Por Cintia Alves e Johnny Negreiros
Em abril de 2022, o Brasil parou por alguns dias para acompanhar o caso da escola Colmeia Mágica. As imagens de bebês trancados em um banheiro, com os braços amarrados com lençóis, percorreram todos os canais de televisão e as redes sociais, chocando aos espectadores. As irmãs e donas da escola infantil na Zona Leste da capital paulista, Roberta Regina e Fernanda Serme, foram indiciadas ontem, 2 de maio, pela Polícia Civil de São Paulo. O caso vinha sendo investigado como maus-tratos, mas assim que “ficou famoso” evoluiu para tortura, um crime mais grave do ponto de vista legal e que supostamente permitiu à polícia manobrar no decreto de prisão.
Em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, o advogado da escola, André Dias, revelou que há um político por trás da instauração do inquérito da Polícia Civil e relatou os indícios de abuso de autoridade e violações à ampla defesa que marcam o processo. Sob pressão da opinião pública, graças a uma cobertura de imprensa enviesada, o Tribunal de Justiça de São Paulo já rejeitou três habeas corpus em prejuízo das investigadas.
“Quando a mídia quer, a mídia prende. É assim que funciona”, diz o advogado André Dias.
Para ele, “a lei não vem sendo aplicada” no caso Colmeia Mágica. “Tenho adolescente obrigada a desbloquear celular e fornecer senhas [aos policiais], pessoas conduzidas de forma coercitiva [sem mandado] e divulgação para a imprensa de um inquérito que é absolutamente sigiloso“, aponta.
Além disso, “os requisitos para a prisão [de Roberta e Fernanda] não estão preenchidos. E digo mais: se este caso não tivesse tanta repercussão, elas estariam respondendo em liberdade. A nossa lei diz que impera a presunção de inocência. Essa inversão da presunção de inocência para a presunção de culpabilidade é um ato atentatório inclusive à dignidade das pessoas”, reforça o defensor.
Na conversa com os jornalistas Cintia Alves e Johnny Negreiros, do GGN, André Dias traçou um paralelo entre o caso Colmeia Mágica e o caso da Escola Base – quando donos de uma instituição de ensino infantil foram acusados de abusar sexualmente de crianças, em 1994. Meses depois, quando o delegado da operação foi trocado, a denúncia caiu por terra e o caso foi arquivado. Mas a devassa na vida e na imagem das pessoas já era irreparável. Escola Base deixou uma cicatriz no jornalismo brasileiro, que antecipou juízo de culpa sobre suspeitos, violando o direito à presunção de inocência e, consequentemente, à ampla defesa.
“Se a Escola Base não ensinou nada, não sei quem pode ensinar”, diz André Dias. A entrevista foi gravada para a TVGGN na última sexta-feira, 30 de abril, um dia após a diretora Roberta se apresentar às autoridades para cumprir o mandado de prisão temporária. Ela e a irmã, Fernanda, estão detidas na penitenciária feminina de Tremembé.
A Polícia Civil concluiu o inquérito e indiciou Roberta, Fernanda e uma auxiliar de limpeza da escola, Solange Hernandez, pela suposta tortura e maus-tratos de 9 crianças. Solange responde em liberdade. Caberá ao Ministério Público de São Paulo oferecer a denúncia à Justiça.
Assista à entrevista abaixo:
OS INDÍCIOS DE ABUSO DE AUTORIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL
Até agora, a imprensa não tem investigado ou dado atenção ao modo como o inquérito policial tem sido construído. Há traços de abuso de autoridade no trabalho da Polícia Civil. André Dias cita como exemplo a condução coercitiva de funcionárias da escola Colmeia Mágica, sem mandado judicial. Além disso, relata que a filha adolescente da diretora Roberta foi induzida por um policial civil a desbloquear a senha e entregar o celular da mãe, também sem respaldo judicial.
“No dia que a Polícia Civil foi à escola, ela mandou todo mundo para a delegacia. As proprietárias perguntaram se elas deveriam ir, e eles responderam: ‘sim, vocês têm que ir’. (…) Mas o mandado que eles tinham era de busca e apreensão, não de interrogatório, nem de condução coercitiva. Nenhum tipo de determinação judicial foi dada que permitisse proceder dessa forma”, comenta o advogado.
“Quando ela [a filha menor de idade da diretora Roberta] estava na delegacia, aguardando que a mãe e a tia fizessem declarações, veio um policial obrigando a adolescente a desbloquear os celulares das minhas clientes. Isso é abuso de autoridade. É exagero da função do policial”, critica Dias.
Segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento” é crime passível a detenção de seis meses a dois anos.
A CONVENIÊNCIA DE MUDAR O SUPOSTO CRIME DE MAUS-TRATOS PARA TORTURA
Segundo reportagem da revista Veja, a prisão de Roberta Regina e Fernanda Serme foi decretada pela juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em abril de 2022. A juíza é a mesma que decretou a prisão do ativista Paulo Galo pela queima da estátua de Borba Gato, durante um ato contra o racismo em São Paulo.
Bertoli acolheu o argumento do delegado Renato Topan, do Cerco/8ª Seccional, que sustentou que Fernanda e Roberta Regina poderiam atrapalhar as investigações ameaçando funcionárias da escola Colmeia Mágica ou retirando documentos do local.
“É algo bastante incomum decretação de prisão antes de relatado o inquérito“, observou André Dias. Segundo ele, o mais estranho é que a Polícia Civil não juntou aos autos as provas cabais de que Fernanda e Roberta são uma ameaça à apuração. Elas foram acusadas, por exemplo, de remover documentos da escola, mas a polícia não exibiu as imagens de câmeras de segurança da rua para justificar movimentações suspeitas.
“Não é interessante produzir nada que alcance a justiça. Não podemos esquecer que muitas dessas testemunhas foram induzidas com perguntas absolutamente questionáveis, que não vou reproduzir para não ser acusado de quebrar o sigilo do inquérito”, apontou.
Por algumas semanas, Roberta foi declarada “foragida” pela imprensa. Um repórter cinematográfico do SBT que acompanha o caso desde o começo disse em entrevista para o canal “Futuro Policial” – uma produção que envolve policiais e assessores da equipe do vereador Delegado Palumbo (MDB) – que a segurança de Roberta está ameaçada dentro ou fora da prisão. “Nem o crime organizado aceita uma coisa dessa com criança.” O Delegado Palumbo é o político responsável por levar o caso Colmeia Mágica diretamente à 8ª Seccional.
Para Dias, não há justificativa técnica para mudar os rumos da investigação de maus-tratos para tortura. Segundo ele, a única explicação possível é que a Polícia “precisava de um mandado de prisão temporária de 30 dias e aí escolheram caminhar pelo lado da tortura. Se não fosse assim, o mandado de prisão temporária seria concedido por apenas cinco dias”.
“Quando a Polícia Civil começa a mentir, distorcer fatos, induzir pessoas a responderem algo de acordo com que eles querem, simplesmente para confirmar uma tese inicial, isso não é uma investigação. Isso é falta de caráter processual, para não chamar de outra coisa”, dispara André Dias. “A Polícia é boa. Porém, alguns agentes, no exercício da função, extrapolam”.
JUSTIÇA SOB PRESSÃO
A defesa da escola Colmeia Mágica já impetrou três habeas corpus no TJ-SP pela revogação da prisão preventiva, revisão de quebra de sigilo telemática e revogação de prisão temporária. Mas os três recursos foram rejeitados. O advogado vê pressão da opinião pública sobre a Justiça.
“O grande problema é que a mídia exerce uma grande influência nas decisões judiciais. (…) O juiz não precisaria se preocupar com o que estão gritando na porta do Fórum, entende? Se a mídia está fazendo divulgação diuturnamente, como é o caso Colmeia Mágica, o juiz não precisa assistir televisão. Ele pode pegar os autos, de preferência sem ver o nome das pessoas que fazem os pedidos, e decidir de acordo com a lei. E não é isso que vem acontecendo. (…) Qualquer pedido feito pela defesa é rechaçado”, diz a defesa.
CELERIDADE NA INVESTIGAÇÃO SUGERE ENVOLVIMENTO DE VEREADOR DELEGADO PALUMBO: “OPORTUNISMO”, DIZ ADVOGADO
Em entrevista ao GGN, André Dias indicou que o inquérito da Polícia Civil foi instaurado e tramita com “celeridade” por influência de um vereador, o Delegado Palumbo (MDB). Policial civil ativamente em busca de holofotes, Palumbo se elegeu em 2020 após ter estrelado o programa “Operação de Risco”, da RedeTV!, onde levava a emissora para acompanhar as operações que ele chefiava.
Palumbo recebeu a denúncia contra a escola Colmeia Mágica pelo WhatsApp. Entrou em contato com o denunciante, fez um primeiro relatório e entregou nas mãos do delegado da 8ª Seccional, Renato Topan, segundo o relato do advogado André Dias. Poucas horas depois, o inquérito já estava oficialmente instaurado.
“É muita rapidez e destreza quando a gente conhece a forma e o histórico que a Polícia Civil trabalha”, ironizou o advogado.
Para a defesa, Palumbo viu no caso Colmeia Mágica uma oportunidade de obter ganhos de imagem. O vereador é autor de um projeto de lei que obriga escolas de educação infantil em São Paulo a instalar câmeras de vigilância e dar acesso às imagens em tempo real às famílias.
“A ideia é maravilhosa. Lamento profundamente que só tenha sido levada adiante depois que esse mesmo vereador fez um ofício e deu-se início à investigação. Não tem nada de errado no envio do ofício. Não tem nada de errado com o projeto de lei. Mas ficou com uma cara de oportunismo sem tamanho”, comentou o advogado.
POLÍCIA CIVIL NÃO COMENTA O CASO COM O GGN
Procurada pelo GGN para rebater os apontamentos da defesa da escola Colmeia Mágica, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo respondeu em nota que “a Polícia Civil relatou o inquérito policial do caso à Justiça após o cumprimento das prisões preventivas das suspeitas. Diligências complementares prosseguem sob sigilo”.
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