Os critérios políticos na escolha de um juiz para o STF

Um crítico literário não é melhor ou pior porque gosta ou deixa de gostar de uma obra ou de um autor. Mesmo que já tenhamos opinião formada, o texto de um BOM crítico sempre nos interessa (ou deveria nos interessar) – pelas informações que traz, mas principalmente pelo modo como articula uma visão diferente da minha, forçando-me a refinar meu pensamento e apurar meu gosto. Posso gostar do crítico, enfim, sem aceitar as conclusões que ele tira, e sem gostar, portanto, daquilo que ele gosta. A mesma coisa vale para quase todo o domínio das ciências humanas. Só pessoas muito superficiais lêem apenas daquilo com que estão de acordo. Quem gosta de pensar fica genuinamente feliz quando encontra uma articulação interessante de pensamentos contrários aos seus. É aí que o jogo intelectual fica mais denso.

Coisa muito diferente acontece quando o eleitor vai às urnas. Quem vota não está avaliando simplesmente a articulação interna e a riqueza argumentativa dos diversos discursos em disputa. Não se trata apenas de eleger, digamos assim, o candidato “mais capaz e mais bem preparado”. Procuramos, é claro, apoiar alguém que seja tudo isso, mas é necessário também que CONCORDEMOS com aquilo que ele diz. Ao votar, depositamos nossa confiança numa certa DIREÇÃO a ser seguida. Ouvimos o que os outros candidatos têm a dizer, mas no final das contas votamos naquele que representa a nossa visão de mundo. É assim que as coisas são, e é assim que elas devem ser.

Somos muitas vezes prisioneiros da ilusão de que a escolha de um ministro do STF não deva ser feita levando-se em conta critérios políticos. O mundo jurídico brasileiro, por razões que valeria a pena investigar, é INSTINTIVAMENTE positivista. Como não se trata de um positivismo refletido, mas apenas de um impulso semiarticulado, ele está vinculado a enganos elementares, como essa idéia de que um juiz deve ser avaliado mais ou menos como avaliamos um jogador de xadrez –  por sua capacidade técnica, por seu conhecimento das regras do jogo, por sua capacidade de fazer lances profundos que são, por isso mesmo, tomados como modelo. Podemos (e devemos) avaliar os juízes desse modo. Como no caso do crítico de arte, é possível até mesmo ADMIRAR um juiz de cujas decisões discordamos. O que não é aceitável, a meu ver, é ocultar, por trás dessa dimensão técnica que as decisões de um juiz inegavelmente têm, a dimensão POLÍTICA que elas estão condenadas a ter também. Mais ainda. No momento de ELEGER um juiz para o Supremo, o apuro técnico é sem dúvida uma condição necessária, mas não é nem pode ser condição suficiente para fundamentar a escolha. A presidente não está participando de um concurso de ingresso na carreira acadêmica. Ao escolher um ministro, está decidindo os RUMOS do país. É preciso que a vontade do povo, expressa nas urnas, se reflita na escolha desses rumos também no plano do Poder Judiciário. Não fosse por isso, nossas leis determinariam a realização de um concurso de provas e títulos, e não uma ESCOLHA livre feita por REPRESENTANTES do povo.

Tomem o caso do Pinheirinho, que é emblemático. É preciso perguntar de que maneira um candidato ao posto de ministro do STF aplicaria preceitos constitucionais num caso como aquele. Ou tomem o caso dos habeas corpus concedidos a Daniel Dantas. É preciso perguntar se o candidato acompanharia o ministro Gilmar Mendes, libertando o banqueiro em nome de uma interpretação que põe os direitos individuais sempre acima dos coletivos, ou se faria valer, naquele caso, os direitos da sociedade como um todo, que não tem o menor interesse em manter nas ruas um réu multimilionário que sai por aí tentando subornar delegados da Polícia Federal. O mesmo vale para o caso de Carlinhos Cachoeira. Tourinho Neto é um juiz preparado? Não tenho razões para pensar que não seja. Gostaria de ver pessoas como ele no STF? Deus me livre e guarde. É esse o ponto.

Nada sei sobre o dr. Teori Zavascki. Não sou do meio. Por tudo o que li e ouvi, parece ser um juiz absolutamente honesto, respeitadíssimo e muito bem preparado. Como cidadão, no entanto, senti falta da utilização de critérios propriamente POLÍTICOS nessa indicação. Não senti que, ao indicá-lo, Dilma estivesse imprimindo um sentido DELIBERADAMENTE político à sua escolha. Foi contra ISSO que me revoltei, e não contra o nome do dr. Zavascki especificamente. Precisamos distinguir cuidadosamente escolhas políticas de escolhas partidárias e, pior ainda, de escolhas estritamente “pessoais”. Se for para escolher Fulano porque ele é “meu chapa”, e na hora do aperto vai “aliviar a barra” para o lado da minha turma, melhor ficar na escolha “técnica”, mesmo. Feita esta distinção, porém, a escolha deve ser política, sim. O Judiciário tem que ser permeável, nas suas interpretações da lei, à direção que a sociedade vai indicando nas urnas. O juiz não pode esquecer o texto da lei, mas tampouco pode esquecer que o Direito não é um jogo de xadrez, em que as peças não têm significado algum, e os movimentos feitos não têm consequência alguma para além dos limites do próprio jogo. Toda interpretação TEM LADO, e a interpretação de um juiz não constitui exceção a essa regra. Quando elege um ministro do Supremo, a presidente tem a OBRIGAÇÃO de se perguntar DE QUE LADO esse ministro está. Essa pergunta, a meu ver, a ministra Dilma não fez.

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