Como foram derrotados e presos os Cavaleiros do Apocalipse, por Sebastião Nunes

O cavaleiro Messias abaixou, a contragosto, a dura cabeça que trazia do berço. Pela primeira vez na vida compreendeu que existem valores que não se vendem nem se compram.

Como foram derrotados e presos os Cavaleiros do Apocalipse

por Sebastião Nunes

A batalha durou pouco.

Assim que se viram cercados, os Cavaleiros do Apocalipse, o escudeiro-Moro e os seguranças procuraram de todas as maneiras se defender.

Primeiro, tentaram matar os seres imortais da floresta com as submetralhadoras e os rifles estadunidenses, russos e israelenses que empunhavam.

Dispararam milhares de tiros sem qualquer resultado. As balas, sibilantes, se enterravam nos troncos das árvores ou sumiam no espaço, no chão, dentro d’água.

Pois é impossível destruir ideias, assombrações, mitos e lendas com armas.

Depois tentaram corrompê-los, oferecendo fortunas em dólares, euros e reais que buscariam em seus cofres de magia negra e de tramoias secretas.

Mas é impossível subornar crenças ancestrais com dinheiro.

Finalmente, o cavaleiro Messias tomou a iniciativa da negociação, oferecendo valiosos cargos em ministérios e em altos escalões do judiciário, entremeados a juízes calhordas e a procuradores venais.

Mas como trocar a paz e a beleza infinitas da floresta por sinecuras e gabinetes, que tudo o que garantem é um pouco de holofote e de poder, que ainda que fossem eternos não passariam de mel azedo, temperado com resina amargosa?

Nada feito, e os seres da floresta balançavam as cabeças, discordando. Só a Mula sem cabeça, que não tinha cabeça, votou sacudindo em negação o espalhafatoso rabo.

O cavaleiro Messias abaixou, a contragosto, a dura cabeça que trazia do berço. Pela primeira vez na vida compreendeu que existem valores que não se vendem nem se compram. E ele, que sempre desfilou pelos corredores da ignorância, da violência e da arrogância, viu-se desprovido dos meios de comprar poder e subserviência.

Foi quando passou, voando por cima deles e gritando como se de alegria, vasto bando de araras multicoloridas, álacres como aladas fadas às gargalhadas.

 

LEVANTA-TE E ANDA

– Vamos, cambada! – comandou o Saci. – É hora de rumar à prisão, que muito distante ansiosa espera, como a sertaneja ao ansiado lavrador aguarda.

Levantaram-se os outrora todo-poderosos e agora prisioneiros, e manquitolando e resmungando, principiaram a ingrata e longa derrota, rumando ao Sertão distante.

Foi quando, do meio da mata, subiu vigorosa gritaria de macacos saltitantes, como a saldar a prisão dos assassinos e como a dizer que não voltassem jamais.

– Vocês têm muita sorte – disse a Iara. – Em vez de dividirem celas com dezenas ou centenas, terão o desprazer de cumprir pena debaixo do sol, respirando ar puro.

– Aprenderão, ao contrário do que pensam, que se cadeia resolvesse o problema da criminalidade – disse muito da sabichona a Cuca –, o Brasil seria um dos países mais pacíficos do mundo.

Compreenderão – emendou o Caipora –, que o que muda o destino de um povo é a educação, essa mesma que estão querendo sufocar com mentiras e má fé.

– Educação que vocês nunca tiveram – lembrou o Boitatá –, desperdiçando a vida a mamar nos cofres públicos, desprovidos de pudor e de vergonha.

– E ainda não é tudo – completou o Curupira. – Com essas leis de porte de arma para todos e do salve-se-quem-puder generalizado, pobres de favela e negros em geral estarão condenados antes de nascer. Não é mesmo, seu escudeiro-Moro?

E assim foram proseando e palmilhando léguas e léguas floresta adentro, os cativos abrindo picada a facão, tropeçando e caindo, suando que nem peba, até que o cavaleiro Messias implorou penico.

– Ainda falta muito? – perguntou ele ao Saci, limpando o suor da cara com as costas da mão. – Acho que não aguento dar mais um passo. E estou morto de sede.

– Uns 4.000 quilômetros, acho – respondeu o Saci. – E tem água naquele igarapé ali na sua frente. É só chegar, ajoelhar e beber com as mãos em cuia, com fazem os habitantes humanos da floresta.

– Além da sede, estou morrendo de fome – apressou-se em somar o cavaleiro Flávio. – Não temos nada pra comer.

– Não seja por isso – disse o Saci. – Mastiga um punhado de folhas. A maioria não é venenosa e dá pra matar a fome.

Mais que depressa, o bando se ajoelhou no igarapé e, como se acolhidos por um Deus generoso e amável, beberam com volúpia a água fria e gostosa. Depois, embora um tanto desconfiados – pois desconfiança neles era uma maldição inata –, começaram a arrancar e a mastigar folhas. Algumas tinham gosto tão forte que tiveram de cuspir.

Enquanto comiam, os seres da floresta esperavam. Conheciam, pelo tanto que viviam ali, que muitos moradores da floresta sobreviviam daquele jeito: bebendo água de igarapé e comendo folha. Só que os moradores tinham experiência e sabiam quais eram ou não venenosas, sabedoria que esses assassinos não tinham.

Não demorou quase nada e os comilões de folha começaram a vomitar, enquanto o escudeiro-Moro, talvez um pouco mais (ou menos) resistente, cagou nas calças, uma merda fluida e fedorenta, como talvez fosse, quem sabe, o conteúdo de seu cérebro.

Sebastiao Nunes

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