Fuja do equilíbrio! – Uma dica contraintuitiva para combater o desconforto térmico, por Felipe Costa

Embora o procedimento sugerido seja efetivo, gratuito e absurdamente trivial, trata-se de um procedimento pouco ou nada utilizado

Fuja do equilíbrio! – Uma dica contraintuitiva para combater o desconforto térmico.

Por Felipe A P L Costa [*].

A temperatura média do planeta – historicamente em torno dos 15 ºC – está a escalar. Em 2022, por exemplo, a média anual bateu na casa dos 16 ºC, o valor mais alto já registrado desde que se começou a falar seriamente em séries históricas e em médias mundiais (ainda no século 19). Em 2023, a tendência de alta prossegue – já foram registrados picos superiores aos 17 ºC. Ainda que fique abaixo dos 17 ºC, a média de 2023 deverá ficar acima da de 2022.

Médias anuais de temperatura e pluviosidade são elementos que caracterizam o clima de um lugar, de um país ou de todo o planeta. Quando falamos em médias anuais de temperatura ou pluviosidade, estamos a abraçar um ponto de vista climatológico da crise climática. Há ainda o ponto de vista meteorológico. E é aí que entram as chuvas de verão mais intensas, as secas de inverno mais prolongadas e o calor extremo fora de época. Como a onda de calor que muitos brasileiros estão a enfrentar desde o último fim de semana (11-12/11).

1. TRIVIAL E EFETIVO, MAS POUCO USADO.

No que segue, apresento e discuto uma sugestão que visa combater o desconforto térmico dentro de casa. Embora o procedimento sugerido seja efetivo, gratuito e absurdamente trivial, trata-se de um procedimento pouco ou nada utilizado pelos brasileiros. Vamos lá…

Minha sugestão prática consta tão somente do seguinte: Mantenha as janelas de casa fechadas. Evite que a luz solar (direta ou indireta) penetre no interior da sua casa, sobretudo nas horas mais quentes do dia. (É uma ideia contraintuitiva, o que ajuda a explicar o fato de o procedimento não ser adotado por tanta gente [1].)

2. LUZ É CALOR.

Qual seria o objetivo dessa medida? O propósito último é tão somente sombrear o interior da casa.

E por que seria importante sombrear o interior das casas? Para responder a esta pergunta, devemos recorrer a alguns capítulos dos manuais de física do ensino médio.

Para os propósitos deste artigo, bastaria saber que (i) luz e calor são tipos de energia; (ii) luz transmite calor; e (iii) a transferência de calor entre dois (ou mais) corpos pode se dar por mais de uma via, mas sempre se dá no mesmo sentido, a saber: do corpo mais quente (com maior quantidade de calor) para o corpo mais frio (com menos calor); disso resulta um estado de equilíbrio (quando todos os corpos envolvidos atingem a mesma temperatura).

Reduzir a entrada de luz em uma casa significaria, portanto, reduzir a entrada de calor. (A diferença de temperatura, a depender de as janelas estarem abertas ou fechadas, é notável e é facilmente percebida pela pele humana. Na dúvida, porém, arranje um termômetro, faça medições e compare os resultados.)

3. JANELAS E CORTINAS.

As janelas das casas costumam ser opacas (janelas de madeira ou de metal) ou transparentes (janelas de vidro). No caso das de madeira, mantê-las fechadas já seria o suficiente. As janelas de metal, no entanto, absorvem (e transmitem) muita energia calorífica. Para os propósitos deste artigo, portanto, talvez fosse melhor tratá-las como se elas fossem transparentes.

No caso das janelas transparentes (ou semitransparentes), o que nos cabe fazer é bloquear a entrada de luz. Para tanto, podemos usar uma cortina de pano. (Tecidos de pano são maus condutores de calor, o que implica dizer que eles são bons isolantes térmicos.) O ideal é que o tecido seja claro, opaco e grosso.

4. CORTINAS FUNCIONAM O ANO INTEIRO.

Se o tecido é claro (creme ou bege, por exemplo), uma parcela significativa da luz que atravessa o vidro será prontamente refletida de volta. Na hipótese de que o tecido também seja opaco e grosso, outros fenômenos favoráveis (além da reflexão) serão intensificados. No cômputo final, uma cortina de tecido claro, opaco e grosso tende a funcionar bem porque (i) bloqueia a entrada de luz, e (ii) dificulta a transferência de calor de fora para dentro da casa.

A rigor, cortinas de pano protegem o ano inteiro: além de proteger contra o calor do verão (bloqueando a entrada de luz), elas também protegem contra o frio do inverno. Como? De modo parecido, mas agora freando um fluxo que se dá em sentido contrário – a perda de calor de dentro para fora de casa.

5. CODA.

A diferença de temperatura entre o interior e o exterior de uma casa varia de acordo com a época do ano e o turno do dia (Tab. 1). No verão, durante o dia, a temperatura é mais alta (ou muito mais alta) do lado de fora. No entanto, se as janelas são mantidas abertas – uma medida que normalmente é tomada na ilusão de que se vai conseguir “refrescar o interior da casa” (tolice ainda maior seria abrir a janela e ligar o ventilador [2]) –, a transferência de calor de fora para dentro é acelerada.

Com as janelas escancaradas para ‘refrescar’, o que de fato ocorre é que a temperatura do interior da casa se aproxima muito da temperatura do lado de fora – isto é, dentro e fora de casa, as temperaturas ficam igualmente elevadas. Desse modo, se as janelas são mantidas abertas, a diferença (+/–) que vemos na Tab. 1 (retângulo vermelho) tende a se aproximar do equilíbrio (+/+).

Em termos puramente físicos, sombrear o interior de uma casa (melhorando assim o conforto térmico de quem está lá dentro) é tão somente um modo de impedir que seja alcançado o equilíbrio térmico entre o interior e o exterior. Em suma, para evitar o desconforto em dias de calor extremo, devemos permanecer na sombra, devemos fugir do equilíbrio.

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NOTAS.

[*] Sobre a aquisição dos livros do autor, ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para conhecer outros artigos e obter amostras dos livros, ver aqui.

[1] Para um artigo anterior contendo uma dica de culinária que também contraria o senso comum, ver Receita do Fogo Fantasma.

[2] O resultado prático dessa combinação indigesta pode ser perigoso e costuma resultar em problemas respiratórios. Eu mesmo, na única vez que dormi com um ventilador ligado perto de mim (Recife, verão de 1978), acordei me sentindo muito mal e terminei adoecendo.

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2 Comentários

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  1. Apesar da boa vontade do autor a termodinâmica tem alguns outros fatores que não estão contemplados no artigo. Ele não considera uma relevância muito significativa que é o fator de irradiação do calor. Ambientes fechados que recebem a irradiação por ação externa acumulam temperatura. Não se leva em conta, também, a ação de remoção de calor efetivada pelo vento em ambientes de ventilação cruzada. Um exemplo de que ambiente fechado não ajuda no conforto térmico é o interior de uma cobertura residencial. Neste ambiente temos o telhado (telhas cerâmicas ou outro material) e o teto do ambiente (laje ou forro). O autor já se imaginou num ambiente como esse no período entre 14:00 e 16:00 horas? O assunto é mais técnico e complexo do que aparenta.

  2. “Eu mesmo, na única vez que dormi com um ventilador ligado perto de mim (Recife, verão de 1978), acordei me sentindo muito mal e terminei adoecendo.”. Sem noção. Morei em Óbidos (PA), 2004/2007, dormi 365 dias por ano com um ventilador daqueles de farmácia e um ar condicionado de 10.000 BTU. Faz 68 anos que durmo com ventilador grande no máximo diretamente em cima de mim. Sem noção. Vou comprar um ar portátil pra levar pra todo canto. E o ventilador junto.

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