A espantosa história do grampo na cela de Youssef

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Stanley Burburinho

OLHA QUE CONFUSÃO ISSO PODE DAR: Todo mundo sabe que grampear qualquer pessoa sem autorização judicial é crime grave. Acontece que os mesmos delegados da PF da Lava Jato que foram flagrados fazendo campanha para Aécio na eleição presidencial de 2014 e ofendendo Dilma e chamando Lula de “anta”, grampearam, sem autorização judicial, a cela, no prédio da Polícia Federal de Curitiba, onde o doleiro Yousseff e o Paulo Roberto Costa da Petrobras estavam presos. Hoje [quinta-feira], numa sessão fechada na CPI, um agente da Polícia Federal de Curitiba contou que seus chefes [os delegados da PF da Lava Jato que foram flagrados fazendo campanha para Aécio] mandaram instalar uma escuta ilegal para ouvir as conversas entre o doleiro e o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Yousseff disse, mais tarde, que começou a desconfiar do grampo durante os interrogatórios. Contou que tinha a impressão que os policiais perguntavam coisas que ele tinha conversado com Paulo Roberto Costa na cela. Leia mais abaixo:

A espantosa história do grampo na cela de Youssef

Por Paulo Moreira Leite

No Brasil 247

A CPI que apura a Operação Lava Jato ouviu um depoimento estarrecedor na tarde desta quinta-feira. Falando para os parlamentares reunidos numa sessão fechada, o agente da Polícia Federal Dalmey Fernando Werlang contou que:

a) no início do ano passado foi chamado por seus superiores, que determinaram que instalasse um grampo eletrônico numa cela da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, reservada para abrigar um determinado prisioneiro;

b) Werlang fez o serviço e, dias depois, apareceram dois prisioneiros: o doleiro Alberto Yousseff e Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras, os principais delatores da Lava Jato.

c) orientado pelos superiores, todos os dias o agente recolhia um arquivo eletronico do equipamento, para entregar à chefia;

d) duas semanas depois, Alberto Yousseff fez um pequeno escândalo na carceragem: apareceu com o grampo na mão, dizendo que havia encontrado no teto da cela.

e) Yousseff disse , mais tarde, que começou a desconfiar do grampo durante os interrogatórios. Contou que tinha a impressão que os policiais perguntavam coisas que ele tinha conversado com Paulo Roberto Costa na cela.

O caso prometia permanecer como um pequeno segredo entre os agentes e delegados da Polícia Federal que investigam a Lava Jato até que a VEJA publicou uma reportagem a respeito do grampo. A revista não conhecia a história inteira mas a notícia obrigou a abertura de uma sindicância interna. O resultado, explicou Werlang, foi uma história de cobertura, falsa como uma nota de 3 reais. Foi a partir de então, contou o agente, que ele descobriu que havia sido convocado para cumprir uma ordem ilegal — e percebeu que não era a única vez. Na mesma época, lhe pediram para montar um grampo ambiental numa área de convivência da PF de Curitiba, conhecida como “fumódromo.”

A historinha de cobertura dizia que o grampo era muito antigo, e fora instalado quando a mesma cela abrigou outro prisioneiro célebre, o traficante Fernandinho Beira-Mar. Chegaram a dizer que era um equipamento anacrônico, imprestável para ouvir uma conversa entre prisioneiros.

Tudo cascata, explicou o agente Werlang, sem usar essas palavras, claro. Ele conhecia o equipamento usado, que funcionava perfeitamente. Também conhecia o equipamento levado a carceragem para substituir o primeiro para sustentar a cobertura — era novo em folha, e funcionava muito bem.

Mas a confusão estava armada porque logo depois o mesmo Werlang revelou que havia instalado um segundo grampo instalado pelo mesmo agente Werlang, numa área de convivência do local, conhecido como fumódromo.

Após a sindicância que deu em Fernandinho Beira-Mar, abriu-se um inquérito para apurar as responsabilidades dos envolvidos, que até agora não chegou a parte alguma.

Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que não assistiu ao depoimento do agente mas ouviu um relato detalhado, “trata-se uma ilegalidade grave, que deve ser apurada cuidadosamente,” afirma. “Os fatos devem ser checados e, se forem verdadeiros, os responsáveis devem ser investigados e punidos.”

O deputado tem razão. Espera-se, agora, que o responsável pela Policia Federal — o chefe hierárquico é o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo — tome as providências cabíveis ao caso.

Caso tudo fique demonstrado, restará uma questão essencial a Lava Jato: as delações premiadas tiveram início com um crime, cometido pela própria Polícia Federal?
As provas podem ser consideradas válidas, nessas circunstâncias?

A jurisprudência brasileira costuma anular inquéritos realizados nessa situação. Operações que tiveram seus instantes de fama — nunca como a Lava Jato — já terminaram dessa maneira.Com uma longa lista de políticos denunciados por receber pagamentos clandestinos, a Castelo de Areia foi anulada porque se baseava em fontes anônimas. Recentemente, o ministro do STF Luiz Roberto Barroso confirmou a decisão. Outra operação conhecida, Boi Barrica, foi anulada porque se baseava em escuta ilegal.

A escuta ambiental — como se fez na cela de Paulo Roberto e Alberto Yousseff — é permitida por lei desde que autorizada por um juiz.

Caso contrário, fere um direito elementar detoda pessoa acusada — que é o direito de permanecer calada e nada declarar que possa ser usado contra ela. Ninguém pode ser ouvido em conversas privadas pela polícia.

Esta é uma garantia fundamental do Direito brasileiro — está prevista no artigo 5o, da Constituição — e inspirou uma célebre decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Miranda x Arizona.

Acusado de raptar e estuprar uma adolescente, Ernesto Miranda foi libertado pela Suprema Corte quando se comprovou que, embora tivesse confessado o crime, não fora devidamente protegido de pressões de um interrogatório policial que pretendia “minar sua vontade de resistir.” Lembrando que uma confissão só tem valor quando inteiramente voluntária, quando o acusado tem plena consciência do que está fazendo, os juizes mandaram que Ernesto Miranda fosse solto imediatamente.

Durante o depoimento do agente Werlang, que compareceu ao Congresso em companhia de um delegado da PF de Curitiba, José Alberto de Freitas, os parlamentares da oposição chegaram a fazer uma pergunta curiosa. Quiseram saber se o agente não achava que os chefes que haviam determinado que instalasse a escuta não estavam interessados em provocar um incidente para comprometer a Lava Jato com um ato ilegal, capaz de atrapalhar o andamento dos trabalhos. Werlang disse que não.

O esforço da oposição para minimizar um episódio muito mais grave do que parece é compreensível. Conforme o agente, um dos delegados que determinou que instalasse a escuta foi o delegado Igor Romário de Paula, que costuma dar entrevistas coletivas após as operações da Lava Jato. Outro foi Márcio Anselmo, também delegado.Na reta final da campanha de 2014, os dois se destacaram por manifestações contra o governo Dilma no Facebook, conforme revelou Julia Duailibi em reportagem do Estado de S. Paulo. Ela contou que o delegado Igor Romário participava de um grupo no Facebook chamado Organização de Combate a Corrupção, cujo símbolo é uma imagem distorcida da presidente Dilma, com dentes de vampiro e uma faixa “Fora PT.”Soube-se pela reportagem que, comentando uma notícia que dizia que Lula havia comparado o PT a Jesus Cristo, o delegado Anselmo fez um apelo: “alguém segura essa anta, por favor.”

Embora a Constituição brasileira assegure a todo cidadão o direito a liberdade de expressão, o regimento da Polícia Federal proíbe, por motivos óbvios, manifestações desrespeitosas em relação a autoridades. Sabe-se que o caso provocou a abertura de uma investigação interna mas não há noticia de punição.

O caso relatado pelo agente Werlang envolve uma situação muito mais grave que um ato de desobediência ao regulamento. A escuta não-autorizada é crime, uma violação da intimidade que muitos juristas consideram até mais grave do que grampo telefônico não autorizado, pois envolve a liberdade de uma pessoa comunicar-se com outra, sem uso de qualquer aparelho ou instrumento.

Não custa lembrar que o relato sobre o grampo na carceragem de Curitiba — que precisa ser confirmado por novas investigações — narra uma história bastante conhecida sobre a cadeia de ilegalidades que sempre se produz quando policiais cometem atos a margem da lei e não são investigados corretamente. Ao primeiro crime, que já é grave, segue-se outro — a fabricação de um inquerito fajuto — destinado a esconder o que aconteceu, numa sequência que pode prolongar-se indefinidamente, como sabem todos aqueles que não perderam a memória sobre fatos muito mais graves que marcaram a ações policial-militares do regime de 64, e que ninguém quer que se repitam.

Ninguém quer que se repitam?
Depois do impressionante relato do agente da Polícia Federal, a CPI ouviu um empresário adversário do PT, de Lula, de Dilma — e da democracia — que, depois de pronunciar um discurso raivoso contra o governo, pediu uma intervenção militar no país.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

16 Comentários

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  1. A gente não dá conta. Um estupro, um murro, um pescoção por

    minuto.

    Isso é ou não é a DITADURA coletiva?

    Amplificada pela tecnologia.

    Violações às centenas.

    Ninguém aguenta isso.

    Só o Ministro da Justiça. 

  2. “Caso tudo fique demonstrado,

    “Caso tudo fique demonstrado, restará uma questão essencial a Lava Jato: as delações premiadas tiveram início com um crime, cometido pela própria Polícia Federal?
    As provas podem ser consideradas válidas, nessas circunstâncias?”

    Por muito menos o Protógenes foi expulso da PF e a sathiagraha anulada.  PF será prato feito?

  3. Sobre o grampo na cela do prédio da PF

    Este caso, demonstra que a farsa e a tragédia andam de mãos dadas no atual momento Brasileiro, e não primeiro a farsa e depois a tragédia.

    A farsa juridica que sustenta a Lava Jato, em todas as suas delações premiadas, vazadas seletivamente e acobertadoras de tucanos-vampiros e novos todo-poderosos, é o mesmo fenômeno que fomenta a tragédia da paralisação econômico-politica do Brasil. 

    Olhando as Contradições , esta é a face do movimento da realidade, que necessita de muita mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras, no sentido, de deter tudo que de mais nefasto está sendo construído pela chamada “Casa Grande” hoje no Brasil.

  4. As vezes acho que só tem

    As vezes acho que só tem idiota no PT.

    É obvio para quem não é idiota que a investigação foi feita para ser anulada posteriormente.

     

    E o Ministro preocupado com republicanismos e outros penduricalhos.

    É só polítca! São delegados do PSDB, acorda!

    Só gente que usa a PF para depois serem promovidos a deputados do PSDB!

    1. Sempre martelei isso aqui:
      Sempre martelei isso aqui: essa investigação será anulada, mas o papel dela não é e nunca foi fazer justiça, foi política das mais sujas.

      O propósito principal era derrotar Dilma nas eleições. Falharam, por pouco, mas falharam.

      Como não houve sucesso, mudou-se o objetivo: agora é arrasar com a economia do país para que Dilma seja tirada do poder ou, ao menos, não consiga mais governar.

      Isso tudo diante das barbas de um Governo que sequer esboça uma reação. Um ministro que entrará para a história por sua total omissão, um governo que não tem coragem de tomar sua parte em uma guerra já declarada pela velha mídia, um PT irreconhecível tamanha a sua covardia (sem falar nos muitos Quinta-colunas que lá estão).

  5. Stanley está delirando.

    Stanley está delirando. Constituição? regimento da PF? Normas? Tudo isso foi jogado no,lixo desde a AP 470 (antes, em alguns casos, mais discretamente) e moro reinventou tudo e usa como bem entende. 

  6. a pf deveria ter sido

    a pf deveria ter sido sumariamente extinta por incompetência,  depois de não ter conseguido achar nada na investigação sobre o helicóptero dos porrela que estava transportando 450 kg de pasta de cocaína

  7. A confusão que isso pode dar

    A confusão que isso pode dar vai ser a mesma que deu o helicóptero com meia tonelada de pasta de cocaína e a que está dando a Lista de Furnas, a Lista do HSBC e a Zelotes.

     

     

     

     

  8. Stanley, lembra que todo

    Stanley, lembra que todo ministro da Justiça não lida diretamente com a PF e sim o chefe da PF que tem relação direta com o pessoal, em todos os outros governos todos sabiam quem era. O que me intriga é que nem sabemos quem é esse sujeito, que apito ele toca, só dá para saber que ele não tem o controle da tropa, ou é ele que toca esse zaralho de perseguição ao PT e blidagem de tucanos? Você sabe quem é ou ao menos o nome desse chefe da PF?

  9. Até quando Dilma vai
    insistir em manter este ministro? Eles se merecem. Até nos animais há um limite para tanta estupidez! Só digo uma coisa, eu já estou com o saco cheio. Para mim não adianta mais gritar, olha o lobo. Espero que o lobo venha e os coma por inteiro.

  10. Revisitem o termo de

    Revisitem o termo de colaboração. 

    Não se esqueçam de prestar a atenção às datas que se houveram conhecimento, ou seja, posteriormente, como:

    CPI prorrogada até 7 de setembro (é…parece estranho mas foi a data dada pelo presidente da CPI ao vivo e  a cores)

    Prorrogação/reconsideração requeridas..

    _

     

    O termo:

    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI214331,51045-Delacao+de+Youssef+indica+participacao+de+autoridades+com+foro

     

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