Antonio Helio Junqueira
Pós-doutor em Comunicação e Práticas de Consumo. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA da USP, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM.
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Elza: a voz profunda do Brasil que se foi, por Antonio Hélio Junqueira

Importa sim, dizermos de sua importância enquanto Voz...Voz assim mesmo, com maiúscula.

Patricia Lino – Divulgação

Elza: a voz profunda do Brasil que se foi

por Antonio Hélio Junqueira[1]

A voz do Brasil, a voz do Milênio, a voz do Planeta Fome, a voz das mulheres negras, a voz dos pobres e dos desvalidos desses tristes trópicos, a voz das pessoas de boa vontade que denunciam e lutam contra as injustiças e inequidades sociais, a nossa voz… A voz que canta uma linda canção, a voz que canta nessa escuridão…. Quantas vozes pode ter uma única mulher?

Elza Soares nos deixou na tarde de ontem, quinta-feira, 20 de janeiro, não por acaso ou mera coincidência, na mesma marca do calendário em que se deu, há 39 anos, a morte do seu (e nosso) grande amor, Mané Garrincha, falecido em 20 de janeiro de 1983. Aí tem…. Tem fé, tem garra, vontade de superar tudo e de finalmente poder repousar de tanta guerra nos braços e abraços de um verdadeiro amor.

A gente não queria que ela fosse…a gente, talvez mais do que nunca, precisava dela, de seu topete, de sua espinha dorsal inquebrantável, de sua inquietude, da sua louca vontade de viver…. Afinal, a vida tem ficado cada dia mais difícil, mais indócil, mais intolerante…mais dura de engolir. Precisamos de luz, luz, mais luz….

Mas, Elza precisava e merecia descansar, aos seus 91 bem-vividos anos, e no auge de sua glória. Vai, Elza…abrace e beije muito o Garrincha, por todos nós, que aqui ainda ficamos…. Temos certeza de que sua força, sua garra e determinação continuarão nos guiando, inspirando, animando…pelo menos aos mais bem-intencionados e justos de nós.

Falar da carreira, das músicas, dos discos, trajetória e sucessos de Elza, nesse momento, não é o que se faz mais necessário. Afinal, a maioria de nós teve, tem ou terá a presença dela atravessando seus dias, seu coração e o âmago de sua alma em algum momento.

Importa sim, dizermos de sua importância enquanto Voz…Voz assim mesmo, com maiúscula.

Voz pode ser um dom…. Voz pode ser resultado de treinos e lapidações, voz pode ser sorte, voz pode ser uma graça…Mas, dar a voz, não. Decididamente, não! Dar, doar a voz para o Outro, para o pobre, para o excluído, para o sem Voz, isso é amor…puro amor…amor que não se resigna, amor que luta, amor que espera…

Disse São Paulo apóstolo aos coríntios que ainda que nossa fala e nossa voz tivesse todos os dons, das profecias ao doce sabor da língua dos anjos…sem o amor, nenhum de nós, nada de nada seríamos…Elza disse aos corintianos e a todos nós que de pouco adiantaria uma linda, vibrante, potente e raríssima voz…sem o dar-se, pois, sem amor, sem doação, sem tomar o lugar de quem não pode falar, valemos muito, muito pouco…Por isso, Elza é imortal, Elza é a alma do Brasil desigual e profundo, Elza é raiz….Elza é um porvir …um possível.

Assumir e cantar, quantas e quantas vezes for necessário, as latas d’água na cabeça, as subidas e decidas do morro…os orgulhos dos guris favelados, marginalizados, desprivilegiados e condenados à própria sorte (ou morte)…Falar, denunciar abertamente a fome frente à qual são se deve deixar abater, mas, pelo contrário, reivindicar o direito à existência justa, humana, plena…Isso foi, isso é, isso sempre será Elza.

Levantar a cabeça e meter o dedo na cara da madame que tem preconceito de cor, valorizar e deleitar-se na língua própria e na cadência do autêntico samba…. Lutar pelo amor mais autêntico… Isso foi, isso é, isso sempre será Elza, a mulher do fim do mundo.

Elza sempre sonhou com as estrelas…, em morar naquelas luzes. Estrelas que ela via do morro da Vila Vintém. Agora ela foi para lá…como uma preta, pobre, favelada, como uma deusa, uma diva, uma mulher cheia de muitas mulheres, cada uma de uma cor, cada uma de uma força, cada uma de um lugar…mas todas, Elzas unidas pelo amor sincero que se dá e sem o qual nenhum de nós nunca nada será.

Que Elza viva em todas, todos e em cada um de nós!


[1] Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP), com pós-doutorado e mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM/SP). Pós-doutorando em Gestão da Informação (UFPR). Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP).

2 Comentários

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  1. Helio, teu texto representa bem o sentimento e o que Elza representa para nós mulheres e negras neste país! Parte o corpo, mas a alma e o pensamento e a luta dela permanece.

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