Santa Corrupção, por Janderson Lacerda

Imagem: Reprodução/Internet

Santa Corrupção

por Janderson Lacerda

Madalena levantou-se bem cedo (antes que o galo cantasse) não despediu de seu marido que dormia sem incomodar-se com o, estrondoso, barulho provocado por seu próprio ronco. Apanhou o terço, a bolsa e saiu em jejum, balbuciando uma oração; correu para não perder o ônibus e viajou por quinze quilômetros até chegar ao seu destino final; a igreja católica, localizada, próxima ao terminal metropolitano de São Mateus.

A igreja era pequena, mas muito bem conservada. O pároco mal terminou de abrir as portas, quando Madalena adentrou apressada no santuário.

Sua bênção, padre.

Deus te abençoe! Resmungou o pároco em meio a um longo bocejo.

Madalena sentou-se na primeira fileira e começou a rezar, pedindo a São Jérôme que a agraciasse com um emprego.

A mulher era devota de São Jérôme, por acreditar que os santos franceses teriam maior influência no reino celestial. Nunca explicou o que a motivava a pensar desta forma, apenas dizia isto ao seu marido, e o estimulava a rezar e cultuar o mesmo Santo. Enquanto Madalena fazia sua prece, o padre dormia debruçado sobre a mesa que ficava próxima a entrada principal da igreja.

Madalena era fervorosa e rezava incessantemente, até que viu um raio de luz brotar do teto que protegia o altar. A mulher arregalou os olhos e viu um homem magro de túnica azul e aparência angelical sair do feixe de luz.

— Quem é você? Perguntou Madalena, descrente da visão.

— Ora, tu me invocas há tanto tempo e não me reconheces? Onde está tua fé?

— São Jérôme, é o senhor? Madalena prostrou-se no chão e começou a adorá-lo.

— Levanta-te, mulher! Bradou impaciente o Santo e afastou-se sorrateiramente.

— Perdoe-me, Senhor!

— Tá, tá… Diga-me, Madalena o que desejas?

— Senhor tu sabes que não sou merecedora, mas preciso de um emprego! Expressou-se rapidamente, a fim de não irritar o Santo.

— Emprego? Tu sabes que a crise econômica está terrível! É uma crise dos infernos (perdoe-me Senhor, justificou São Jérôme, olhando para o Cristo crucificado em cima do altar).

— Eu sei meu Senhor! Mas, estou precisando desesperadamente!

— Vou ser sincero, Madalena até posso ajudá-la, mas… Preciso de uma contribuição de, no mínimo, mil reais. Os pedidos no céu são muitos; e sabe como é… Um agradinho pode facilitar as coisas…

— Mas, Senhor isto é errado! Respondeu com certa timidez a mulher!

— Veja bem, Madalena como pode ser pecado se eu sou Santo? Acusar-me-á algum inquisidor por acaso?

— Perdoe-me, novamente, Senhor; eu sou tola mesmo!

— Tudo bem, Madalena. Você pode trazer o pagamento em espécie até amanhã.

— Mas, ainda não recebi o salário, Senhor!

— Tende fé, mulher (vociferou o Santo). Tu não queres a graça?

— Sim Senhor, sim Senhor!

— Então me traga mil reais até amanhã e não conte nada a ninguém.

Madalena agradeceu a São Jérôme e saiu sem, sequer, despedir-se do padre.

No mesmo dia a mulher conseguiu dinheiro emprestado em uma financeira; e na manhã seguinte foi até a igreja, conforme combinado. Pensou em fazer o mesmo ritual do dia anterior, mas para sua surpresa: deparou-se com São Jérôme já na entrada da igreja.

— E o padre? Perguntou Madalena.

— Dormindo… Você trouxe? Quis saber o Santo.

— É claro meu Senhor! A mulher entregou o envelope para São Jérôme que o guardou rapidamente e disse: — Vá em paz minha filha, pois tua graça alcançaste; e desapareceu!

Madalena voltava para casa distraída e feliz, confiante que receberia a boa nova. Até que se descuidou para atravessar a rua e foi atropelada por um carro branco, não identificado, que fugiu sem prestar socorro.

A mulher faleceu antes mesmo que um pedestre qualquer tivesse tempo para chamar o resgate.

Atordoada, Madalena despertou na eternidade, e deparou-se com uma porta fechada. A porta era gigantesca, feita de ouro maciço e jaspes claros como os cristais, capaz de iluminar tudo que estava ao seu redor. A mulher levantou-se com dificuldade e ouviu um brado, quase, retumbante:

— Pode levá-la!

Madalena, então, foi lançada no inferno junto com diversas pessoas, algumas até conhecidas. Nas profundezas do hades, entre um gemido e outro, perguntou ao superintendente da repartição por que estava lá, já que sempre fora uma mulher de fé.

— Corrupção de santos. Respondeu o carrasco enquanto a fustigava.

— Como assim? Quer dizer que estou no inferno por ter dado dinheiro ao Santo?

— Sim. E levou mais duas chibatadas!

— E onde está São Jérôme? Perguntou com indignação a mulher!

— Ora, ora e tu já viu Santo ser condenado? E gargalhou o superintendente, enquanto a esbofeteava…

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

View Comments

Recent Posts

Choques políticos em série refletem bagunça institucional, por Antonio Machado

O chamado ativismo judicial provoca rusgas institucionais desde o tempo do mensalão, antecedendo os ataques…

13 horas ago

Lei de Alienação Parental: revogar ou não revogar, eis a questão

Denúncias de alienação descredibilizam acusações de violência contra menores e podem expor a criança aos…

13 horas ago

Papa Francisco recebe Dilma Rousseff no Vaticano

Os dois conversaram sobre o combate à desigualdade e à fome. Para Dilma, o papa…

16 horas ago

Exposição à poluição aumenta o risco de doenças cardíacas em moradores de São Paulo

Os pesquisadores constataram que pessoas que sofrem de hipertensão sofrem ainda mais riscos, especialmente as…

17 horas ago

Vídeo mostra a ação da polícia durante abordagem de Tiago Batan

Caso ganhou repercussão no interior de SP; jovem faleceu após ser baleado na região do…

17 horas ago

Roberto Campos Neto e o terrorismo monetário

É papel do Banco Central administrar as expectativas de mercado, mas o que o presidente…

18 horas ago