Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Zanin surpreende e decepciona?, por Aldo Fornazieri

Ao invés de se promover um julgamento prematuro acerca dos votos de Zanin é mais produtivo discutir os critérios de indicação de um ministro

Brasília (DF) 21/06/2023 Advogado, Cristiano Zanin; Durante sabatina para indicado do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

Zanin surpreende e decepciona?

por Aldo Fornazieri

Grupos de esquerda e movimentos sociais expressaram sentimentos de surpresa e decepção com os votos do ministro Cristiano Zanin proferidos até agora no STF. Destacam-se três votos: Votou contra a descriminalização do uso da maconha para uso pessoal, contra a equiparação da homotransfobia ao crime de injúria racial e a favor da atribuição de funções de segurança pública às guardas municipais.

Pessoalmente, não me surpreendi e nem me decepcionei, talvez porque não tenha manifestado simpatia pela indicação de Zanin ao STF. Mas cabe perguntar: aqueles que manifestaram apoio têm razão de se surpreenderem e de se decepcionarem com os votos de Zanin? Penso que não, por várias razões.

A primeira razão diz respeito ao perfil histórico de Zanin. Ele nunca foi um ativista de causas progressistas. Pelo contrário: no seu périplo para conquistar votos de senadores, as sinalizações que ele emitiu foram as de que, em termos de costumes e de direitos civis, tendia a posições mais conservadoras.

O ultraconservador Silas Malafaia elogiou o pretendente. O pastor viu o que a esquerda não viu e matou a charada: “Primeiro, que é um cara família, que eu sei. Advogado é advogado. Uma coisa é advogado militante e Zanin não é advogado do PT. É um advogado contratado por Lula”. Quer dizer: o principal qualificativo de Zanin foi ter sido advogado contratado por Lula.

Lula não deixou claro os motivos e os critérios para indicar Zanin. Parecem ter sido de três ordens: 1) critério personalíssimo, por Zanin ter sido seu advogado; 2) por ser um advogado garantista; 3) por, de alguma forma, ter triunfado sobre Sérgio Moro. Note-se que aqui não há nenhum critério de natureza ideológica, de visão de mundo ou de visão de direitos civis e individuais.

Note-se também que quando alguém assume o assento de uma cadeira no STF ganha uma carta de alforria em relação ao presidente que o indica, aos senadores que o aprovam, aos padrinhos que o patrocinaram e em relação a qualquer grupo político, movimento social etc. Essa alforria é ainda mais ampla se o novo ministro não tinha compromissos pregressos de ordem política e ideológica com nenhum grupo, como é o caso de Zanin. Ficará no STF até os seus 75 anos, se quiser, e o único compromisso é com sua consciência, com a sua visão de mundo e com sua preocupação de como quer ser visto nas páginas da história.

Por outro lado é preciso considerar que nenhum ministro do STF votará de forma coerente e sempre alinhada com o campo progressista ou com o campo conservador em todas as matérias. Mas o que é ser progressista no âmbito jurídico de uma Suprema Corte?  Certamente não é ser garantista. Um juiz de direita pode ser garantista, quanto um de esquerda. Ambos podem usar o garantismo para absolver políticos de direita e de esquerda.

O que parece estabelecer o critério mais universal da clivagem progressista/conservadora num tribunal constitucional é a questão dos direitos. Dos direitos civis, individuais, de liberdade e sociais. Ao menos é neste terreno que se definem os dois campos na Suprema Corte dos Estados Unidos, que tem uma configuração institucional assemelhada com o nosso STF. Zanin poderá ser ambíguo nesse terreno. Poderá ser progressista em direitos sociais e conservador em direitos individuais e civis.

Ao invés de se promover um julgamento prematuro acerca dos votos de Zanin é mais produtivo discutir, neste momento, os critérios de indicação de um ministro para o STF. O critério existente é vago e genérico: a escolha deverá considerar alguém que tenha “notável saber jurídico e reputação ilibada”. A “reputação ilibada” até pode ser verificada pelo histórico do indicado. Já o “notável saber jurídico” carece de uma definição mais precisa. Três critérios poderiam ser assumidos como definidores do “notável saber jurídico”: 1) títulos (doutorado, por exemplo), 2) experiência na magistratura judicial com ingresso por concurso público e, 3) obras publicadas relativas ao direito público e ao direito constitucional, campos precípuos da atuação do STF.

Há também um quarto critério que não pode ser escrito na Constituição: é o critério político e este é da alçada exclusiva do presidente da República que indica o candidato. Aqui deveria ser considerado o perfil ideológico, a concepção de mundo e os compromissos do indicado. Um presidente progressista indicaria um candidato mais progressista e um presidente conservador indicaria um candidato mais conservador.

Considerando que a função principal de um tribunal constitucional consiste em ser guarda da Constituição e considerando que o fundamento de uma Constituição democrática-republicana consiste na garantia dos direitos dos cidadãos (civis, individuais, de liberdade, sociais) a escolha de um ministro do STF deveria considerar o quadro geral de direitos na sociedade brasileira.

O quadro geral de direitos da sociedade brasileira não deixa dúvidas: dois grupos majoritários – o negros e as mulheres – são os que mais carecem dos vários tipos de direitos. O sistema de representação política, o sistema Judiciário e o sistema de Polícia têm grande impacto negativos sobre os direitos desses dois grupos.

A defasagem de direitos do grupo étnico dos negros e do grupo de gênero das mulheres se entrelaça com uma defasagem de direitos a partir de uma clivagem socioeconômica e de outra regional. A categoria socioeconômica diz respeito aos pobres das periferias e a categoria regional se refere ao Nordeste.

Negros, mulheres, pobres e nordestinos têm uma franca sub-representação no STF e são vítimas do Estado e do sistema econômico em relação à inefetividade de direitos. O STF, até hoje, só teve três negros e três mulheres como ministros e ministras. O Nordeste vem sendo historicamente sub-representado no STF em relação ao Sudeste e ao Sul.

O Nordeste concentra 47,9% da população pobre brasileira, o Norte 26,1%, o Sudeste 17,8%, o Centro-Oeste 5,7% e o Sul 2,5%. O Nordeste, contudo, tem 26,9% da população brasileira. Dos atuais 11 ministros do STF, 7 vieram do Sudeste, 2 do Sul, 1 do Nordeste e 1 do Centro-Oeste. Uma representação equânime por região indica que o Nordeste deveria ter 3 ministros e o Sudeste deveria ter de 4 a  5 ministros.

Pelo conjunto dos critérios aqui apontados e pelo quadro geral das defasagens de direitos na sociedade brasileira, a única indicação coerente e criteriosa para substituir a ministra Rosa Weber, que logo se aposentará, deveria recair em uma mulher negra e nordestina. Uma mulher que, além dos critérios qualificadores do notável saber jurídico, tivesse um histórico e uma sensibilidade ativa coerentes com a necessidade de efetivar direitos aos grupos mais necessitados.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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  1. Em tese, um Tribunal sempre será mais representativo se tiver o maior número de juízes recrutados entre cidadãos oriundos de todas as camadas da população e regiões do país. Todavia, nem o número de juízes nem a diversidade social deles é capaz de impedir a prolação de decisões injustas.

    Sócrates foi julgado por 500 (ou 501) cidadãos oriundos de todos os Demos de Atenas. Alguns dos juízes do famoso filósoto eram atenienses ricos, outros receberam o auxílio financeiro que a cidade pagava aos pobres que não podiam comparecer ao Tribunal e dele parcipar sem comprometer seu sustento.

    A sentença daquele Tribunal foi proferida de acordo com as regras então vigentes. Sócrates foi acusado e teve oportunidade de se defender. A maioria dos juízes o condenou a morte por um crime que ele obviamente não poderia ter cometido. Uma injustiça, sem dúvida. Mesmo assim, o filósofo preferiu cumprir voluntariamente a sentença ao invés de se exilar.

    Antes de tomar o veneno e morrer, Sócrates pediu a um dicípulo para sacrificar um galo a Asclépio. Os gregos cumpriam esse ritual quando pediam ajuda ao deus da cura e saravam de suas doenças. A vida havia se tornado uma doença para Sócrates e ele considerava a própria morte uma espécie paradoxal de cura.

    Quais são as lições práticas do exemplo socrático:

    1) não importa o tamanho ou a diversidade da composição de um Tribunal, injustiças sempre irão ocorrer;
    2) as vítimas de injustiça não precisam se comportar de maneira injusta rebaixando-se ao nível dos juízes que proferem decisões injustas;
    3) a ironia é o mais poderoso recurso dos justos.

  2. É lamentável o jornalismo progressista não ver o óbvio ululante de Nelson Rodrigues. O PT como partido reformista teve 14 chances de nomear jurista de renome para o STF, e cruelmente, falhou em 13 tentativas. Excluindo H. Lewandosvski, o resto é o resto. Pra se ter um ideia, Alexandre de Moraes não passaria pelo crivo progressista e social-democrata de nenhum Salvador Allende ou coisa até de João Belchior Marques Goulart; no entanto, constrangidamente somos obrigados a admitir que A. MORAES fez mais pela democracia brasileira que todos os 14 juízes nomeados pelo PT. Malandro chegou à Suprem Corte dizendo que iria “matar bola no peito”. Meu Deus, isso é critério!!????? O caso paradigmático é o bacharel de Marília, um espécie de quebra-galho do mesmo ZÉ DIRCEU. O sujeito em 2016 foi chamado de personagem mais d e s p r e z í v e l da política brasileiro pelo historiador inglês PERRY ANDERSON. Esse inominável nos premiou com o seguinte: a, em 1964 não houve golpe , foi um movimento (sic): b, se a presidenta Dilma Roussef não tem base parlamentar não merece governar… e por aí vai! Jornalismo é oposição, o resto é comércio de secos e molhados. MILLOR FERNANDES.

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