O estado de emergência da Barragem D4, com material radioativo, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Caldas, Minas Gerais, está longe de ser algo “normal“, explica a pesquisadora e liderança na defesa das águas minerais, Ana Paula Lemes de Souza, ao GGN.
Na semana passada, veio a público um documento interno da INB, em que o gerente de descomissionamento da unidade de Caldas, João Viçoso da Silva Júnior, assumiu a gravidade da situação aos órgãos reguladores, sendo o principal deles a Agência Nacional de Mineração (ANM).
De acordo com a declaração do último dia 12, a barragem com urânio e tório provenientes de rejeitos da mineração que estão a céu aberto, materiais pesados e lama, foi enquadrada no Nível 1 de Emergência (NE1), por não atender os requisitos mínimos requeridos na Resolução ANM nº 95/20233. Ou seja, a barragem possui uma anomalia que pode implicar em risco na estrutura, mas a situação ainda pode ser controlada e monitorada.
A INB tem minimizado a situação sob a alegação de que este é o menor parâmetro na escala de três níveis de emergência e que a classificação aconteceu devido a uma lei aprovada em dezembro passado que repassou à ANM a responsabilidade pela fiscalização das estruturas.
“No caso específico da barragem D4 da UDC/Caldas, o nível de emergência NE1 indica uma situação que apresenta potencial comprometimento da segurança da estrutura e está longe de ser algo ‘normal’. É um estágio além do nível de alerta, onde não há risco imediato à segurança, mas ainda requer medidas de controle e monitoramento. Trocando em miúdos: há risco imediato à segurança“.
esclarece Ana Paula Lemes de Souza, pesquisadora e liderança na defesa das águas minerais.
“O NE1 é o segundo degrau em termos de gravidade, indicando que já passou do nível de alerta. No NE2 já é necessário realizar evacuação preventiva da população na área afetada, enquanto o NE3, o mais grave, indica que a ruptura da barragem é inevitável ou está ocorrendo. Em outras palavras, caso o problema não seja controlado na D4, o próximo passo é o NE2, com evacuação preventiva“, pontua Souza.
No caso da Barragem D4, a classificação foi atribuída pelos seguintes motivos específicos: falta de dados técnicos para o cálculo do fator de segurança da barragem, além da questão do assoreamento do reservatório e, principalmente, pela borda livre insuficiente.
“A borda livre não está de acordo ao estabelecido no projeto, o que significa que a distância vertical entre a crista da barragem e o nível das águas do reservatório está menor do que o que foi estabelecido como mínimo no projeto da barragem [de pelo menos um metrô de distância] e o que pode aumentar o risco de transbordamento do material contido no reservatório“, esclareceu a ANM, em nota encaminhada à reportagem.
Nesse sentido, segundo Souza, é fundamental que a INB execute as ações previstas no Plano de Ação de Emergência de Barragem de Rejeitos, de 2022, para mediar a situação. Ainda, nesta terça e quarta-feira, 20 e 21 de junho, uma equipe de fiscalização da ANM realizará vistoria na barragem. Enquanto a IBN trabalha em um novo Plano de Ação de Emergência (PAE), atualizado e especifico para a situação.
Contudo, tanto os trabalhos relacionados à vistoria quanto a elaboração do novo PAE não têm prazo estabelecido, o que alarma ainda mais o cenário, já que eventuais eventos climáticos representam uma ameaça.
“A catástrofe climática representa uma ameaça tanto para a estrutura da barragem D4 quanto para as comunidades e ecossistemas ao seu redor. Com a ocorrência de eventos climáticos erráticos e cada vez mais extremos, severos e frequentes, os riscos associados à barragem se intensificam“.
diz Ana Paula Lemes de Souza, pesquisadora e liderança na defesa das águas minerais.
“Os eventos climáticos, como chuvas intensas, tempestades, enchentes e secas prolongadas, podem comprometer a integridade da barragem de várias maneiras. As chuvas intensas aumentam a pressão hidrostática sobre a estrutura, podendo sobrecarregá-la e levar a falhas. Além disso, as enchentes resultantes dessas chuvas podem causar erosão do solo ao redor da barragem, enfraquecendo suas fundações e comprometendo sua estabilidade“, afirma a especialista.
Neste limbo, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou, na última sexta-feira (16), um procedimento administrativo com a finalidade de avaliar as condições de segurança e estabilidade da Barragem D4.
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Barragem de rejeitos
Além da Barragem D4, a Barragem de Rejeitos da Unidade em Descomissionamento de Caldas também foi enquadrada no NE1.
“No dia 7 de junho, a INB incluiu no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração – SIGBM a Barragem de Rejeitos da Unidade em Descomissionamento de Caldas no Nível 1 de Emergência“, confirmou a INB ao GGN.
Em relação a esta barragem de rejeitos, o fator de segurança foi de 1,34, inferior ao mínimo exigido de 1,50, determinado pela legislação. A vistoria a ANM incluiu também esta estrutura.
Chernobyl brasileiro
O alerta sobre a situação de Caldas não é uma novidade, já que a área abriga a Mina do Campo do Cercado, que serviu para exploração de urânio na década de 70. A unidade foi fechada em 1982, por falta de viabilidade econômica, mas o urânio já estava armazenado em tambores, em constante processo de corrosão.
“Para lá, foram levados também, na calada da noite, material radioativo produzido no Brooklin paulista pela Orquima, sucedida pela Nuclemon, fechada em 1992, que deixou um rasto de mortos e doentes”, conforme relembrou a jornalista Tania Malheiros, em seu blog.
“Hoje já há o perigo de contaminação do lençol freático e de toda a região. E a INB tem se mostrado inerte em relação ao descomissionamento e remediação da área, priorizando a complexificação do problema ao sugerir o envio do material radioativo de São Paulo para Caldas e querendo transformar Caldas em um tipo de lixão radioativo do Brasil, problema que passa, no meu modo de entender, pelo racismo ambiental“, destaca Souza.
Busca por Justiça
A pesquisadora conta também que hoje já existem três ações civis públicas em Minas Gerais relacionadas à Barragem D4. Uma dessas ações foi proposta pelo MPMG, enquanto as outras duas foram apresentadas pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG).
“Todas as ações têm em comum o apontamento da necessidade urgente de descomissionar o material já existente na barragem, devido às precárias condições de armazenamento“, explica Souza.
Segundo a pesquisadora, um outro caminho para questionar a situação da Barragem D4 e buscar medidas para sua segurança e descomissionamento é a ação popular, um uma forma de participação direta dos cidadãos na defesa dos interesses coletivos e na fiscalização do poder público.
Neste caso, no entanto, a ação civil pública é mais vantajosa porque “a constituição de prova e perícia pelo MP pode ser tecnicamente melhor em muitos casos, pois o MP possui poderes de investigação e expertise para realizar análises técnicas e coletar evidências necessárias para comprovar os danos causados e responsabilizar os infratores“, completa Souza.
A pesquisadora também comentou a situação, em entrevista concedida ao jornalista Luís Nassif, na TVGGN 20H, na sexta-feira (16). Assista:
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