A COP27 e o Fundo Amazônia, por Guilherme Narciso de Lacerda e Elvio Gaspar

A partir de 2019 interrompeu-se a análise e aprovação de novos projetos pela interferência do governo federal empenhado em “deixar passar a boiada”.

A COP27 e o Fundo Amazônia

por Guilherme Narciso de Lacerda e Elvio Gaspar

Na abertura da COP 27 no Cairo, capital do Egito, o ex-Primeiro Ministro de Portugal e atual Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, deixou uma mensagem dramática com palavras fortes que precisam ressoar em nossas cabeças, quando estamos às vésperas de romper com um tempo de pesadelo social e ambiental. O experiente líder europeu afirmou que “estamos na batalha das nossas vidas e estamos a perdê-la. As emissões de gases com efeito estufa continuam a aumentar”. Em tom ainda mais enfático alertou:  “estamos numa autoestrada para o inferno climático e temos o nosso pé no acelerador”.

A intensificação de desastres climáticos quebra as últimas resistências dos recalcitrantes em reconhecer a gravidade do aquecimento global. Neste cenário tão grave o Brasil joga um papel de grande relevância, pelo potencial que possui para agir na proteção de nosso planeta. Contudo, diante do desmonte das políticas públicas teremos que fazer um grande esforço para recuperar o tempo perdido.

A devastação dos últimos anos impressiona pelos números. Em 2021, foi observado incremento de 22% na taxa de desmatamento da Amazônia, medida pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em relação ao ano anterior.  O desmatamento na Amazônia Legal foi de 13.235 km², mais que dobrando a dimensão registrada em 2015, que foi de 6.207 km².

Para preservar a principal floresta do planeta um dos valiosos instrumentos que voltaremos a ter é o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES. A partir de 2019 interrompeu-se a análise e aprovação de novos projetos pela interferência do governo federal empenhado em “deixar passar a boiada”. As pressões governamentais obrigaram a Noruega e a Alemanha a suspenderem os aportes financeiros a que haviam se comprometido desde 2008, quando houve a criação do Fundo, a partir de um clamor levado aos líderes mundiais pelo então Presidente Lula.

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Agora, em menos de uma semana após o resultado da eleição presidencial os dois países já anunciaram que estão prontos para retornarem a uma experiência internacional bem-sucedida de preservação de florestas tropicais.

De 2009 até agora foram apoiados 102 projetos, operados por entidades da sociedade civil, órgãos de governo, universidades e um projeto internacional em parceria com a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) com sede na Guiana. Os recursos de apoio atingiram, em 2021, o total de R$1,8 bilhão e as doações recebidas foram de R$3,4 bilhões. Cerca de 93,8% deste montante foi oriundo da Noruega. A Alemanha aportou 5,7% e a Petrobras respondeu por 0,5%. Os projetos foram aprovados a partir de uma rigorosa análise técnica e a utilização dos recursos foram auditados e avaliados tecnicamente. Um diferencial do Fundo é a sua governança, com dois Comitês compostos por representantes dos três níveis de governo, membros da Sociedade civil e técnicos especialistas. Um deles destina-se a definir as diretrizes e operação do fundo e o é responsável por atestar o cálculo das reduções de emissões de gases de efeito estufa relacionadas com o desmatamento.

O singular exemplo do Fundo Amazônia para o mundo recomenda que sejam feitas revisões que o fortaleça e o torne mais resistente a movimentos hostis, tal como ocorreu a partir de 2019.

O Fundo ganharia solidez com uma institucionalidade alternativa, contemplando uma participação direta em sua governança de representantes de governo e da sociedade civil de todos os países da América do Sul que abrigam o bioma amazônico em seus territórios. Essa reordenação institucional deveria ser implantada, mas com o zelo em não ter gastos financeiros excessivos em atividades-meio e nem a de se abrir mão do rigor técnico atual na análise dos projetos. Também deve ser considerada parceria com o Banco da Amazônia, já que os projetos têm tudo a ver com sua missão corporativa.

No âmbito operacional também é preciso recomendar revisões. A trilha da análise dos projetos precisa ser otimizada. Há urgência em tirar do papel ações efetivas que enfrentem a dura realidade de hoje, muito mais grave do que aquela de 2008, quando de criação do Fundo. Deveria se dar prioridade para projetos com alto impacto na recuperação de áreas degradadas, na gestão de florestas públicas e no controle, monitoramento e fiscalização ambiental, reprimindo duramente atividades ilícitas.

É fundamental proteger os grupos sociais mais carentes com apoio à geração de renda integrada à sustentabilidade socioambiental. De outra forma, tais grupos ficam vulneráveis aos detratores da floresta. As atividades econômicas a serem favorecidas são as que integram associações agroextrativistas em novos sistemas de produção da sociobiodiversidade, que conservam a floresta em pé e promovam a geração de valor econômico em centros de inovação e desenvolvimento científico e tecnológico.

A captação de recursos para o Fundo Amazônia é condicionada à redução das emissões de carbono oriundas do desmatamento.  Essa condição pode ser aprimorada para ser referência e canalizar as contribuições mundiais para redução de emissões. Há o desafio de se ter recursos financeiros suficientes para aumentar a escala do fundo.

A rica experiência do fundo oferece condições para que empresas nacionais e globais se integrem a ele. O selo ESG, tão em moda nos ambientes financeiros assépticos, precisa ser colocado à prova com medidas efetivas das empresas que assumem compromissos com o planeta e com as pessoas. O Fundo Amazônia é uma boa oportunidade para isso.

Guilherme Narciso de Lacerda e Élvio Gaspar são ex-diretores do BNDES e responsáveis pelo Fundo Amazônia no período de 2008 a 2015

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