Pesquisa informal mostra que 20% dos escritores vivem da renda de outra ocupação

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A Folha Ilustrada publicou neste sábado (27) uma pesquisa informal realizada por Santiago Nazarian com 50 escritores, para saber qual é o principal meio de subsistência de cada um deles. No geral, o resultado da pesquisa e a avaliação dos profissionais mostram que a área está melhor hoje do que esteve há 20 anos, quando o ofício de “escritor profissional” sequer era reconhecido. Mas isso não significa que tudo é um mar de rosas. Só quatro dos 50 escritores, por exemplo, apontaram a venda de livros como principal componente de sua renda. Um quinto deles disseram ter profissão sem relação com a atividade artística e denotaram que essa outra ocupação é a principal fonte de renda.

Por Santiago Nazarian

Pesquisa informal mostra do que vivem escritores no Brasil

Da Folha

Do que você vive? É a pergunta que todo autor ouve com frequência. Eu mesmo, nos malabarismos das contas do mês, sempre me pergunto como meus colegas conseguem se sustentar num país em que se lê tão pouco.

Como padrão internacional, para cada livro vendido o autor recebe em média 10% do preço de capa. O restante é dividido entre editora (que arca com custos de edição, publicação, promoção), distribuidora e livraria.

Considerando que a tiragem média de edição de literatura contemporânea no Brasil é de 3.000 exemplares, um autor com um livro a R$ 35 que, numa projeção otimista, consiga vender essa quantidade em dois anos ganharia R$ 5.250 por ano, menos de R$ 500 por mês.

Apesar disso, a multiplicação de eventos literários -a participação num debate paga em média R$ 2.000- e alternativas de escrita abertas pela internet, pela TV e pelo cinema têm possibilitado a autores “estabelecidos” viver da escrita, embora não da venda de livros.

“Nunca houve tanto interesse em autores, mais do que em livros”, diz Andrea del Fuego, 39, autora de “Os Malaquias”, que em 2014 teve como principal fonte de renda as oficinas literárias.

Numa pesquisa informal com 50 autores de diversos perfis e estágios na carreira, obtive dados sintomáticos das formas de sobrevivência de escritores no Brasil. Os autores responderam a questões como “qual sua maior fonte de renda” e “o quanto a venda de livros representa da sua renda” -muitos sob a condição de que seus dados individuais não fossem divulgados.

VENDAS

Só quatro dos 50 escritores, três deles no campo da literatura juvenil/de entretenimento, apontaram a venda de livros como principal componente de sua renda.

Tammy Luciano é uma autora desse perfil, que levanta a bandeira da literatura comercial; seu romance “Claro que Te Amo!” vendeu 10 mil cópias em 45 dias. “O jovem consome muito. O livro para esse público pode ser vendido em larga escala”, diz.

No geral, as principais fontes de renda decorrem de atividades relacionadas à escrita, como dar aulas ou palestras, realizar oficinas literárias, traduzir livros, trabalhar com jornalismo e criar roteiros de cinema e televisão.

O gaúcho Paulo Scott, 48, lança em abril, pela Foz, seu próximo romance, “O Ano que Vivi de Literatura”, no qual aborda essa realidade.

“É uma abordagem ficcional que acabou envolvendo o quadro ‘escrever um livro’ que, caso repercuta, levará o autor a ser convidado a eventos literários, indicado a premiações, adaptado para o cinema e o teatro”, discorre.

Apenas 11 dos 50 entrevistados disseram ter profissão sem relação com atividade artística e, desses, dez apontaram essa outra ocupação como principal fonte de renda.

“Não ter de cumprir expediente faz diferença para quem precisa de tempo, ou ao menos administrar o tempo com mais liberdade,” diz Michel Laub, 41, que teve como maior fonte de renda em 2014 as vendas de direitos de seus livros para o exterior.

OUTROS TEMPOS

O escritor que cumpre expediente como funcionário público -ocupação, em outros tempos, de nomes como Machado de Assis e Lima Barreto- já não parece comum.

Apenas três dos consultados fazem ou fizeram parte desse grupo. É o caso de Marcos Peres, 30, autor de “O Evangelho Segundo Hitler” e técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Paraná. “É burocrático, nada glamoroso, mas necessário”, diz.

Dos autores pesquisados, a maioria considera a situação do autor brasileiro hoje melhor que há 20 anos.

“Naquele tempo não havia escritor ‘profissional’ (com as exceções de sempre), coisa comum hoje em dia. Muita gente vive da escrita hoje. O escritor não precisa mais se submeter a um emprego fora da sua área”, diz Ivana Arruda Leite, 63, que estreou na literatura em 1997 e se dividiu entre a escrita e o funcionalismo público até 2013, quando se aposentou.

Alguns autores não souberam opinar. Só Ricardo Ramos Filho, 60, escritor e cronista, neto de Graciliano Ramos, apontou a situação hoje como pior: “Embora o governo compre mais hoje, no geral as edições diminuíram em volume. Houve época em que era comum imprimir 5.000 livros numa primeira edição. Proporcionalmente, estamos lendo menos.”

Nesse cenário, discussões recentes como a envolvendo a lei do preço fixo para livros (que impossibilitaria grandes redes de dar descontos nos lançamentos, protegendo assim as pequenas livrarias) é uma questão mais para editoras e livreiros do que para os autores; a maioria dos pesquisados afirmou não ter ainda uma opinião formada.

“Ganhar dinheiro” com literatura não chega a ser ambição confessa nem de metade dos entrevistados -20 deles marcaram a alternativa, entre diversas opções listadas. Menos ainda “vender muito”, com 15 respostas. As opções mais citadas foram “fazer boa literatura”, “contar uma história” e “ser lido”.

Bem ou mal, das mais diversas formas, os autores sobrevivem. A questão parece ser como reproduzir leitores. Que as vendas mais expressivas se deem principalmente para as novas gerações talvez seja motivo de esperança na existência de um mercado para a literatura nacional.

SANTIAGO NAZARIAN é escritor, autor de “Biofobia” (Record), entre outros, mas vive principalmente de tradução.

AUTORES QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA
Adrienne Myrtes, Ana Paula Maia, André Sant’anna, Andrea del Fuego, Anita Deak, Antonio Prata, Antônio Xerxenesky, Beatriz Bracher, Bruna Beber, Cadão Volpato, Carlos Henrique Schroeder, Carol Bensimon, Cintia Moscovich, Clara Averbuck, Claudia Tajes, Cristhiano Aguiar, Cristovão Tezza, Daniel Galera, Eliane Brum, Eric Novello, Ferrez, Giulia Moon, Gregorio Duvivier, Ivana Arruda Leite, João Silverio Trevisan, Joca Reiners Terron, Laura Conrado, Lourenço Mutarelli, Luisa Geisler, Luiz Braz, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Marcos Perez, Maria Alzira Brum Lemos, Michel Laub, Paloma Vidal, Paula Fabrio, Paulo Scott, Rafael Gallo, Raphael Montes, Ricardo Lisias, Ricardo Ramos Filho, Ronaldo Bressane, Simone Campos, Socorro Acioli, Tailor Diniz, Tammy Luciano, Tatiana Salem Levy, Tiago de Melo Andrade, Xico Sá.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Nas artes, em geral

    Creio que uma pesquisa dessas com músicos, por exemplo, iria dar resultado ainda pior.

    Ou a pessoa é incensada pelas midionas e aí, sim, ganha dinheiro, ou continua a fazer sua arte mas para sobreviver tem de fazer outras coisas.

     

    1. Não em geral!

      A música conta com a Lei esperta de direitos autorais e o ECAD, que junta um dinheirama pela repeteca de músicas pelos rádios, TVs, shows e festas de escola (entre outros). O “músico” que mais dinheiro ganha no Brasil é o dono do direito autoral do “Parabéns pra Você” (pode consultar na internet se não acreditar). O cara já deve ter ganhado mais do que Jorge Amado vendeu em livros na sua vida toda.

      Assim e tudo, 80% do dinheiro do ECAD, ou mais, vai para selos discográficos que são detentores dos direitos.

      Tom Jobim viveu muito bem no Brasil, embora nunca pagou um único centavo de imposto aqui. Jobim viveu, e a sua família ainda vive e recebe, dinheiro em grande parte brasileiro que escorrega para a Corcovado Music, em Nova Iorque.

       

  2. livros e escritores

    Ler é preciso, sobretudo os  jovens e bons autores. O  nosso país está cheio,no bom sentido,deles.

    A iniciativa privada poderia muito bem colaborar e incentivar promovendo concursos literários e distribuindo os livros vencedores a seus clientes  e em escolas…

    Muitas coisas podem ser feitas para melhorar essa  questao dos livror e autores, é só ter boa vontade e criatividade.

     

     

     

  3. Sem xororô.

    Traga essa pesquisa para a área das Artes Cênicas, especialmente Teatro.

    Ninguém, com exceção de quem mostra regularmente a cara na telinha da globo, recebe em teatro. Na record, nem mostrando a cara ou outras partes. 

    Em novembro, antes do encerramento das temporadas, tivemos aqui na Paulicéia cerca  de 90 espetáculos em cartaz numa semana. E contando com a concorrência massacrante dos stand ups, que fazem a alegria da classe média paulistana, carente de expurgar seus medos e pauras do bolivarianismo petista que ameaça o mundo livre ocidental cristão.  

    Como essa façanha se deu? Na fé e na raça. Como foi no ano anterior e será no próximo ano. Nóis capota mas não breca. Evoé!

    1. Ops!
      Está no próprio texto: 4 conseguem viver exclusivamente da venda de livros e 11 (ou seja, mais ou menos 20%) tem outras ocupações como fonte de renda principal. Os outros vivem de atividades ligadas a seu ofício, como oficinas, palestras e produção de roteiros.

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