Financiamento de gasoduto pelo BNDES é criticado por cientistas e ambientalistas

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Conflitos com indígenas locais e impacto ambiental do fracking são questionados; adesão a manifesto pode ser feita até as 22h desta quarta

O anúncio de que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) irá financiar a construção do gasoduto Nestor Kirchner, que irá cortar a Argentina, para a extração via fracking tem gerado discussões entre ambientalistas.

Além da questão ambiental, o embate com a comunidade da etnia mapuche local também tem gerado embates em torno do tema.

“Não vamos permitir que dinheiro público do Brasil financie degradação ambiental ou prejudique populações indígenas”, diz manifesto publicado pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM).

Tais questionamentos constam de ofício enviado pelo PROAM a Alexandre Corrêa Abreu, presidente interino do BNDES; Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente; e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.

Os interessados em assinar o manifesto podem fazê-lo até às 22h desta terça-feira, enviando o nome do responsável, cidade e estado da instituição para o e-mail [email protected].

Leia abaixo a íntegra do manifesto:

Ilustríssimo(a)s Senhore(a)s

Alexandre Corrêa Abreu

Presidente Interino do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS)

Mauro Vieira

Ministro das Relações Exteriores do Brasil

Marina Silva

Ministra do Meio Ambiente do Brasil

Sonia Guajajara

Ministra dos Povos Indígenas

A presente, tem por finalidade abordar fatos ocorridos por ocasião da recente visita do Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina, ocorrida em 22 e 23 de janeiro do corrente ano.

Na ocasião, afirmou o Presidente que o Brasil estaria disposto a financiar, por intermédio do BNDES, o gasoduto argentino Nestor Kirchner, para transporte de gás de xisto a partir da Patagônia, proporcionando assim meios econômicos de desenvolvimento para o país vizinho.

Mesmo considerando que recursos oriundos do BNDES representem exclusivamente financiamento de bens e serviços a serem destinados a empresas nacionais, observamos:

1 – O chamado gás natural é um combustível fóssil, com alto potencial de aquecimento climático, cujo uso nos coloca na contramão da tarefa global para a redução de emissões, sendo que sua queima em usinas termelétricas provoca fortes efeitos na atmosfera terrestre em horizonte de tempo de 20 anos;

2 – O método para obtenção de gás de xisto é internacionalmente reconhecido por altos riscos e fortes impactos ambientais. Consiste em processo de extração de gás por meio de fragmentação de rochas para liberação dos hidrocarbonetos, provocando a contaminação dos aquíferos sendo, portanto, alternativa de extração de gás ambientalmente inadequada e já banida em países mais progressistas.

3 – Note-se que a perfuração para extração na região remete a ao menos 14 poços de terras de povos originários na região de Vaca Muerta, onde já há operações em mais de 300 poços e que foram palco de confrontos com a comunidade Mapuche, na patagônia argentina, fatos amplamente documentados pela imprensa local. Ressalte-se ainda possíveis implicações com a estabilidade geológica local, que registra aumento de abalos sísmicos.

4 – Lembramos que o Brasil abordou a tecnologia de extração de gás por meio de “fracking” há cerca de 8 anos atrás, quando intensos debates técnicos foram promovidos no Congresso Nacional por meio da Comissão do Meio Ambiente das Câmara dos Deputados, pela Procuradoria Geral da República (Ministério Público Federal), resultando em várias comunicações ao Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), provocando à época declaração contrária à proposta por parte da própria Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira.

5 – Diante de tais fatos, inadmissível que o Brasil venha a financiar, por meio do BNDES, essa prática reconhecidamente geradora de impactos ambientais, em áreas onde existe cenário conflitante com reivindicações de povos originários. Portanto, solicitamos que o BNDES se abstenha de aportar recursos públicos brasileiros, em conformidade com seus princípios éticos e dentro da cautela que exige a responsabilidade solidária sobre a geração de impactos ambientais por agentes financiadores, responsabilidade de todos os brasileiros, segundo afirma o caput do Capítulo de Meio Ambiente (art. 225) da Constituição Federal.

Fatos como este justificam a presente manifestação de membros do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm), iniciativa do PROAM, além de especialistas de diferentes áreas do conhecimento, preocupados com a boa governança ambiental do País, que não poderá prescindir do monitoramento de financiamentos que possam ser lesivos ao meio ambiente.

Temos certeza de que os nobres sentimentos externados pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de emprestar apoio financeiro às obras de infraestrutura da Nação Argentina, podem ter por destinação projetos mais adequados à modernidade e sustentabilidade ambiental.

Contando com a visão progressista do BNDES para conduzir iniciativas que sejam condizentes com a implementação de um modelo de Desenvolvimento Sustentável, que deve se dar especialmente por meio de uma ação inter e transdisciplinar do Governo do Brasil, conforme tem defendido a própria Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

São Paulo, 25 de janeiro de 2023

Carlos Alberto Hailer Bocuhy

Presidente do PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, membro do Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, membro da coordenação do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Yara Schaeffer-Novelli

Bacharel e Licenciada em História Natural – Professor Senior da Universidade de São Paulo (USP) – coordenadora científica da Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).

José Rubens Morato Leite

Professor Titular dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Luciana Vanni Gatti

Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – Membro de Painéis Internacionais para monitorar GEE da Organização Mundial de Meteorologia (WMO), membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Luiz Marques

Professor livre-docente do Departamento de História do IFCH – Unicamp, membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Sonia Corina Hess

Doutora em Química – Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

José Carlos Carvalho

Engenheiro Florestal – ex-Ministro do Meio Ambiente do Brasil, membro honorário do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Clemente Coelho Junior

Professor de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco.

Paulo Boggiani

Professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).

Gilberto Natalini

Médico, Ambientalista – ex-Secretário de Meio Ambiente do Município de São Paulo, membro honorário do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo/SP

Engenheiro Agrônomo Vilazio Lellis Jr (PROAM) – Eng. Vicente de Moraes Cioffi (SESBRA) – Arquiteta Claudia Perencim (ACE Pau-Brasil) – membros do Observatório da Governança Ambiental do Estado de São Paulo (OGAm-SP).

Fórum de Entidades Ambientalistas do Distrito Federal e Adjacências/DF

Carlos Bomtempo – Secretário Executivo da Diretoria Colegiada

Clóvis Cavalcanti

Ex-presidente da International Society for Ecological Economics (ISEE), Pesquisador Emérito da Fundação Joaquim Nabuco, Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica.

José Eustáquio Diniz Alves

Ex-Vice Presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) e Pesquisador Titular Aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ENCE/IBGE).

Lisiane Becker

Bióloga, Mestre em Biociências – Ex-docente na Faculdade de Medicina/PUCRS – Presidente do Instituto MIRA-SERRA/RS, membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Luiz Mourão de Sá

Presidente do Instituto de Desenvolvimento Ambiental – Brasilia/DF – membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Vladimir Safatle

Professor Titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, membro da Coordenação da International Society of Psychoanalysis and Philosophy e Ex-Presidente da Comissão de Cooperação Internacional (CCInt) da FFLCH-USP.

Marcelo Marini Pereira de Souza

Professor Titular de Política Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).   

Moema Miranda

Antropóloga, membro da Ordem Franciscana Secular, assessora e integrante do comitê da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), membro do Coletivo 660.

Pe. Dário Bossi

Missionário Comboniano, membro da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e da Comissão Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB).

Chico Whitaker

Prêmio Nobel Alternativo (Right Livelihood Award) de 2006 – Ex-Secretário Executivo e hoje Consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), cofundador do Fórum Social Mundial e membro do Coletivo 660.

Marcus Vinicius Polignano

Médico, Vice-Presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Fundador do Instituto Guaicuy/MG, membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm). 

José Correa Leite

Professor Universitário. Integra o Coletivo 660, impulsiona a Assembleia Mundial pela Amazônia e o Diálogo Global por Alternativas Sistêmicas.

Célio Bermann

Professor Associado 3 no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, coordenador do Grupo de Pesquisa em Governança Energética, certificado pelo CNPq, ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP.

Sérgio Haddad

Professor, membro da coordenação da Ação Educativa, membro do Coletivo 660.

Néri de Barros Almeida

Professora titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, ex-coordenadora do Comitê Gestor do Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos da Unicamp.

Deborah Duplat

Subprocuradora-Geral da República aposentada, ex-coordenadora da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm)

Andreas K. Gombert

Professor Associado da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.

Leila da Costa Ferreira

Professora titular do Núcleo de Pesquisas Ambientais (NEPAM) da Unicamp.

Ivo Poletto

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – FMCJS.

Yara Toledo

Pedagoga, Presidente da ONG SOS Manancial.

Helena Dutra Lutgens

Ecóloga, Pesquisadora Científica, Vice-Presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) e membro do Observatório da Governança Ambiental do Brasil (OGAm).

Saint-Claire Honorato dos Santos

Procurador de Justiça do Estado do Paraná e ex-representante dos Ministérios Públicos Estaduais no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

Links para referência:

El gasoducto desde Vaca Muerta y el comercio bilateral en moneda local, ejes del encuentro entre Fernández y Lula – elDiarioAR.com

O que Lula pensa sobre usar o BNDES para financiar o gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina – Economia – CartaCapital

05/12/2013 -A Exploração do Xisto em Território Nacional e seus Efeitos sobre o Meio AmbienteApresentação de Carlos Alberto Hailer Bocuhy

Representantes da Justiça de SP criticam exploração de xisto; ANP defende atividade – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)

Seminário debate impactos ambientais causados pela exploração de gás de folhelho | Jusbrasil

Izabella Teixeira critica exploração de gás de xisto

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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