MP de Contas exige fim de acordo entre prefeitura e Samarco, em meio a danos ambientais irreversíveis na segunda maior lagoa do ES

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Município de Anchieta concedeu R$ 55 milhões de isenção fiscal retroativa à Samarco, que usa lagoa como depósito de rejeitos

Imagens de satélite mostram poluição na Lagoa de Mãe-Bá. | FOTO: REPRODUÇÃO DE VÍDEO DO MPC-ES

O Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) quer suspender um acordo entre a Prefeitura de Anchieta e a Samarco, no sul do Estado, que prevê R$ 55 milhões de isenção fiscal retroativa do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) devido aos danos ambientais provocados pela mineradora durante duas décadas.

O órgão aponta uma série de irregularidades na negociação, que envolvem danos ambientais irreversíveis na Lagoa de Mãe-Bá, a segunda maior do estado, além de aspectos tributários, processuais e conflito de interesses no caso.

O processo sobre o caso ainda está em fase de instrução. Recentemente, o MPC apresentou um agravo em que contesta uma decisão do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) que negou a inclusão da Samarco, e do grupo que a constitui, formado pela Vale e BHP Billiton, na denúncia. 

No recurso, o órgão ministerial também reiterou o pedido de suspensão imediata da eficácia da transação tributária celebrada entre o município de Anchieta e a Samarco, em 2019, na gestão de Fabrício Petri (PSB).

O tal acordo prevê a redução da dívida tributária da mineradora, com efeitos retroativos até 1999, de R$ 140 milhões para R$ 85 milhões, sem qualquer contrapartida da empresa ou do grupo que pertence. A decisão administrativa teve como base o reconhecimento, pelo município, de que parte da área da mineradora estaria enquadrada como Área de Preservação Permanente (APP).

O principal argumento do MPC-ES é que o “acordo administrativo celebrado entre o município e a mineradora está permeado de irregularidades que afetam diretamente a sustentabilidade da Lagoa de Mãe-Bá, uma área de proteção ambiental degradada pelas atividades da Samarco”.

O histórico da poluição causada à Lagoa de Mãe-Bá pela Samarco torna ilegítima a concessão de qualquer benefício fiscal que premie a poluidora por suposta proteção ambiental na área do seu empreendimento, tendo em vista a natureza indivisível da área de proteção ambiental a ser salvaguardada”, diz o órgão. Imagens de satélite revelam a dimensão do dano ambiental, veja:

No recuso, o MPC-ES ainda reforça que “a transação tributária, homologada sem uma avaliação adequada dos impactos ambientais e financeiros, é um grave erro de gestão pública” e a isenção retroativa de impostos “é um claro exemplo de como o poder público tem falhado na proteção do meio ambiente e dos interesses da sociedade”. 

O órgão ministerial acredita que “a ausência de uma análise ambiental criteriosa por parte dos órgãos competentes coloca em risco o equilíbrio ecológico da região”, e que além de possível dano ao erário “o acordo também pode comprometer os esforços de recuperação ambiental da Lagoa de Mãe-Bá”. Por isso, defende a necessidade de uma “fiscalização rigorosa do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) a suspensão imediata da eficácia da transação, a fim de evitar maiores prejuízos à sociedade e ao meio ambiente”. 

Um ponto importante, este na denúncia inicial, mostra ainda que a transação tributária teria sido formulada pela própria Samarco, e não pela Prefeitura de Anchieta. Uma notícia da BBC Brasil, de 2015, mostra que o projeto de lei do Código de Mineração foi alterado por advogado vinculado a escritório que defende os interesses da Vale e BHP.

Pagamentos para Associação

Além da isenção tributária, o acordo entre a Samarco e a prefeitura de Anchieta também inclui o pagamento milionário de honorários advocatícios à Associação dos Procuradores Municipais de Anchieta (APMA), pela mineradora, no valor estimado de R$ 4,2 milhões.

A associação foi criada em 2015, mesmo ano da criação da Lei Municipal que autorizou o pagamento de honorários sucumbenciais – para representar apenas os novos procuradores do município. 

Segundo o MPC-ES, esse aspecto “aliado à disputa judicial pelo direito de perceber honorários advocatícios milionários revela o uso desvirtuado da entidade de classe, que teria funcionado como mera intermediária no recebimento e na distribuição dos honorários advocatícios (…) à margem de qualquer controle administrativo sobre o teto remuneratório constitucional e sobre o recolhimento do imposto de renda incidente sobre as referidas verbas remuneratórias proporcionadas pelo exercício do cargo público”. 

Conflito de interesses

O MPC-ES também registrou, no parecer em que fez aditamento à denúncia, a preocupação com a condução do caso. “A força do poder do capital econômico transnacional das empresas poluidoras, que coloca a todos dependentes das atividades da mineradora, se alastra pelas estruturas do Estado com inúmeras ramificações e assim subjuga países, governos, instituições e autoridades e submete os órgãos de controle estatais a um estado de profunda domesticação”, diz o texto.

O parecer ministerial cita o caso do atual diretor-presidente do Iema, Alaimar Ribeiro Rodrigues Fiuza, que foi funcionário de carreira da Vale por mais de 30 anos. Ele deixou suas funções na empresa mineradora em janeiro de 2019, passando a dirigir o órgão responsável pela concessão das licenças ambientais à própria mineradora. 

Dois outros casos são comentados no aditamento à denúncia. O do ex-governador Paulo  César Hartung Gomes, que possui assento no Conselho de Administração da Vale e também é o presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ); além do caso ex-secretária estadual do Meio Ambiente Maria da Glória Brito Abaurre, que ocupou o cargo de 2004 a 2010 e o assumiu enquanto ainda integrava o quadro societário da Cepemar Serviços de Consultoria em Meio Ambiente Ltda. e prestava serviços de consultoria ambiental ao Iema, órgão para o qual foi designada para responder, de forma concomitante à pasta do Meio Ambiente.

Segundo o MPC-ES, “o aprisionamento econômico gerado pelas empresas mineradoras, utilizado como instrumento de coerção, além de impossibilitar uma diversificação da economia, ainda conta com parte significativa da classe trabalhadora da região refém exclusivamente da atividade de mineração. Tal situação não permite que ambientalistas com histórico de defesa do meio ambiente possam ocupar cargos de direção em órgãos ambientais estratégicos do Estado para se enfrentar a minério-devastação, sendo normalmente preteridos pela nomeação de pessoas pinçadas dos quadros das próprias empresas poluidoras”. 

Também nessa linha, o MPC-ES demonstra uma relação direta entre as irregularidades que favoreceram a Samarco com benefícios fiscais retroativos e a atuação da atual secretária de Meio Ambiente de Anchieta, Jéssica Martins de Freitas, “qualificada como bióloga”. Conforme a denúncia, mesmo sem atribuição legal, ela “elaborara de próprio punho Relatório Técnico Ambiental com justificativas genéricas, em parte extraídas do próprio texto legal, as quais serviriam para justificar qualquer trabalho de natureza semelhante”.

Diante disso, o MPC-ES afirmou que “espera que o Tribunal de Contas reverta a decisão, suspendendo imediatamente os efeitos da transação, pois considera inadmissível que uma empresa responsável por tamanha destruição ambiental continue a ser beneficiada, enquanto a sociedade arca com as consequências ecológicas e financeiras”.

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