O Judiciário na era do protagonismo submisso, por Marcelo Semer

Do Justificando

Judiciário na era do protagonismo submisso

Marcelo Semer

Pode até ser que a época dos regimes de exceção tenha ficado para trás no Continente, lá na metade final do século XX. Mas em seu lugar instalou-se a era das medidas de exceção, aquelas que são aplicadas apenas quando as instituições funcionam normalmente.

Enquanto os regimes de exceção eram impostos goela abaixo pelo Executivo, com as forças que dele tomavam conta, civis ou militares, as medidas de exceção são instrumentos que se viabilizam no Judiciário, hoje investido de um protagonismo que espanta os mais desavisados.

Pedro Serrano explica o funcionamento em Autoritarismo e golpes na América Latina: Breve ensaio sobre jurisdição e exceção (editora Alameda): “Enquanto na Europa se observam medidas de exceção de caráter legislativo, pelo fato de que se reconhece nesses países uma tradição maior de universalização dos direitos fundamentais, o mesmo não se constata na América Latina e em países de capitalismo periférico e democracia incipiente. Isso porque não existe a necessidade, no processo de dominação, de se estabelecer a exceção por norma geral e abstrata, já que de fato, a exceção já está inserida nas suas tradições, chancelada, muitas vezes, pela jurisdição”.

O protagonismo é um palco perfeito para o desfile de vaidades ou mesmo a demonstração mesquinha e voluptuosa de privilégios. Mas no que concerne ao exercício da jurisdição, seu maior risco é mesmo a submissão.

Quando os juízes se sentem livres para ignorar garantias fundamentais, se afastam de normas por motivos políticos, abrem mão do direito pelo risco, pelo aplauso ou eficiência, eles não aumentam o seu poder. Demitem-se dele.

O poder dos juízes não está na decisão, está no método.

Os magistrados não são eleitos, mas recrutados por concursos e indicações que se remetem, sobretudo, ao conhecimento. E não é à toa. Não se trata apenas de uma tradição bacharelesca empossar quem seja capaz de fazer o discurso mais empolado ou ininteligível. O conhecimento do direito é imprescindível porque sua decisão depende dele.

É o direito que permite ao juiz não se curvar a um apelo majoritário, venha ele do governo de plantão, dos representantes do mercado emasculados pela mídia, ou ainda das opiniões públicas. A Constituição é a âncora que protege a sociedade dela mesma, e a função do juiz é tê-la eternamente como um guia, por mais incômoda que possa parecer em certas situações cotidianas. Ela é o mastro em que Ulisses foi amarrado por seus marinheiros, a seu próprio pedido, para que fosse capaz de resistir ao canto das sereias.

Ao abrir mão dos princípios em nome da política, seja ela dourada com um garboso estandarte da razão de Estado, como necessária ao negócio, solução para a crise do ano, ou, até mesmo, o endeusamento pela multidão, o juiz não aumenta o seu poder. Por trás da aparente liberdade, desvela-se a pequenez do despachante de grandes ou pequenos interesses.

Trata-se de um protagonismo submisso.

É o mesmo que ocorre com a sagração daqueles que sempre prendem e que sempre condenam, engalanados com a falsa sensação do exercício ilimitado da autoridade. No processo penal, o poder do juiz não se mede pela folha de condenações ou pelo tamanho das penas, mas pela capacidade de assumir a função de controlar a legalidade da prisão, da investigação, da acusação.

O juiz que sempre encarcera, encarcera-se a si próprio, homologando a acusação que era de sua responsabilidade mensurar de forma cuidadosa.

Na Lista de Schindler, Spielberg nos brinda com a cena em que Oskar Schindler tenta explicar isso ao cruel Amon Goth, chefe do campo de concentração, ao adverti-lo que exercer o poder não significava matar a todos que passassem à sua frente, mas poder tomar a decisão de fazê-lo ou não. À primeira vista, o nazista parece convencido. Para, pensa e recolhe sua arma. E em seguida atira na jovem que caminha apressada à frente de sua varanda.

O que é obrigação do juiz devolver à sociedade, em troca da remuneração e da respeitabilidade que aufere com o cargo, é um julgamento com independência. Não é pouca coisa. Ser independente é custoso, é dolorido, é constrangedor. Mas é necessário. Para o juiz, não é um direito, uma prerrogativa ou privilégio. É simplesmente uma obrigação.

Não é juiz quem se curva ao interesse. Sua obrigação é atender ao princípio, jamais ao príncipe. Seja ele quem for.

Marcelo Semer é Juiz de Direito em SP e membro da Associação Juízes para Democracia

Redação

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “Não é juiz quem se curva ao

    “Não é juiz quem se curva ao interesse. Sua obrigação é atender ao princípio, jamais ao príncipe. Seja ele quem for.”

    Aí referindo-se claramente ao gilmar e ao principe da privataria tucana, fernando henrique cardoso.

  2. Abuso disfarçado de omissão. Protagonismo de pragmatismo,

     

    inclusive fora dos autos, Magistrados, Procuradores, Ministério Público são participantes politicamente engajados, em favor de interesses de grupos e classes, que afiançam, prorrogam e garantem a eles mais e mais benefícios dos cargos. Aplicam via de regra o código de ética dos advogados. Não se visualiza  nada submisso. O conteúdo do texto conflito com o título. 

    Os fins justificam os meios é a regra do Juízes midiáticos , querem a independência para julgar com base em deduções, tudo implícito,  e interpretação abstrata.

    Membro do Judiciário , os primeiros a praticar a desobediência civil, a banalizar a leis e a Constituição.  Um procedimento anárquico se pelo cidadão, mas as desobediências ou transgressões se pelo Legislador e pelo Magistrado deveria ser tratada como ato criminoso. Abuso de Autoridade

     

  3. Quem está mesmo no comando?

    A gente entende que existe algum tipo de alienação que faz com que pessoas de elite atuem em forma quase robótica em favor do golpe. Mas, neste recente episódio de Renan, foi estabelecido, com muita rapidez, um esquema específico de votação no STF em favor da PEC 55. O Ministro Celso de Mello, em ação combinada, fala primeiro depois do relator (normalmente é o último antes do Presidente) e estabelece o voto alternativo que facilita a vida dos colegas que participaram de aquela combinação (ou até mesmo algum ingênuo, se houvesse algum entre os 9 que votaram). Essa combinação requer de comando específico, de uma pessoa específica por cima de Senado e de STF. Quem é? Quem comanda? Aqui sim cabe um exercício de Power Point.

  4.  
    Isso NAO eh “protagonismo

     

    Isso NAO eh “protagonismo submisso”!!!

    Eh protagonismo bicha louca mesmo.  Infelismente, de um tablet nao da pra desenvolver teoria nenhuma.  Essa Eu vou ficar devendo a voces.  Estou comunicacionalmente aleijado

     

     

  5. Não se esqueçam: Moro só existe por causa da Rede Globo

    Ex-ministro da Justiça diz que Moro é criminoso

    Um dos autores da carta em que intelectuais brasileiros protestaram contra o convite da Universidade de Heildeberg, na Alemanha, a Sérgio Moro, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão acusa o juiz responsável pelos processos da operação Lava Jato de ser “um criminoso”; em mensagem enviada ao professor alemão Markus Pohlmann, Aragão diz ainda que “Moro é um criminoso, também sob a perspectiva alemã. Ele se tornou punível quando violou sigilo funcional, para não falar em prevaricação”; em e-mail à universidade, Aragão criticou o convite a Moro; “Não consigo imaginar que o senhor convidasse como conferencista um gatuno, para que expusesse a seu honrado público, friamente, sob a perspectiva científica, seu procedimento de gatunagem”; o ex-ministro disse ainda que Moro está “a serviço do PSDB e da Rede Globo”

    10 de Dezembro de 2016 às 17:34 // Receba o 247 no Telegram Telegram

     

     

    247 – Um dos autores da carta em que intelectuais brasileiros protestaram contra o convite da Universidade de Heildeberg, na Alemanha, a Sérgio Moro, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão acusa o juiz federal responsável pelos processos da operação Lava Jato (na primeira instância) de ser “um criminoso”.

    Em mensagem enviada ao professor alemão Markus Pohlmann, Aragão diz ainda que “Moro é um criminoso, também sob a perspectiva alemã. Ele se tornou punível quando violou sigilo funcional, para não falar em prevaricação”.

    O e-mail do ex-ministro foi enviado junto com uma carta, assinada por 28 professores de Direito, História e Ciência Política, que questiona o fato de a Universidade de Heidelberg convidar Moro para falar sobre combate à corrupção. O evento ocorreu na sexta-feira (9), e Moro foi recebido com protesto.

    Além de citarem que Moro determinou a “ilegal condução coercitiva do ex-presidente Lula” para depor e que ele “vazou criminosamente” gravações de conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, os professores citam também a suposta posição política de Sérgio Moro em sua atuação.

  6. Não entendi nada.

    A matéria tem uma chamada muito latente. Mas vazia ao ler, embora sejam verdades algumas premissas sobre tentativas de controle da esquerda, minha linha. Mas deixando a lamentar sobre minha vertente de direita e seu sentido anti-pró-direitismo que endireita sem reprimir a senda pro trabalhador, que vive para ser à direita, embora seu discuro por doláres e guaranis guiem sua composição psíquica e desejo pelo mal do vizinho, que vive melhor.

  7. Excelente artigo

    Resumindo: O juiz é um escravo da lei e da constituição. E ela é que dá poder ao juiz. Se o juiz troca o poder, e pode muito, pela lei ele é um zero a esquerda, é um nada.

    Todo juiz que não se guia tecnicamente pelo cumprimento fiel da lei perde totalmente sua condição de poder..

    E é impressionante que tantos juizes, ou porque usam capa (ridícula), ou porque acham que devem consertar a sociedade ou acabar com a corrupção, se perdem no caminho e passam a ser um nada e elementos negativos à sociedade.

    E não é nada fácil se ater a lei. Às vezes é dificilimo.

    É o irrestrito cumprimento da lei que faz do juiz um juiz. O resto é nada ou excrecencia.

     

     

  8. A.r e D.r como fica o curso de direito no Brasil

    Como vai ficar o curso de direito no país, nas aulas das faculdades Brasil afora, pois temos todo o imbróglio da eleição que foi ganha legitimamente pela Dilma, depois sabemos o que houve, agora temos o espetáculo senado x stf, que intimado de decisão judicial, por duas vezes renan, não recebeu o oficial de justiça, então temos antes de renan e depois de renan, como professores do curso de direito vão ensinar seus alunos, imaginem, o curso de direito acabou, quando se defenestrou uma presidenta eleita por mais de 54 milhões de votos populares, e diuturnamente estamos vendo que a quadrilha está solta em brasilia, a oab não vai precisar fiscalizar mais cursos de direito, pra que, se renan acabou com tudo, e vem mais por aí aguardemos para ver…..

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador