
O apelo da Assembleia Geral por sanções contra Israel
por Thiago Braz Jardim Oliveira
Em setembro deste ano, em Nova York, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma importante resolução (ES-10/24) que, entre outros, fez o seguinte apelo aos 193 países membros da organização, entre os quais o Brasil: “implementar sanções, incluindo proibições de viagem e congelamento de bens, contra pessoas naturais e jurídicas envolvidas na manutenção da presença ilegal de Israel no Território Palestino Ocupado”. O apelo é parte de um conjunto de medidas que visam a colocar fim à ocupação israelense, iniciada em 1967, ante a conclusão da Corte Internacional de Justiça, emitida em julho passado, de que aquela ocupação, hoje, é contrária ao direito internacional.
Para aqueles que entendem que atos ilícitos devem ser combatidos e seus autores responsabilizados, o apelo da Assembleia Geral pode parecer não conter nada de extraordinário: “sanções” seriam a consequência natural da violação de regras do direito internacional, da mesma forma que, na nossa vida quotidiana, há a expectativa de que a lei pune (ou deveria punir) quem a descumpre, precisamente mediante sanções (penais, administrativas, civis, fiscais, etc.). No plano internacional, ademais, para fazer cumprir o direito, não há propriamente uma polícia mundial. Cabe aos Estados, individualmente – como no apelo feito pela Assembleia Geral –, ou de modo coletivo, sob arranjos multilaterais, a responsabilidade de aplicar as medidas necessárias, dentro de certos limites, em reação ao descumprimento de regras internacionais.
A aplicação de “sanções” no caso israelo-palestino, porém, poderia enfrentar alguns problemas, sobretudo se não houver clareza sobre o seu significado. A principal dificuldade decorreria da seguinte circunstância: no sistema das Nações Unidas de que é parte a Assembleia Geral, não cabe a ela, mas ao Conselho de Segurança, estabelecer “regimes de sanções”. Este órgão, no entanto, composto por 15 membros dos quais 5 com assento permanente e poder de veto (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), até aqui nada decidiu (e dificilmente decidirá) sobre o tema.
Em recente discurso à Assembleia Geral, em outubro último, o chanceler Mauro Vieira, ao criticar o embargo à Cuba, recordou a seguinte posição brasileira, com aparente reflexo no assunto aqui tratado: “o Brasil sustenta firmemente que as únicas sanções legítimas amparadas pelo direito internacional são aquelas adotadas pelo Conselho de Segurança no âmbito do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas”. Ora, considerado o caso israelo-palestino, como pode o Brasil atender ao apelo da Assembleia Geral de “implementar sanções” se, até o momento, não há decisão do Conselho de Segurança que as respalde?
Para responder a essa pergunta, é preciso esclarecer que, na prática internacional, “sanções” podem ser muitas coisas, nem todas elas necessariamente subentendidas na firme oposição brasileira indicada acima.
Há aquelas medidas, como o próprio embargo à Cuba, que violam regras internacionais, frequentemente, com o objetivo (ou o pretexto) de defender a população de um país estrangeiro de seu próprio governo. Essas medidas, sim, requerem prévia autorização (ou imposição) do Conselho de Segurança, sem o que são ilegais “medidas coercitivas unilaterais”. Assim são, precisamente, as limitações impostas pelos Estados Unidos à capacidade de outros países, de seus nacionais e suas empresas relacionarem-se com a ilha caribenha, sob a ameaça da coerção econômica estadunidense. Elas infringem, entre outros, o direito de todo Estado soberano de conduzir seus negócios e escolher seus parceiros sem interferência externa.
Outras “sanções”, no entanto, prescindem de qualquer permissão ou mesmo justificativa. É o caso da suspensão de relações diplomáticas com um Estado estrangeiro, ou da decisão de declarar um embaixador daquele país “persona non grata”. São atos inamistosos, mas não ilegais, tecnicamente conhecidos como “retorsão”. Estados costumam adotá-las, no exercício dos seus direitos soberanos, para revidar o comportamento repreensível – ilegal ou não – de outro Estado.
E há, por fim, também de modo independente de qualquer manifestação do Conselho de Segurança, o que se chama, no direito da responsabilidade estatal, de “contramedidas”. A licitude delas depende essencialmente do cumprimento de diversos requisitos pelo Estado que as aplica, desde que aplicadas em resposta a uma violação do direito internacional e contra o Estado violador. Um exemplo seria a suspensão, pelo país lesado, de preferências comerciais previstas em acordos internacionais, após notificação e oferta de negociação prévia, com o objetivo de induzir a outra parte a cumprir sua obrigação originalmente desrespeitada.
Visto que as “sanções” solicitadas para o caso israelo-palestino seriam em resposta a uma violação prévia do direito internacional, isto é a presença ilegal de Israel no Território Palestino Ocupado, pareceria lógico que a utilização de “contramedidas” pudesse atender ao apelo da Assembleia Geral. Isso seria necessário, ao menos, para justificar “sanções” que, de outro modo, corresponderiam a atos contrários a regras internacionais. O congelamento de bens de indivíduos e empresas estrangeiras, por exemplo, seria medida potencialmente contrária ao direito à propriedade dessas pessoas, protegido pelo direito internacional dos direitos humanos. No caso dos bens de um Estado estrangeiro, a seus direitos de imunidade.
Mas há problemas com a caracterização das “sanções” que se esperam contra a ocupação israelense como “contramedidas”. De um lado, o direito de lançar mão dessas medidas pertence, de modo incontroverso, unicamente ao Estado lesado, neste caso a Palestina. Não se admitem, ao menos não de modo consensual, “contramedidas por terceiros”, isto é, da parte de países não diretamente afetados. E assim é mesmo que se admita, com razão, que violações a direitos palestinos (como o direito à autodeterminação) tenham natureza “erga omnes” e impliquem “lesão jurídica” a toda a comunidade internacional.
De outro lado, “contramedidas” em resposta à ocupação ilegal somente poderiam ser justificadas, sob o direito da responsabilidade estatal, se dirigidas contra o Estado por ela responsável, mas não contra indivíduos ou empresas, como no apelo feito pela Assembleia Geral. Certamente não estariam justificadas para vulnerar direitos individuais, em oposição a direitos do Estado que têm por objeto a proteção de seus nacionais.
As ressalvas acima, contudo, não significam a impossibilidade de “sanções” contra pessoas naturais e jurídicas que contribuam para a manutenção da situação ilegal no Território Palestino Ocupado. Dentro dos limites da sua própria jurisdição, como expressão de sua soberania, cada Estado pode prever e aplicar medidas internacionalmente lícitas, se necessário, respaldadas por mudanças na sua legislação interna. A revogação ou não concessão de vistos para a entrada ou permanência no país, espécie da “proibição de viagens” explicitada pela Assembleia Geral em seu apelo por “sanções”, exemplifica essa possibilidade. Outras ações, como em relação a pessoas naturais e jurídicas, com a nacionalidade ou no território do Estado que as aplica, também poderiam estar amparadas no direito doméstico.
Mudanças na lei brasileira para atender clamor internacional por “sanções”, a propósito, já aconteceram em outro caso de ocupação estrangeira, com a adoção de diversas medidas sem que houvesse propriamente obrigação ou permissão emanando do Conselho de Segurança. Em 1985, ante o regime do Apartheid na África do Sul e da sua ocupação ilegal da Namíbia, o Brasil passou a adotar não apenas as “sanções voluntárias” sugeridas pelo Conselho de Segurança, mas, de modo significativo, também proibiu a exportação de petróleo para aquele país, conforme apelos formulados unicamente pela Assembleia Geral. A proibição, estabelecida pelo artigo 2 do decreto 91.524, vigorou até 1994, sob a atual Constituição Federal, quando revogada pelo decreto 1.172, à luz de decisão da própria Assembleia Geral de rescindir os apelos formulados anteriormente.
O caso sul-africano, previamente objeto de um parecer da Corte Internacional de Justiça que reconheceu a ilegalidade da ocupação da Namíbia, ilustra a capacidade de o Brasil implementar certas “sanções” fora do âmbito do Conselho de Segurança. Fazê-lo no caso israelo-palestino, ademais, seria coerente com o voto do país, em setembro último, a favor da aprovação da resolução da Assembleia Geral que contém o apelo em questão.
[As opiniões emitidas no texto são de inteira responsabilidade do autor, não coincidindo necessariamente com posições do Ministério das Relações Exteriores]
THIAGO BRAZ JARDIM OLIVEIRA é diplomata de carreira, mestre e doutor em direito internacional pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (IHEID) da Universidade de Genebra.
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A criação artificial do estado sionista no na Palestina, é fruto de um movimento conjunto do movimento sionista europeu em parceria com os estados colonialistas que viram a oportunidade de livrarem-se do indesejados judeus e usá-los como ponta de lança dos seus interesses no oriente médio, já que a grande maioria das levas de judeus que migraram para a palestina, eram constiuidos de judeus de origem europeia, sem nenhum vínculo étnico com os judeus de origem palestina. Para infelicidade tanto dos palestinos islamitas quanto para os judeus de israel, ao que tudo indica, o fim do estado sionista, não será pelas vias diplomáticas, mas que ela vai acontecer, vai!