Apresentando Otávio Ramos e dando continuidade às desventuras de Jair Messias, por Sebastião Nunes

Apresentando Otávio Ramos e dando continuidade às desventuras de Jair Messias

por Sebastião Nunes

Existem expressões tão verdadeiras e universais que se tornam inesquecíveis. Por exemplo, aquilo que escreveu Tolstói, na abertura de “Anna Karenina”:

“Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”

No final do último capítulo desta distopia introduzi o escritor Otávio Ramos, tão querido e admirado pelos que com ele conviveram como desconhecido pela imensa maioria dos letrados brasileiros. É de Otávio, que morreu aos 56 anos, predizendo o seu total aniquilamento como escritor, a seguinte frase, que todos nós deveríamos gravar com sangue em nossas testas:

“Todos os anos passas, inconscientemente, pela data de aniversário de tua morte.”

Pois não é? Aqui estou eu, batucando com sete dedos no teclado de meu velho computador; aí está você, lendo entre bocejos estas mal traçadas, e todos nós passamos inconscientemente pelo dia em que a parca cortará desdenhosa o fio que nos prende ao lado de cá.

O RECÉM-CHEGADO SE EXPLICA

Diante do estupor coletivo, Otávio Ramos percebeu que havia pisado em falso e se apressou em explicar sua declaração.

– Ora, pessoal – galhofou ele, com o sorriso ambíguo que só Otávio possuía. – Eu apenas disse que Bolsonaro parecia plenamente confiável por ter ficado espantado com a declaração de Adão Ventura de que Jair Messias tinha cara de imparcial. Se aquela carranca pode ser chamada de imparcial…

– Alto lá! – destemperou Adão, que de preto passou a vermelho. – Eu estava era galhofando. Ou você não entendem uma boa galhofa?

– Parece que a linguagem desse pessoal novo está cada dia mais antiga – meteu o bico o erudito Manoel Lobato. – Quem é que usa a expressão “galhofar” hoje em dia?

– Concordo totalmente – disse Sérgio Sant’Anna, amigo íntimo de Otávio Ramos, esquecido de que o autor destas linhas é também inclinado a usar palavras esdrúxulas, para não dizer fora de moda, ultrapassadas, demodês, coisas que tais. Tudo como explicação para os escorregões literários.

– Então ficamos assim – tentou concluir Luís Gonzaga Vieira, que de bobo não tinha nada. – Para Adão, que foi presidente da Fundação Palmares e depois juiz classista de alto nível, Jair Messias não tem cara de imparcial, mesmo porque parcial é o que ele nunca deixou de ser. Parcial, venal, boçal, imoral e outras categorias ruins terminadas em al. E segundo Otávio, que era humorista sutil, Bolsonaro é confiável apenas para a família dele, se é que 01, 02, 03 e 04 metem a mão no fogo para as mutretas do pai.

MAIS INTRUSOS NA FESTA

De repente, chorosa e descabelada, surgiu do nada uma mulher. Uma mulher, sim, pois notei que estes textos estão machistas para caralho.

– Deve ser Maria Madalena – opinou o arcanjo Gabriel que, pertencendo à ambígua categoria dos anjos, nunca se soube se homem, mulher ou qualquer outro dos diversos gêneros que se assumem atualmente. E foi sem dúvida um palpite infeliz, pois desde quando Gabriel conhece mulher? Só a Virgem Maria, e assim mesmo quando ela faz reuniões de pauta com anjos, arcanjos e querubins, coisa raríssima.

– Não parece – duvidou São Pedro, frequentador contumaz das festanças cristãs, das quais Madalena participava.

– Ei, eu conheço ela pra caralho! – alegrou-se Jimi Hendrix, que até dedilhou a guitarra em homenagem à recém-chegada. – É minha parça Janis Joplin, a cantora mais porreta que já existiu. Chega pra cá, Janis, e canta alguma coisa pra nós.

A Joplin até que chegou, mas cantar que é bom…

– Deixa disso, Jimi – na bucha, ela, Janis. – Tô mais afim de uma picada e uns tragos. Desde que desencarnei, ando numa seca de dar gosto.

– Não seja por isso – apresentou-se Sancho Pança, todo serelepe. – Aqui temos do bom e do melhor. Pode escolher.

Nesse instante, coberto de merda até o cabelo, fedendo a perder de vista, eis que reaparece, capengando e cambaleando, o esquecido Jair Messias. Esfarrapado, suado e respirando a custo, mais parecia um mendigo enlouquecido do que um ex-capitão que, por artes de demônio, chegou a antipresidente de uma república bananeira.

– Porra! – exclamou Janis Joplin. – De onde será que vem esse desinfeliz? Nunca vi nada mais horripilante. Nem Jimi trêbado, quando vomitava na minha cara.

Então nossos amigos imortais-mortais-imortais, agora com os honrosos e ilustres acréscimos de Otávio Ramos e Janis Joplin, passaram a vomitar adoidado. Até o cavalo de Adão, que continuava servindo de montaria ao poeta, vomitava com tanta gana que logo imaginaram que acabaria morrendo, se já não estivesse mortinho da silva.

Sebastiao Nunes

Sebastiao Nunes

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