquanto que médicos estão sendo impedidos de partir pelo Hamas.  As intenções e limitações dos principais atores de mais esta Catástrofe palestina são discutidas no artigo, em que o autor indica qual o único caminho que considera ainda viável para a superação do atual impasse, que transformou Gaza em uma gigantesca prisão a céu aberto.

As propinas de Israel (através de dinheiro do Catar) não estão mais funcionando, e o Hamas não está conseguindo evitar que a Jihad Islâmica imploda o status quo. O “plano de paz” Kushner/Trump (para a Palestina) é baseado também neste mesmo raciocínio falho, e pode trazer resultados ainda mais desastrosos.  

Existe uma clara razão para os conflitos armados entre Gaza e Israel eclodirem com regularidade, mas os principais atores – Hamas e Netanyahu – não querem lidar com ela. Desde a deflagração dos protestos da Marcha do Retorno3, o silêncio de Gaza tem sido comprado com “analgésicos humanitários”, seja dinheiro do Catar, ou a extensão (por Israel) da zona de pesca (apenas por pequenos barcos). Mas isto está criando um perigoso vício, particularmente para o Hamas.

Por outro lado, a Jihad Islâmica está empenhada em arruinar as conversações do cessar fogo entre Israel e Hamas, mediadas pelo Egito. A liderança (da Jihad) espera ampliar o apelo popular do movimento, pela adesão dos habitantes de Gaza, cada vez mais frustrados e desiludidos com as promessas vazias de Israel em melhorar as condições de vida na Faixa, em retorno pelo silêncio e resignação dos Palestinos.

O Hamas, incapaz de mostrar qualquer ganho significativo com o atual cessar-fogo com Israel, tem pouco ou nada nas mangas para dissuadir a Jihad Islâmica de implodir o status quo. Os líderes do Hamas estão cada vez mais desgastados com os adiamentos da parte de Netanyahu. A última cartada é tolerar as provocações militares da Jihad, por ser a única forma de trazer de volta a Gaza os egípcios e Nickolay Mladenov, enviado especial da ONU para o processo de paz, para que estes consigam fazer com que as negociações do cessar fogo tragam resultados mais concretos, e, com isto, popularidade e legitimidade para o Hamas, e melhores condições de vida para os palestinos.

Assim, as barragens primitivas de mísseis são as únicas cartadas que restam para unir a população sofrida, exausta e desesperançosa, contra o inimigo comum. O Hamas, com efeito, tenta mostrar aos habitantes de Gaza que a resistência está atuante e que não haverá traição (da causa palestina), ao mesmo tempo em que (a liderança) está ativamente negociando o preço da capitulação.

Netanyahu, por sua vez, quer comprar o silêncio de Gaza com um mínimo de propina que não enfureça os membros mais fanáticos de sua embrionária coalizão de governo (como no caso da concessão para os pequenos barcos pesqueiros). Ele sabe que varrer Gaza para debaixo do tapete irá tão somente acelerar a próxima eclosão de conflitos.

Israel e Gaza ficaram emaranhados um “ardil 22”. Netanyahu faz promessas para aliviar o bloqueio de Gaza, os egípcios exploram estas promessas para levar o Hamas a concordar e acalmar os protestos na fronteira, então os egípcios e os mediadores internacionais somem, e, com isto, também as promessas de Netanyahu. Então, como se já estivessem agendados, projéteis primitivos de Gaza são disparados na direção de Israel para chamar atenção, e os mediadores retornam. Uma sacola cheia de dinheiro do Catar chega, para comprar mais tempo a Netanyahu, até depois das eleições em Israel, até depois do dia da Recordação do Holocausto, da Independência, da Competição de Música da Eurovision (e assim por diante).

Estas entregas magras de dinheiro do Catar, no entanto, se esvaem em pouco tempo. Representam uma gota no oceano, servindo para incentivar pequenos negócios com empresas israelenses, para comprar bens de consumo essenciais de Israel e do Egito, possibilitando a uns poucos, escapar do empobrecimento brutal de Gaza. A economia local está de tal forma devastada pelo bloqueio, que o dinheiro do Catar mal permanece em Gaza.

Gaza está sofrendo não de uma crise humanitária, e sim, política. Soluções humanitárias nunca podem resolver um problema que é essencialmente político. Mas uma solução política pode remediar a necessidade de intervenções humanitárias. No entanto, a Netanyahu interessa incentivar as divisões entre os palestinos, e matar a solução de Dois Estados. Há somente uma forma de melhorar significativamente a vida dos habitantes de Gaza e dos israelenses residentes ao sul do país (sujeitos à barragem de mísseis). Este caminho é suspender o bloqueio de Gaza. Sem o bloqueio, a escalada militar da Jihad Islâmica perderia muito de sua legitimação.

Mas como Netanyahu não quer assumir o risco de parecer recompensar o Hamas, o único modo que possibilitaria a ele se engajar em discussões sérias sobre melhorar as condições em Gaza seria através de um parceiro internacional reconhecido e legítimo. Este parceiro pode ser apenas a Autoridade Palestina. Só há um caminho para se chegar a uma resolução que traga calma para a região, e este requer o incentivo à reconciliação Palestina (entre o Hamas e a Autoridade Palestina).

O “paradigma da paz financeira”, que falhou repetidas vezes, ao custo de milhares de vidas, é a base do plano “pegue-ou-deixe”, que Jared Kushner (genro de Trump) está empurrando aos palestinos, em troca da conformidade com Israel e da desistência de suas aspirações políticas. Este paradigma também irá falhar, com resultados potencialmente desastrosos. E se o conflito na Cisjordânia vier a entrar na mesma espiral letal em que Gaza e Israel se encontram agora, o custo em vidas será imenso.

  1. Muhammad Shehada, de origem palestina, é escritor, analista político e ativista por direitos civis. Estuda atualmente na Lund University, Suécia. Seus artigos recentes tem sido extremamente críticos das lideranças do Hamas.
  2. O Chacoalhando mais uma vez abre espaço para a divulgação de opiniões e análises políticas sobre temas relevantes, mesmo que polêmicas, visando alimentar o debate construtivo.
  3. Desde março de 2018, todas as sextas-feiras, os palestinos vêm protestando ao longo da cerca que separa Israel da Faixa de Gaza. Eles clamam pelo direito de retornar a casa de seus ancestrais, que foram expulsos em 1948, quando milícias sionistas teriam removido pela força 750.000 palestinos de suas vilas para abrir caminho para a criação do Estado de Israel. Os protestos também são pelo fim do bloqueio físico e econômico, que já dura 12 anos.
Redação

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  1. Pacificar Gaza? Crimes contra a Humanidade podem ser pacificados ou apenas omitidos? O que é feito na Palestina não é apenas um crime e uma vergonha para o Governo Israelense. É para toda a Humanidade.

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